Pediatra Hugo Rodrigues responde. Treino de sono em bebés e crianças: sim ou não?

Aqui está um tema difícil, um verdadeiro hot topic que alimenta muitas discussões, algumas delas até com uma agressividade exagerada, pelo que é importante refletir de forma tranquila e sensata sobre este assunto.

Foto: Pexels
15 de março de 2024 às 07:00 Hugo Rodrigues

O primeiro aspeto a ter em conta quando se pensa sobre este assunto é o facto de o sono ser uma necessidade básica para todos os seres humanos, particularmente para as crianças. Tem inúmeras funções, sejam físicas (regeneração de algumas funções corporais, crescimento com a síntese de hormona de crescimento ou restabelecimento dos níveis de neurotransmissores utilizados durante o dia, por exemplo), sejam mentais (é fundamental para a memorização e aprendizagem, bem como para a própria disposição para aprender), sejam ainda emocionais (a privação de sono estimula a impulsividade e a dificuldade no relacionamento com os outros). Por esse motivo, deve ser encarado como uma verdadeira prioridade na organização do dia-a-dia familiar.

O segundo ponto está relacionado com o facto de a criança estar sempre inserida numa família, pelo que o seu sono nunca é só dela, mas também o sono de todos. E, como se sabe, a privação de sono é um método clássico de tortura, que pode impactar de forma dramática a vida de qualquer pessoa. Assim, devemos sempre encarar o sono como uma questão familiar e não apenas das crianças, porque o descanso de todos é imprescindível para um bom relacionamento e harmonia da família.

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Por fim, mas não menos importante, um terceiro fator que entra nesta equação: só se deve intervir quando o sono se revela um problema para a criança e/ou para a sua família. Este aspecto é importantíssimo, porque se não for respeitado vai levar a intervenções desnecessárias e que podem tornar tudo menos funcional do que estava.

Esclarecidos estes três pontos, vamos então tentar responder a algumas questões:

O que é o treino de sono?

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Este é um tópico que tem de ser esclarecido porque leva muitas vezes a confusões. No meu entender, quando se fala em "treinar" o sono não se deve falar em impor situações de stress ou desconforto à criança. Isso para mim é um não… Mas se encararmos o "treino" de sono como uma ajuda na aquisição de competências para as quais a criança já está preparada e vai beneficiar com elas, já é um sim. Vou desenvolver esta ideia um pouco mais a seguir.

Deve-se deixar uma criança chorar para adormecer?

Apesar de haver quem defenda este tipo de abordagem e até haja estudos que demonstram alguma eficácia, a verdade é que me parece uma má opção. Deixar uma criança chorar para aprender o que quer que seja tem baixa probabilidade de sucesso e pode, muitas vezes, fazer mais mal do que bem. Por isso, para mim volta a ser um não.

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Faz sentido tentar que as crianças sejam autónomas para dormir?

Esta é uma questão interessante porque divide muito as opiniões. Na verdade, a resposta vai ser dada pela análise de todos os pontos anteriores. Ou seja, se o sono da criança estiver a ser um problema e se isso estiver relacionado com o facto de não estar a conseguir adormecer de forma autónoma, pode fazer sentido tentar promover essa autonomia. Mas, tal como explicado anteriormente, isso deve ser feito, na minha opinião, sem recurso a deixar chorar e apenas quando a criança já tem capacidade do ponto de vista do seu desenvolvimento, para poder adquirir essa competência. Nesses casos acho que sim, pode fazer sentido este tipo de ajuda/intervenção.

Em jeito de conclusão, gostaria de reforçar a ideia de que o sono é verdadeiramente uma necessidade básica para as nossas crianças e que deve ser sempre respeitado como tal. Por esse motivo, parece-me desadequada a forma como, muitas vezes, as pessoas se digladiam nas redes sociais quando se aborda este tema, apenas porque têm opiniões diferentes. Em relação ao sono, como em quase todas as áreas da maternidade, há sempre vários caminhos e a escolha de qual se deve seguir compete apenas aos pais. Com informação, uma escolha consciente e que salvaguarde o tão importante superior interesse da criança, mas com a certeza de que não há regras mágicas nem uma solução única para todas as famílias. E ainda bem que é assim!

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