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O melhor da ModaLisboa CORE. O elogio da inclusão e da liberdade

À 60ª edição, a ModaLisboa apresentou as tendências para o outono-inverno 2023. Mas o que esteve em destaque este fim de semana, no Lisboa Social Mitra, foi uma Moda cada vez mais apostada em conciliar criatividade com responsabilidade social e ambiental.

Foto: Ugo Camera
13 de março de 2023 Maria João Martins

Foi um vento de liberdade individual, aquele que soprou na 60ª edição da ModaLisboa, em que a padronização estética de silhuetas abriu alas a formas orgânicas e fluídas, capazes de incluir e valorizar todos os corpos e tamanhos. Como se a velha ditadura do XS tivesse, enfim, terminado. Para além disso, ao longo de três dias de desfiles, a ModaLisboa voltou a cumprir a sua função, juntando nomes de referência e jovens valores, numa estimulante diversidade de propostas e expressões.

Entre os consagrados, destaque para Valentim Quaresma, que encerrou o primeiro dia de desfiles com uma coleção que faz jus à sua tradição de mesclar materiais (poliéster, camurça, cabedais e metal) e cores como preto, castanho, cinza e ouro, numa coleção - "Mithology", de seu nome - que combina aquilo que o criador apresenta como a sua visão de futuro e algumas formas recuperadas da estética vitoriana. Como sempre acontece com Valentim Quaresma, também a joalharia esteve em destaque. Recorde-se que este autor se estreou no mundo da moda ao criar joalharia e acessórios para as coleções de Ana Salazar, entre 1990 e 2010. Em 2008, ganhou o prémio "Accessories collection of the Year" na competição Internacional ITS#7 em Trieste, Itália, e lançou a sua própria marca.

Valentim Quaresma
Valentim Quaresma Foto: Ugo Camera

Cores eletrizantes sobre formas simples e bem estruturadas é a proposta de Luís Buchinho, que apresentou estampados multicoloridos e muito versáteis sobre flanelas e veludos de lã. De realçar ainda a parceria do criador com a Ergovisão, numa coleção de eyewear com uma forte componente desportiva, coordenada, em termos de cor, com os combinados apresentados. Também nesta estação, Buchinho apresenta uma nova parceria: Desta feita com o grupo Alcino, uma marca nascida no Porto em 1902, especializada na manufatura em prata.

Luís Buchinho.
Luís Buchinho. Foto: Ugo Camera

Mas se é cor o que o leitor procura, então a coleção de Buzina é para si. A marca fundada há 7 anos por Vera Fernandes trouxe à ModaLisboa uma coleção em tons vibrantes, ora lisos, ora estampados, que, uma vez mais, valoriza com proveito qualquer silhueta. Lá estão os vestidos com ou sem folhos, os coordenados com calças, casacos ou saias, sempre com uma nota de humor e irreverência, pouco recomendável a quem habitualmente se escuda na "segurança" dos tons neutros.

Buzina
Buzina Foto: Ugo Camera

Irreverente de outra maneira é a coleção de Béhen, "O Deus das Pequenas Coisas". Fiel ao seu conceito baseado num upcycling sofisticado, Joana Duarte apresentou uma coleção em que a arte têxtil portuguesa nas suas diversas expressões (bordado da Madeira, bordado a vidrilho de Viana do Castelo, tecelagem de São Jorge, chita de Alcobaça, ou Arraiolos) são os protagonistas, sobre peças como casacos, blusões, vestidos e calças. A nota de humor foi dada pelos pães transformados em bolsas.

Behén
Behén Foto: Ugo Camera
Behén
Behén Foto: Ugo Camera

Entre os consagrados há que destacar ainda as presenças de Filipe Augusto, Gonçalo Peixoto, Carlos Gil, Nuno Baltazar, Dino Alves e Nuno Gama, que celebrou na passerelle o 30º aniversário da sua marca. Em tons predominantemente azuis e pastel, este criador lançou uma coleção masculina inspirada no mar e nos painéis de Almada Negreiros, composta por camisas, calças, calções, t-shirts e acessórios como chapéus em diversas formas e materiais.

Nuno Gama
Nuno Gama Foto: Ugo Camera

Dino Alves, na sua coleção "Trans-Forma", apostou, por sua vez, numa reflexão sobre o papel da mudança na própria História da Moda: A mudança operada pelo tempo que passa e aquela que cada indivíduo opera em si mesmo. Lá estão, nos sítios menos esperados da silhueta, estruturas que nos recordam crinolinas, tournures e, mais remotamente, os guarda-infantes usados pelas damas de corte nos séculos XVII e XVIII. Como se pode ler na nota de apresentação da coleção: "Para o outono/inverno 2023, Dino Alves apresenta uma modelagem que altera a silhueta natural do corpo e constrói elementos que transmitem a ideia de transformação: de tecidos, de peças. Recorre a drapeados e lógica das crinolinas é aplicada noutras partes das peças de roupa." Isto em materiais como lãs, malhas, tules, sargas, algodões orgânicos ou popelines.

Dino Alves
Dino Alves Foto: Ugo Camera

Em boa parte das coleções apresentadas, a tendência dominante foi a assunção de uma moda inclusiva, sem delimitações de género, idade ou tamanho. Na mesma direção caminharam também novos nomes como a Call Me Gorgeous, de Luís Borges, que encerrou esta Moda Lisboa, Luís Carvalho ou Ana Duarte.

Ivvi Romão para Call me Gorgeous
Ivvi Romão para Call me Gorgeous Foto: Ugo Camera

O que não é de admirar já que esta edição foi marcada ainda pela apresentação da primeira marca de moda íntima trans, disponível no mercado nacional. Criada pela designer Giovanna Tavares, foi usada pelos modelos trans que desfilaram na Lisboa Social Mitra.

Primeira marca de moda íntima trans, disponível no mercado nacional criada pela designer Giovanna Tavares.
Primeira marca de moda íntima trans, disponível no mercado nacional criada pela designer Giovanna Tavares. Foto: DR

À imagem do que aconteceu nas edições anteriores, foram conhecidos os vencedores do concurso Sangue Novo, destinado a incentivar jovens valores. As vencedoras foram Inês Barreto, de 22 anos, distinguida com o prémio ModaLisboa x IED — Instituto Europeo di Design Milano (que inclui um mestrado em design de moda no IED de Milão e uma bolsa de estudo no valor de 4000 euros), e Niuka Oliveira, de 23 anos, que conquistou  o prémio ModaLisboa x Tintex Textils, composto por uma residência artística de três semanas na Tintex, o desenvolvimento de uma coleção cápsula e uma bolsa de 1.500 euros.

Sangue Novo: vencedores.
Sangue Novo: vencedores. Foto: Ugo Camera

Importa ainda não esquecer as marcas mais comerciais, que deixaram nesta ModaLisboa propostas sólidas e vibrantes. Desde as gangas cada vez mais sustentáveis (e com superfície resistente à chuva e camada anti-bacteriana) da Salsa Jeans à explosão de cores da Mustique, passando pela energia contagiante da Hibu Studios (que mais do que uma marca é uma comunidade e um lifestyle), o que ficou no ar foi, mais uma vez, uma forma mais lúdica e equilibrar de nos relacionarmos com o nosso corpo e com o modo como nos expressamos, através do vestuário.

HIBU
HIBU Foto: Ugo Camera

Nesta 60ª edição da ModaLisboa houve ainda espaço para relembrar a pujança da nossa indústria do calçado, com a presença das marcas Ambitious, Carlos Santos, Campobello, Tatuaggi, Leather Goods by Belcinto, Luís Onofre, Miguel Vieira, Nobrand, Sanjo e Valuni. Em Portugal, existem atualmente mais de 1900 empresas neste setor, responsáveis por cerca de 40 mil postos de trabalho e por exportações que excedem os 2000 milhões de euros anuais. É que a moda pode ser uma festa, como se viu e viveu neste fim de semana, mas é um assunto muito sério para o país.

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