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J.D. Vance em campanha contra senhoras malucas com gatos

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

Foto: Getty Images
09 de agosto de 2024 às 15:31 Madalena Haderer

Durante anos, os norte-americanos têm procurado os seus candidatos à presidência em casas de repouso, campos de golf, ranchos do Texas, bastidores de Hollywood, e até, ocasionalmente, nos corredores do Senado. Agora é possível que comecem, finalmente, a procurá-los no sítio certo: as maternidades. Tudo mérito dessa poderosa voz da razão e da verdade, que sai da boca de J.D. Vance, o candidato republicano a vice-presidente – estou a assumir que sai da boca, mas pode sair de outro sítio qualquer.

Vance anda há semanas a debater-se com umas declarações que fez, e que os jornalistas foram desenterrar – não se percebe quem é que anda a distribuir pás a esta gente –, sobre mulheres sem filhos não terem as qualidades necessárias para governar o país. Chamou-lhes crazy cat ladies sem prole e, para boa medida – não fossem acusá-lo de machismo ou assim –, para além de Kamala Harris e Alexandria Ocasio-Cortez, decidiu incluir no rol Pete Buttigieg, o actual secretário dos Transportes. Consta que Buttigieg já revirou a casa toda à procura do bichano – que teima em não aparecer –, e jura que foi por acidente que aquele vestido da mulher foi parar à sua gaveta.

Terá Vance razão no que diz? Será a experiência de ter filhos essencial para quem governa um país? De facto, é difícil imaginar como é que o presidente Kennedy teria conseguido fazer o muito que fez nos poucos anos de mandato, sem aqueles escassos segundos por dia, em que via os filhos passarem à frente da porta da Sala Oval, sendo encaminhados para a cama por três amas. Ou Clinton, sem ser assaltado pela música ensurdecedora que a sua filha adolescente ouvia para aliviar a angústia da idade, enquanto os serviços secretos aguardavam um sinal para a enfiarem num saco da FedEx e a despacharem para o Alaska. Ou Obama, sem ter de escutar as brigas das filhas sobre quem é que deixou morrer o Tamagotchi ou de qual delas é que o cão Bo gosta mais.

No limite, um líder de uma grande nação que não tem filhos tem menos hipóteses de ser extorquido e chantageado por terroristas e malfeitores. Imaginem: "Senhora presidente Harris, como retaliação pela sua tomada de posição contra o Irão, sequestrámos e vamos assassinar, não os seus filhos, que a senhora lamentavelmente não tem, e é uma grande desfeita que nos faz, nem o seu gato, que arranhou com violência os nossos dois melhores capangas, Ahmad e Hassan, mas contra o qual o profeta proíbe retaliações, mas o seu marido." Ao que a presidente responderá: "O meu marido? Oh, que atenciosos, para que se foram dar a esse trabalho? Não estava nada à espera, muito obrigada, quanto é que vos devo?" 

Por outro lado, Angela Merkel, a ex-chanceler alemã, que não tem filhos, nunca deu mostras de ser uma líder política menos apta que Ursula van der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, que tem sete. Embora ninguém me tire da ideia que aquela forma estranha como Merkel segurava as mãos, era para controlar o ímpeto de rapinar e levar para casa uma criancinha de bochechinhas rosadas da Baixa Saxónia, filha de um qualquer eleitor incauto. Pena não ter sido contemporânea de Margaret Thatcher. Consta que a primeira-ministra britânica teria sido perfeitamente capaz de lhe dar a filha, mesmo que Merkel não mostrasse grande interesse. O filho querido, nem pensar, agora, a filha? Certamente.

J.D Vance, porém, é um político razoável e uma pessoa justa e ficou alarmado e francamente contrito quando percebeu que havia passado uma linha vermelha com as declarações sobre mulheres sem filhos, e apressou-se a pedir desculpa. "Obviamente, foi um comentário sarcástico", disse ele na televisão, para toda a gente ouvir. "Não tenho nada contra os gatos", concluiu. 

E os gatos agradecem.

A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.

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