Estudo. Quanto mais as crianças interagem com ecrãs, maior a probabilidade de terem problemas emocionais

São as conclusões de uma investigação recente sobre a correlação entre o tempo de ecrã e os problemas emocionais no universo infanto-juvenil. Não basta restringir, é preciso oferecer apoio emocional.

Criança usa tablet, lidando com problemas socioemocionais Foto: Unsplash
31 de julho de 2025 às 18:47 Madalena Haderer

É uma história de terror que começou há mais de 40 anos. Desde o início dos anos 80, talvez até antes, que qualquer figura parental com um mínimo de consciência vive apavorada com o efeito pernicioso que o tempo passado à frente de ecrãs pode ter nas pequenas mentes sugestionáveis das crianças. Os anos foram passando, os ecrãs foram-se multiplicando, à laia de cogumelos, e o pavor foi-se expandindo, roçando a histeria colectiva. Com os olhos firmemente pregados ao ecrã (ou ecrãs), o mais certo é que as crianças não tenham um desenvolvimento psicológico e emocional dentro dos padrões desejáveis, comecem a fumar, a consumir drogas, nunca venham a ter um emprego de jeito, namorados ou namorada, muito menos, sofram de e , é provável que venham a bater na mãe e, no fim, o cérebro escorre-lhes pelo nariz. Curiosamente, a melhor metáfora para este sentimento foi transmitida no filme Poltergeist, de 1982, quando uma mão aterradora sai do ecrã da televisão, pega numa das crianças da família e a puxa lá para dentro. 

Uma , e que consistiu numa meta-análise que teve por base 117 estudos com dados de quase 300 mil crianças em cinco países (Estados Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha e Países Baixos), é a mais recente contribuição para este coro de tragédia grega.

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No comunicado de imprensa, publicado no site da American Psychological Association, é possível perceber algumas das conclusões a que os investigadores chegaram: “O estudo revelou que, quanto mais as crianças interagiam com ecrãs eletrónicos, maior a probabilidade de desenvolverem problemas socioemocionais. Isto incluía tanto problemas de internalização, como ansiedade e depressão, como problemas de externalização, como agressividade e hiperatividade. Por outro lado, verificou-se que crianças com dificuldades socioemocionais tinham maior tendência para recorrer aos ecrãs como forma de lidar com essas dificuldades.”

Portanto, um caso proverbial de dúvida filosófica sobre qual dos dois, a galinha ou o ovo, terá surgido primeiro. Disso mesmo dá conta Michael Noetel, professor associado na Escola de Psicologia da Universidade de Queensland e um dos autores do estudo, afirmando o seguinte: “Descobrimos que o aumento do tempo de ecrã pode levar a problemas emocionais e comportamentais, e que as crianças com esses problemas tendem muitas vezes a recorrer aos ecrãs como forma de lidar com eles.” Faz lembrar um pouco a relação que os adultos têm com o consumo de álcool. 

Com base no estudo, foi possível chegar a uma conclusão interessante: “As raparigas revelaram-se, em geral, mais suscetíveis a desenvolver problemas socioemocionais com maior exposição a ecrãs, enquanto os rapazes mostraram maior tendência para aumentar o uso de ecrãs quando enfrentam desafios emocionais.” Noetel sublinhou ainda que “as crianças que usam ecrãs de forma intensiva podem precisar de apoio emocional, e não apenas de restrições. [E] os pais poderão beneficiar de programas que os ajudem a lidar tanto com o uso de ecrãs como com os problemas emocionais”.

O autor refere ainda que “como todos os estudos incluídos nesta meta-análise acompanharam as crianças ao longo do tempo, a investigação está significativamente mais próxima de estabelecer uma relação de causa e efeito (em vez de mera correlação) do que os estudos habituais feitos num único momento”. E continua, fazendo uma ressalva importante: “Ainda assim, não podemos descartar completamente outros fatores – como o estilo parental – que podem influenciar tanto o uso de ecrãs como os problemas emocionais.”

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Há também outra questão que não pode ser descartada e que a crítica de televisão Kathryn VanArendonk explicou muito bem num artigo de opinião intitulado  e que foi publicado na Vulture, uma publicação digital especializada em entretenimento e crítica cultural. Usando a sua vivência doméstica e as suas filhas de 8 e 11 anos como exemplo, Kathryn demonstrou que nem todos os ecrãs são iguais e nem tudo o que lá passa é lixo corruptor de mentes. A autora usou diversos exemplos de programas e séries que as crianças adoram, mas esta jornalista da Máxima, que não tem filhos, prefere pôr a questão da seguinte forma: ver o bailado O Quebra-Nozes de Tchaikovsky, na RTP 2, ou um reality show sobre obesidade mórbida no canal por cabo TLC, não é bem a mesma coisa. E o mesmo se pode dizer sobre jogar Wordle ou Candy Crush, ver miúdas a desembrulhar coisas caras que não pagaram ou uma palestra da historiadora Mary Beard sobre Pompeia. 

Para concluir, vale a pena partilhar este excerto do texto de VanArendonk: “O meu objetivo como mãe não é otimizar a infância, mas criar crianças que sintam algum controlo sobre as suas próprias vidas, que consigam fazer as suas próprias escolhas, que valorizem o equilíbrio e que gostem de gostar das coisas. Dorsa Amir, professora de psicologia e neurociência na Universidade de Duke, que estuda como as crianças interagem com a cultura em diferentes partes do mundo, descreve a pressão para ensinar ativamente novas competências às crianças como uma forma de ‘limpar a culpa que se possa sentir por deixá-las ver ecrãs ou televisão’. Mas os pais não impõem essa mesma restrição a si próprios – estamos sempre a ver coisas porque gostamos, não porque ‘nos fazem bem’ – e as crianças querem que as suas experiências reflitam as nossas. ‘Existe esta visão paternalista que temos em relação às crianças, em que dizemos que sabemos melhor do que elas. É uma tensão interessante, porque muitas vezes realmente sabemos melhor. Temos mais informação sobre o mundo’, diz Amir. ‘Mas quando vamos longe demais nesse sentido e controlamos tudo porque achamos que é fundamental dar-lhes apenas a melhor informação, acabamos por ignorar as motivações e desejos próprios das crianças.’”

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