Outubro Rosa

Entrevista Joana Cruz. "O cancro da mama não tem de ser uma tragédia"

Em pleno Outubro Rosa, mês consagrado à prevenção e luta contra o cancro da mama, a radialista Joana Cruz conta em livro a sua história pessoal. 'Escolhi Viver' chega esta semana às livrarias, com um relato real de coragem e amor à vida.

14 de outubro de 2022 Maria João Martins

O título é poderoso, como que a assinalar que nesta estrada não há atalhos ou distrações. Em Escolhi Viver (edição Oficina do Livro), a radialista e comunicadora Joana Cruz partilha com os leitores a sua experiência de viver um cancro da mama triplo negativo agressivo, aos 42 anos. Sem sombra de dramatismo ou sequer de autovitimização, mas também sem falsa ligeireza, conta como tudo se passou, desde o diagnóstico à aceitação de que importava fazer uma paragem e concentrar-se na cura. Como escreve logo no princípio do livro: "Quando somos confrontados com um diagnóstico destes, temos de decidir se vamos lutar e não deixar que o cancro nos defina. O cancro fará sempre parte da minha História, mas decidi que ele não define quem eu sou. Decidi escolher a felicidade". Hoje está de volta às manhãs da RFM, no exigente horário, das 6 às 10 da manhã, com uma alegria renovada.

'Escolhi Viver'
'Escolhi Viver'

Como decidiu partilhar a sua história através dum livro - este livro, com um título forte, Escolhi Viver?

Quando a Oficina do Livro me fez o convite, o meu primeiro pensamento foi acreditar que não havia muito a dizer já que, na minha cabeça, esta história se contava em três linhas: Fizeram-me o diagnóstico, fiz os tratamentos e correu bem. Ponto final, fim. Era assim que eu encarava as coisas, mas depois à medida que voltei a pensar o processo, percebi que não fora assim tão simples. Fui ao Instagram e reconstituí tudo aquilo que se tinha passado, o que me permitiu organizar o pensamento e criar o esqueleto da história. 

Não foi difícil relembrar todos estes momentos outra vez?

Felizmente não foi, talvez porque este tem sido um processo vivido com muita tranquilidade. Quando comecei a recuar até dezembro de 2020, quando esta história começou, o que mais estranhei foram as fotografias. Olhei para elas e pensei: caramba, eu já estive assim, já passei por isto e não tinha grande noção. Estava tão focada no processo de me curar que não estranhei o aspeto que tinha. Apesar de tudo, fui-me sempre arranjando e cuidando de mim: Não usava perucas em casa, mas maquilhava-me. Termos pena de nós próprios e afundarmo-nos nisso, não ajuda à cura. Em nada. Claro que sofremos, faz parte do processo, mas depende de nós o modo como reagimos.

"Não usava perucas em casa, mas maquilhava-me"

A sua primeira reação foi não acreditar no primeiro diagnóstico que lhe foi feito, e que dizia que era apenas um quisto...?

Eu acreditei, mas não sosseguei. Eu diria que houve todo um concílio dos deuses que não me largava o pensamento. Eu estava como agora, não tinha dores, mas deitava-me à noite e sentia ali um formigueiro. Apesar desse primeiro diagnóstico, só pensava em repetir o exame. E, de facto, a nova ecografia indicou que estava positivo, o que foi confirmado pela biópsia e pela ressonância mamária. 

E era dos mais agressivos, como explica no livro...

Sim, era. O que fez toda a diferença foi não ter esperado os seis meses que o primeiro médico me recomendara. O nosso corpo é uma máquina tão bem feita que, em caso de haver um desconforto permanente, temos de ir ver. O que acontece muitas vezes é que nós atribuímos situações como estas a cansaço, stress, etc. Autodiagnosticamo-nos, vamos ao google, não arranjamos tempo para ir ver, temos medo e isso pode ser fatal.

O que a levou a querer partilhar a sua experiência?

Ao longo deste processo, fui partilhando o que se passava nas redes sociais e na rádio e recebi muitas, muitas mensagens de apoio, mas também de partilha. Foi, de certo modo, uma surpresa porque inicialmente eu só quis justificar ao mundo a minha ausência mais prolongada nas emissões da RFM. Nunca achei que deveria esconder o que se estava a passar.

A doença ainda é tabu?

Sim, é. E depois há muito receio de mostrar vulnerabilidade até mesmo à família: Não é fácil mostrar esta fragilidade aos filhos, por exemplo, mas temos de estar conscientes que estas coisas são normais e podem acontecer a qualquer pessoa. Nunca senti que as mensagens de ouvintes e seguidores fossem de algum modo invasivas. Antes pelo contrário, foi uma onda de amor que se tornou uma fonte de boa energia.

"Temos de estar conscientes que estas coisas são normais e podem acontecer a qualquer pessoa"

É uma mulher de fé?

Sou, sou.

Já o era antes da doença?

Sim, acredito antes de mais que o universo está sempre a conspirar para o nosso bem. Mas às vezes distraímo-nos, não acreditamos que é mesmo para o nosso bem. Acho que nos preparamos muito para a desgraça, mas não para a felicidade. Acima de tudo, ter fé, antes de mais em nós próprios, mesmo não perdendo a noção de que há processos que não correm bem e não têm o mesmo desfecho.

Houve momentos de descrédito?

Não houve porque tive muito a consciência, desde o início, que o problema tinha sido detetado a tempo. Os médicos transmitiram-me muita confiança desde sempre e isso foi determinante. Na saúde, no trabalho, na família, nas relações há situações que nós encaramos como se não tivessem saída e não é assim. É uma carga demasiado pesada. Se tivermos consciência do nosso valor, daquilo que merecemos, mais isso nos vai ajudar a pensar que nos estamos a desviar do nosso caminho. 

Sempre foi muito atenta aos sinais dados pelo seu corpo?

Sempre. Preferi sempre saber o que se estava a passar.

O que mudou na sua vida após a doença?

Sempre fui uma pessoa muito positiva, sempre a ver a vida com bons olhos, só que não nos podemos distrair. Às vezes estamos tão focados em estar só a fugir para a frente que nos esquecemos que, de quando em vez, temos de fazer paragens, "ir à bomba abastecer". Algumas são paragens rápidas, outras nem por isso. No fundo, a doença só despertou mais a minha atenção, uma atenção que eu já tinha, à minha centralidade. Eu costumo dizer que a pessoa mais importante para mim sou eu própria. A conversa do temos que dar aos outros para receber de volta é muito bonita, mas não chega. Se não estamos bem, o que temos para dar? Só permitimos que nos façam um take over da nossa "conta" e isso é perigoso. 

Isto tudo foi vivido em plena pandemia...

A melhor altura, digo eu que tenho tendência para ver o copo meio cheio.  Estava tudo quieto em casa, eu não podia estar com outras pessoas, mas também ninguém podia estar.  E houve muito mais cuidado. Antes da pandemia, nós íamos ao Hospital ver alguém sem qualquer proteção. Entravamos no elevador, íamos alegremente ao lado de pessoas em macas, tal como tínhamos vindo da rua: uma inconsciência total. Esperemos que a prática da máscara em Hospitais tenha vindo para ficar.

A pandemia foi
A pandemia foi "a melhor altura" para passar pelo diagnóstico, conta a locutora de rádio

Voltou a fazer Desporto?

Sim, sim, estou a fazer Pilates e Padel pela primeira vez. Comecei a fazer Desporto à séria com 30 anos e hoje é essencial à minha vida. Eventualmente voltarei ao Ginásio também. Ao longo de todo este processo, fui acompanhada pela Tâmara Castelo, na acupuntura e também na nutrição. Foi ela que me fez focar mais na minha cura, investindo em comer bem e em dormir o melhor possível. É importante (e não só quando estamos doentes) que saibamos quais os limites do nosso corpo. Acabou-se o gengibre, a canela, a pimenta. Eu punha gengibre, laranja, beterraba crua no batido matinal e estava a errar. Estes temperos são termogénicos e dificultam a digestão, sobretudo quando se está a fazer quimioterapia e, em consequência disso, o corpo já estava sobreaquecido. Só podia comer maçã, pêra, mirtilos, framboesas e mangas. A única coisa que eu odiava era o arroz integral. 

À noite só comia sopa, mas até às 8 horas da noite impreterivelmente. O objetivo era conseguir digestões rápidas e fáceis.

Joana Cruz pratica desporto regularmente
Joana Cruz pratica desporto regularmente

Os hábitos alimentares também mudaram?

Sempre fui uma pessoa com cuidados e posso dizer que tenho a sorte de gostar de cozidos e grelhados e não apreciar molhos. Bebo muito poucos refrigerantes, álcool só consumo socialmente. Depois há que desconstruir os mitos que nos são transmitidos: diziam-me, por exemplo, que os tumores se alimentam de açúcar e que tinha de os deixar. Quando fiz essa pergunta ao médico, ele disse-me que não é assim, que tinha de ter cuidado com o açúcar como toda a gente deveria ter. Recomendo muito às pessoas com problemas oncológicos que tenham acompanhamento em matéria de nutrição. Faz a diferença.

Sentiu a falta da rádio?

Não, porque sabia que ia voltar. Durante aqueles meses, a minha única missão era mesmo tratar de mim. 

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