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Senhores, quantas vezes já hesitaram entrar num táxi ou TVDE com medo de serem violados?

Foto: Pexels
04 de dezembro de 2024 às 15:31 Paula Cosme Pinto

Nos últimos dias, soube-se que a licença da Pinker, uma nova plataforma TVDE exclusiva para mulheres que está a tentar arrancar em Portugal, foi suspensa pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes. Porquê? Porque a lei do setor diz que estes serviços não podem ser recusados com base no sexo. Nas redes sociais, muitos homens aplaudiram a medida, recorrendo a narrativas perniciosas que desvalorizam as necessidades concretas das mulheres quanto à sua segurança. Posto isto, deixo uma pergunta para estes senhores: quantas vezes já hesitaram entrar num táxi ou TVDE com medo de serem violados?

Provavelmente, para a larguíssima maioria, a resposta à pergunta anterior é um redondo "raras". E diria que este é um dos pontos chave a marcar a diferença de perceção entre géneros – e respetivos condicionamentos – do que é poder circular livremente. Todos e todas nós podemos ter medo de sermos assaltados, por exemplo. Mas temer uma violação é algo que, atrevo-me a dizer, já passou pela cabeça de 100% das raparigas e mulheres ao fazerem coisas tão simples quanto andar sozinha à noite na rua, ir fazer jogging durante o dia numa mata ou uma caminhada na praia no inverno, viajar sem companhia masculina, entrar num gabinete com um estranho em contexto de trabalho, apanhar um táxi ou TVDE.

Já perdi a conta às vezes em que fingi telefonemas a andar sozinha à noite num serviço destes. Ou que acompanhei efetivamente amigas à distância enquanto estas regressavam a casa numa destas viagens. O pedido "manda mensagem quando chegares" não é uma mera formalidade quando se é mulher, é uma necessidade. Porque todas, sem exceção, tememos o que nos pode acontecer. Os homens não são todos agressores, bem sabemos. Contudo, as agressões que nos são dirigidas são invariavelmente perpetradas por homens. A ameaça da violência sexual enquanto exercício de poder sobre nós está demasiado presente no nosso dia a dia para que a possamos ignorar.

O usufruto do espaço público, com dignidade e em segurança, devia ser também nosso por direito. Mas não é esta a realidade. A nossa liberdade individual é continuamente espartilhada por ameaças, amiúde normalizadas pela narrativa do "sempre assim foi". Infelizmente, termos ao dispor serviços que nos ajudem a assegurar a nossa segurança ainda é necessário. Porque estamos longe de termos o problema de raiz resolvido: a violência que decorre de uma misoginia estrutural, totalmente enraizada, e desvalorizada como "mal menor", equação essa que acentua uma profunda desigualdade entre homens e mulheres. Não deixa, portanto, de ser irónico que para travar um serviço que protege as mulheres do problema estrutural de desigualdade na nossa sociedade, as bandeiras legais da equidade e da discriminação de género sejam usadas como arma de arremesso. Quanta hipocrisia.

Agrada-me a ideia da segregação feminina? Não. Serviços só para mulheres podem ter um efeito nefasto de culpabilização das mesmas que, caso não os usem, e algo corra mal, pode espoletar a ideia de que "se puseram a jeito"? É uma potencial consequência que não pode ser desvalorizada nesta equação, já se sabe que a culpa tende a recair sobre as vítimas. Devíamos estar a votar esforços na educação para o respeito e a igualdade como prioridade estratégica de mudança de mentalidades? Óbvio, mas falta muito para que isto seja uma meta completa, num país que ainda questiona a necessidade das aulas de cidadania. Termos serviços só para mulheres resolve o problema de base por trás desta mentalidade machista que promove a violência? Não, mas no curto e médio prazo, atenua as consequências reais na vida das raparigas e mulheres. E pode ter o condão e agitar consciências para o que nos leva a precisarmos disto em pleno 2024.

Não é ao acaso que quando esta aplicação começou a sair nas notícias, dispararam as inscrições de mulheres interessadas, ora como motoristas, ora como clientes. São as nossas vidas que estão em jogo, percebamos isto. Se querem falar de igualdade de género, comecemos por aqui.

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