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Prazeres

Manuela Azevedo, dos Clã: “É a música que me salva”

Véspera é o nome do novo disco dos Clã, e além de chegar em boa hora, é uma dádiva musical nos tempos estranhos que atravessamos. E a prova de que a música, em última instância, liberta-nos sempre.

23 de julho de 2020 às 14:25 Rita Silva Avelar

É uma das bandas portuguesas dos anos noventa com maior longevidade, capacidade de reinvenção e carisma. São os Clã, hoje compostos por Manuela Tavares, Hélder Gonçalves, Miguel Ferreira, Pedro Santos e Pedro Oliveira, estes últimos elementos muito recentes, uma vez que vieram substituir os fundadores Pedro Rito e Fernando Gonçalves. Em Véspera, levantam-se ventos de mudança e de uma nova frescura, num tempo, curiosamente, igualmente mutante e imperscrutável. A este coro, juntam-se nomes como Sérgio Godinho, Carlos Tê, Arnaldo Antunes, Samuel Úria e Capicua, que assinam as composições. A banda iniciou em julho a nova digressão, com concertos especiais de apresentação do álbum a acontecer no Teatro Municipal de Vila do Conde, no dia 18, e no Teatro Maria Matos, em Lisboa, a 20 de julho. Em entrevista à Máxima, Manuela Azevedo revela todos os detalhes que levaram a Véspera, cujo single de avanço – Tudo no Amor, de Sérgio Godinho - saiu em novembro passado.

Manuela: lançar um novo disco a meio de uma pandemia, não estava, provavelmente, nos planos. Que efeito teve o isolamento social nos Clã, enquanto banda?

Na verdade, a decisão de lançarmos o álbum durante o período de confinamento acabou por ser uma boa medida de saúde para a banda. Obrigou-nos a pensar em novas estratégias de comunicação do álbum, o que conduziu, por exemplo, ao lançamento do videoclipe Armário, à criação da mini-série de vídeos "Véspera em Casa", à realização da sessão fotográfica em moldes especiais, que respeitassem a necessidade de cuidados sanitários... Enfim, foi um desafio criativo! Termos cedido à nossa urgência de partilhar as novas canções que tínhamos nas mãos, mesmo em circunstâncias tão estranhas como estas que a pandemia nos obrigou a viver, uniu-nos e deu-nos um foco que ajudou, com certeza, a atravessar com mais ânimo e propósito estes tempos de isolamento social.

Porquê Véspera? Em que momento começam a preparar este disco e onde foi gravado?

A escolha do título teve que ver com a sensação de expectativa, de inquietação, de algo iminente e importante que está prestes a suceder, que atravessa o álbum. Véspera pareceu ser a palavra certa para ilustrar esse espírito.

O trabalho criativo para este disco começou ainda em 2017, com várias experiências criativas (umas que ficaram pelo caminho, outras não), e começou a ganhar uma forma mais concreta no final de 2018, altura em que todas as maquetes ficaram prontas e começámos a enviar música para os nossos parceiros de escrita. O álbum foi todo gravado n’ O Nosso Gravador (o nosso estúdio e sala de ensaios) e foi depois misturado pelo Nelson Carvalho no Estúdio Valentim de Carvalho (Paço d’Arcos) e masterizado por Andy VanDette, nos estúdios Evolve Mastering, em Nova Iorque.

Qual é a mensagem por detrás da estética da capa do disco?

É o André da Loba que assina todo o trabalho gráfico e ilustrações do álbum e não só – também toda a comunicação gráfica do Véspera, teasers, capas dos singles, cartazes, etc. Além disso, corealizou com a Joana X um dos videoclipes do álbum, para o tema Armário. Foi a primeira colaboração do André da Loba com os Clã e não podíamos estar mais felizes com este encontro! O André é um ilustrador e criador incrível, com uma marca autoral fortíssima, e o seu olhar sobre as nossas canções e o nosso trabalho foi, por um lado, muito cúmplice e, por outro, muito inspirador, revelador e desafiador.  

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Neste disco inscrevem-se as palavras de Sérgio Godinho, Samuel Úria, Capicua, Arnaldo Antunes, Carlos Tê, Regina Guimarães e Aurora Robalinho. Quão importantes foram estes nomes para a dinâmica do disco?

As palavras são muito importantes nas nossas canções! E isso deve-se ao facto de, desde o início, termos tido o privilégio de trabalhar com escritores de excelência, que trabalham a língua portuguesa com muita sabedoria e ousadia. Estes parceiros e colaboradores são como que o sétimo elemento dos Clã – absolutamente essenciais para que as canções aconteçam e as sintamos nossas.

Qual é o fio condutor que liga os temas? Há alusões ao amor, ao recomeço e ao fim, às relações e às paixões…

A ideia dum jogo ou luta entre luz e sombra perpassa todo o disco – e é, de algum modo, o fio condutor de toda a narrativa. Como se essa ameaça ou sombra que paira sobre as nossas cabeças se curasse apenas com a nossa resistência e entrega à vida e ao amor, de peito aberto. 

Estão perto de celebrar 30 anos de carreira, em 2022, agora com uma mudança recente nos membros da banda. A reinvenção é uma necessidade constante?

Pois é, os anos passam a correr! Mais que reinvenção, aquilo que para nós é uma necessidade constante é o desafio – procurarmos, em cada passo criativo, algo novo, diferente e desafiante, que nos estimule e inquiete. E a recente mudança de membros na banda resultou num belo estímulo! O Pedro Santos e o Pedro Oliveira são excelentes músicos e trouxeram com eles uma renovada energia aos Clã.  

A sonoridade dos Clã foi-se mantendo muito autêntica e fiel a si mesma, ao longo dos anos. Também isso foi um desafio, ou foi sempre algo natural?

Ficamos sempre surpreendidos quando nos falam na "sonoridade dos Clã" porque, na verdade, gostamos de fazer coisas muito diferentes e experimentar territórios sónicos novos. Mas é claro que a marca autoral da música do Hélder – o principal compositor da banda – dá alguma "unidade" ao repertório dos Clã. E o facto de termos características especiais e inusitadas numa banda rock (dois teclistas e um guitarrista que usa guitarras esquisitas) traz à banda uma sonoridade mais incomum e, por isso, mais distintiva.

A música e a cultura salvou-nos, literalmente, durante o isolamento. É desta que as pessoas – e o Governo, também – perceberão, verdadeiramente, a importância dos artistas nas suas vidas?

A luta pelo reconhecimento da importância da cultura e dos seus criadores e protagonistas é já muito antiga e não me parece que as lições da pandemia tenham sido suficientes para se resolver todos os problemas relacionados com os artistas e variadíssimos profissionais do espectáculo e das artes. Talvez a clareza com que se percebeu a dimensão da precariedade que se vive neste sector, bem como a falta de conhecimento por parte dos nossos governantes da verdadeira realidade do trabalho artístico, em todas as suas vertentes, ajude a orientar e a tornar mais urgente a resolução de todos estes problemas. Há que esperar para ver e, se nada mudar, continuar a reclamar pelo que a nossa cultura merece.

Têm saudades dos palcos? Como se sentiram a atuar em Almada, depois deste período de isolamento?

Temos muitas saudades do palco! Apesar da estranheza duma plateia com máscaras, do distanciamento entre os espectadores, de todas as medidas e cuidados sanitários que é preciso cumprir, vale bem a pena fazer concertos. Não há nada que substitua a experiência dum espectáculo ao vivo, quer para quem está no palco, quer para quem está do outro lado. E, embora com os rostos tapados, lia-se no olhar das pessoas a alegria e a emoção de estarmos todos juntos ali, a celebrar a música e as canções. Aliás, sentimos que alguns dos aplausos se prolongaram pelo entusiasmo que as pessoas sentiam de estarem, finalmente, numa sala de espectáculo. Foi uma noite maravilhosa e inesquecível este primeiro concerto em Almada depois do isolamento.

Qual é o maior desafio de ser artista em Portugal? Quais foram as maiores mudanças, ao longo destes anos, e o que implicaram?

O maior desafio de se ser artista, não só em Portugal mas em todo o lado, é conseguir ser aceite como um trabalhador de valor! E o facto de, nos últimos tempos, a globalização, a digitalização e a desmaterialização dos conteúdos terem conduzido a uma enorme desvalorização dos bens culturais (e especialmente da música!), representa um dos maiores desafios para todos os que participam na criação artística.

Se pudesse escolher, a quem cantaria um disco de homenagem?

Pessoalmente, mais que um disco de homenagem, achava boa ideia fazer um disco que inspirasse e desafiasse as gerações mais jovens a construírem um melhor futuro para este nosso planeta tão confuso e desgovernado. De alguma forma, esperamos que este Véspera lhes traga um pouco isso...

Qual foi o comentário mais engraçado ou caricato que lhe fizeram depois de um concerto? E que momento enquanto banda recordam com mais graça?

Um dos comentários que não esqueço foi o de um miúdo, com 8 ou 9 anos, no final dum concerto do Disco Voador. Depois de ter esperado a sua vez numa longa fila de pessoas que queriam falar connosco ou pedir um autógrafo, chegou junto de nós e disse: "Não quero autógrafos, nem fotografia. Só queria dizer que vocês são muito melhor ao vivo que no Youtube." E foi-se emboraJ

Um episódio com graça – durante o nosso ensaio de som, num concerto ao ar livre, alguém se aproxima do nosso técnico de som e pergunta: "Isto é uma banda de covers dos Clã?"

A Manuela celebrou 50 anos, este ano. O que é a maturidade lhe trouxe de bom e sábio, enquanto artista?

Que o sentido de humor e não nos levarmos demasiado a sério são o melhor remédio para a saúde mental.

É uma artista com uma visão da música muito eclética. Foi o impacto que a música folclore teve em si, quando era adolescente?

O meu contacto com a música folclórica aconteceu na minha infância e acho que foi uma forma muito eficaz de entranhar na minha personalidade o prazer da música e da dança! E esse prazer, que descubro na música vinda de diversas origens e fontes, ainda hoje permanece e orienta essa ligação mais eclética ou livre à música e a outras expressões artísticas.

Estudou Direito. Mas, antes, a música e a dança já estavam na sua vida, em Vila do Conde. Não as percepcionava como carreiras profissionais?

Na verdade, não. Estudei piano mas não era uma pianista exímia, nem tinha a força de espírito e a disciplina para me dedicar a um estudo mais apurado desse instrumento. Por isso, achei que a música não seria o meu ganha-pão. Ainda bem que me enganei...J

Quando chegou aos Clã, conta que aos poucos foi descobrindo a sua voz. Como recorda essa descoberta e os primeiros tempos com a banda?

Foram tempos de alguma ansiedade e insegurança, de aprender com os erros e escutando os meus colegas – quer no que me diziam para melhorar, quer na forma como faziam música. E a importância da escuta foi a grande lição que ficou desses tempos.

Mantém a mesma energia revigorante em palco, como sempre. É também essa postura mais optimista e enérgica que a mantém focada na música e apaixonada pela sua profissão?

É mais ao contrário. Fora do palco, não sou assim tão expansiva e enérgica e, por vezes, não tão optimista... É a paixão e o prazer de fazer música com os meus companheiros que liberta e alimenta essa energia que surge em palco. É a música que me salva J

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