Napa levam o bordado da Madeira à Eurovisão, pelas mãos de Constança Entrudo
Com fortes ligações à ilha, a criadora portuguesa vestiu a banda para representar a saudade que se canta em palco. Os bordados são da autoria da fábrica Bordal. Pretendem ilustrar "uma flor arrancada — deslocada", explica a designer, que partilhou com a Máxima algumas imagens do processo criativo.
Foto: Elmano Madaíl16 de maio de 2025 às 17:58 Maria Salgueiro / Com Rosário Mello e Castro
Constança Entrudo já conhecia Guilherme Gomes há muito tempo, da Madeira, mas foi há dois anos que começaram a ter conversas sobre uma virada de capítulo da banda. Nessa altura, o vocalista dos NAPA visitou o estúdio da designer de moda portuguesa, contou-lhe que iam mudar de nome (costumavam chamar-se Men on the Couch) e que tinham vontade de trabalhar com ela numa nova imagem e direção criativa que traduzisse essa mudança. "Já desde essa altura falámos de algumas referências que acabaram por ser retomadas agora no projeto da Eurovisão", conta a criadora à Máxima.
O conceito dos figurinosmaterializa o sentimento de se estar "Deslocado", nome da canção que a banda portuguesa vai levar à final do Festival Eurovisão da Canção este sábado, 17 de maio. "Uma sensação de desenraizamento", continua, que se expressa "nos colarinhos desalinhados, nas sobreposições inesperadas".
Filha de mãe madeirense, Constança Entrudo também tem uma ligação à ilha, cresceu entre Lisboa e a Madeira, onde a família mora. A música com que os NAPA vão representar Portugal inspirou-se numa entrevista de Lourdes de Castro, artista madeirense que é, simultaneamente, uma "enorme referência" no trabalho da criadora. "[Loudes de Castro] disse que só quando saiu da Madeira é que percebeu a importância que a ilha tinha na sua prática artística."
O ponto de partida para as peças que os NAPA usaram em palco na semi-final (e que voltarão a vestir na final) foram as pinturas de Lourdes de Castro. "Começámos por pintar flores características da Madeira, explorando silhuetas deslocadas, como se tivessem sido retiradas do seu contexto original, num jogo constante de presença e ausência", revela-nos Constança. Em cada um dos looks dos cinco artistas (além do vocalista, a banda é composta por Francisco Sousa, João Rodrigues, Diogo Góis e Lourenço Gomes), a mesma flor aparece "deslocada" — "há sempre uma representação negativa e uma positiva."
Das peças criadas para Guilherme (vocalista), Diogo (baixista) e Lourenço (pianista), caem fios pendurados de Bordado da Madeira, um feito conseguido em colaboração com a fábrica de bordados Bordal. Pretendem ilustrar "uma flor arrancada — deslocada — e os fios representam a raiz", explica a designer.
"A ideia de ‘um sol diferente’ (parte da letra da música), um sol deslocado, azul, frio, surge também numa das peças", conta, referindo-se a uma camisola de malha com um bordado cor-de-laranja quente, que representa o contorno do sol madeirense. "Está sempre presente, onde quer que vamos."
Desenhar peças de roupa para uma banda de música tem cuidados específicos? "Claro que sim", responde prontamente. "Mas é um tipo de projeto que adoramos fazer no estúdio. Há tantos fatores a considerar: o tipo de luz, a coreografia, o conforto. No caso dos NAPA o princípio foi respeitar a identidade, os seus estilos e o instrumento que tocam."
A ganga surgiu como a resposta ideal para materializar o conceito. Os NAPA já tinham vestido peças com este tecido da coleção primavera-verão 2025 de Constança Entrudo no Festival da Canção. "Resultou muito bem", reflete. Mantiveram também as silhuetas. "O desafio foi pensar o bordado Madeira de forma contemporânea." Aliado aos desenhos das flores, que se afastam das tradições, a ganga e as poplins foram elementos de frescura, de disrupção. "Quem conhece o nosso trabalho sabe que é sempre esse o pressuposto: levar o material ao limite."
O objetivo é que a banda possa continuar a vestir as peças em vários contextos. "Todos sabemos que a música dos NAPA não é o que associamos à Eurovisão. A meu ver, esse é mesmo o fator que os fez chegar tão longe, além de a música ser muito boa." Foi por isso que a designer imaginou um figurino que se traduz facilmente para o quotidiano. "Peças que as pessoas vejam e pensem ‘eu usava isto’. Não é a estética normalmente associada ao festival."
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E Constança Entrudo, gosta de acompanhar a Eurovisão? "Não tinha esse hábito", confessa. "Mas estou a gostar de acompanhar este ano."