Geração Alpha: mais globais, mas com menos amigos verdadeiros
Os miúdos Alpha nascem entre 2010 e 2025, os mais velhos têm agora 13 anos, e são a primeira geração 100% nativa digital. Vive rodeada e mergulhada em tecnologia.

Cada geração tem as suas próprias caraterísticas, comportamentos e valores, que são moldados pelo contexto sociocultural e histórico em que vivem. A geração Alpha, nascida desde 2010, é a primeira global. Vive rodeada de tecnologia, familiariza-se com os smartphones e tablets em idade muito precoce, e passa muitas horas conectada à Internet. A interação com a tecnologia molda-lhe a forma de aprender, de ver e interagir com o mundo. Diz-se que estará mais preparada para se adaptar às mudanças e defender causas globais… mas com o risco de deixar para trás outros valores que foram essenciais para as gerações anteriores. Vamos por partes.
Comportamento e perspetivas

A facilidade com que a geração Alpha se relaciona com a tecnologia influencia a forma como aprende. "Traz potenciais benefícios em termos de rapidez no acesso e quantidade/diversidade da informação, sendo que a aprendizagem por diferentes estímulos é mais rica. No entanto, as crianças não devem perder outro tipo de experiências e aprendizagens que não passam nem nunca poderão passar pelo meio digital", diz o pediatra Hugo Braga Tavares, coordenador do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Porto. Nota que na relação com a tecnologia, é preciso que os pais e os educadores tenham um "papel mediador", que passa por ensinar as crianças a filtrarem a informação que lhes chega, "discutindo" com elas o que veem, "de forma a garantir a qualidade da informação e estimular o espírito crítico" tanto quanto possível.
O psicólogo e psicoterapeuta João Coimbra de Almeida também frisa a importância do acompanhamento dos pais, dando conta que os miúdos estão atualmente expostos a conteúdos não filtrados: "sofrem uma avalanche de informação que não conseguem processar e que pode, muitas vezes, originar comportamentos desviantes".
Para Hugo Braga Tavares é importante que o envolvimento na análise da informação, em família e na escola, seja também acompanhado de incentivos à criação de conteúdos, à criatividade e ao sentido crítico. Serve para evitar o risco das crianças se tornarem simples "nativos absortivos". Ao mesmo tempo exercitam-se competências que se preveem "essenciais nas profissões do futuro, onde muitas não se extinguirão mas seguramente serão feitas de forma diferente".

O pediatra diz que o excesso de horas de ligação à Internet, que atinge sobretudo os adolescentes da geração Z, começa a ser um problema dos Alphas que lhe chegam à consulta do Centro da Criança e do Adolescente do Hospital. Refere que é preciso ter pais atentos logo nos primeiros anos de vida dos filhos, "porque a pressão para estarem sempre ‘on’ é enorme do ponto de vista de saúde mental". Sem supervisão, está em causa a qualidade da informação que lhes chega, mas também o risco de adição aos jogos e às redes sociais, "que é potencialmente maior num cérebro ainda em crescimento". No âmbito "da interação com as redes sociais", refere que acresce "a necessidade de a criança corresponder ao que são os standards expostos por essa via e que são traspostos: fica-se pela imagem face a uma certa pressão nesse sentido, e perde-se o essencial".
Mais preparados para a diversidade
A geração Alpha marca uma mudança de paradigma, pois "daqui para a frente vai ser muito difícil separar o físico do digital, porque há uma interconexão e até uma interdependência", observa João Coimbra de Almeida. "Com estas crianças, tudo é suposto ter uma interação para além da coisa como ela é." Uma vez que esta tecnologia prevê uma gratificação imediata, pode espoletar "um aumento em termos geracionais, de baixa tolerância à frustração", que já se constata em pré-adolescentes. Mostra-se igualmente apreensivo com a possibilidade de as crianças "perderem a possibilidade de se aborrecerem porque estão em estimulação constante, quando se sabe que muitas vezes a criatividade vem do aborrecimento".

Esclarece que a recompensa imediata pode ainda conduzir "ao desapego pelos outros, em que a criança passa a contar só com ela". A procura de grupos semelhantes continua a ter lugar na (pré)adolescência só que virtualmente, o que levanta outra questão: "Não existindo uma inscrição numa realidade física consciente e duradora, tudo é um bocadinho mais substituível. Pode vir a existir nas relações destes adolescentes uma certa ideia de que [tudo] é descartável, e a ter adolescentes e adultos com muitos amigos, mas que não têm bons amigos." É a ideia do desenraizamento face à globalização.
Por outro lado, a geração Alpha "é provavelmente a mais bem preparada para a diversidade ética, cultural e de género porque está com um certo imprinting da multiculturalidade sempre na ponta dos dedos", diz o psicoterapeuta. Para acrescentar que, se calhar, ganhámos uma dimensão mais global de humanidade, mas andamos um pouco perdidos. "É preciso oferecer outras formas de vinculação, outro tipo de experiências, de partilhas e vivências, de explorações de autonomia e camaradagem", assegura. Para citar o professor universitário Carlos Neto, especialista na importância da brincadeira e do jogo para as crianças, "que costuma dizer que esta é uma geração quase analfabeta do ponto de vista motor, porque há pouco investimento do corpo, na descoberta das coisas através da própria ação física. Já não há árvores para escalar, espaços para brincar. Quando há são programados, o que condiciona a possibilidade de experiência e de apreensão do mundo". Garante que é preciso investir enquanto sociedade, "porque um dos riscos é também o desconhecimento de si próprios".
Dizem o que sentem

Em termos de consciência emocional, a geração Alpha está muito mais disponível para dizer o que sente do que qualquer outra. "Não se inibe, reconhecendo a importância de o mal-estar ser verbalizado, debatido e resolvido, e isso é muito bom." Mas o facto de estar em permanente e múltipla estimulação e recompensa ou resposta imediata, torna-a menos tolerantes à espera. "É possível imaginar uma geração adulta que, se calhar, vai ter muita necessidade de ter uma resposta imediata, e isso pode lavar a momentos de grande frustração e zanga. Ou seja, tão depressa é muito criativa e tem um pensamento tremendo fora da caixa, como a seguir fica muito frustrada porque ‘aquilo’ não se executou de imediato. E isto pode ser difícil de balançar."
O fenómeno do múltiplo estímulo é também frisado por Hugo Braga Tavares como tendo "um impacto importante nas questões da atenção e no desenvolvimento de cérebros que sejam menos capazes de concretizar tarefas, isto é, são ótimos a elaborar hipóteses mas não as concretizam". Porquê? "Porque não lhes é dado o tempo devido para passarem das ideias aos atos, concretizar". O pediatra diz que é indispensável os pais e educadores trabalharem também essa competência.
Causas globais

O envolvimento em causas globais, como as já referidas e as questões ambientais e de discriminação, define igualmente esta geração. "É muito positivo, pois as crianças estão a apropriar-se de causas que também são delas, mas receio que estas possam vir a ocupar o lugar de outras causas mais pessoais", refere João Coimbra de Almeida a propósito. Nota que a transmissão dos valores deixou de ser exclusiva das famílias ou do meio, pelo permanente acesso da criança a outras culturas e formas de pensar, construindo os seus valores de forma distinta. O que diz ter vantagens e desvantagens: "Por uma lado estimula, e eu sou muito capaz de questionar. Mas também pode desenraizar e afastar, levar à ideia de que só aceito se tiver um pensamento igual ao meu ou muito parecido."
Os dois especialistas concordam que está aí uma geração completamente distinta, mais preparada para os desafios do futuro, mas que é preciso acompanhá-la, a família e a sociedade, garantindo-lhe o equilíbrio entre o mundo digital e tecnológico e as experiências do mundo real. Onde os valores que nortearam outras gerações continuam a fazer todo o sentido.

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