As mulheres da realeza que mudaram a História
Quebraram tradições, conseguiram feitos históricos, alteraram o rumo da realeza. Quem são as mulheres da realeza que marcaram (e marcam) a diferença?
Às tantas, se pensarmos bem no caso, de simples jogo de xadrez pode facilmente passar a um enredo d’A Guerra dos Tronos. Realezas há muitas, monarquias não tantas, mas nenhuma como a casa real espanhola, uma das mais polémicas e enigmáticas de sempre. O que acontece no Palácio de Zarzuela não fica, e parece nunca ter ficado, no Palácio de Zarzuela.
A Casa Real Espanhola confirmou hoje, dia 17 de agosto, que o rei emérito, Juan Carlos I, está nos Emirados Árabes Unidos desde o dia 3 deste mês. Segundo apurou o El País, o rei emérito saiu da Zarzuela um dia antes e passou a noite com amigos em Sanxenxo, Pontevedra, viajando no dia seguinte num jacto privado a partir do aeroporto de Vigo com destino a Abu Dhabi.
Mas há umas semanas, as manchetes corriam o mundo: o rei emérito Juan Carlos tomou a decisão de exilar-se e o mundo especulava sobre o seu paradeiro. Estaria em Portugal, no Estoril, onde a família real espanhola (que agora já não existe e é chamada a família do rei) viveu nos anos sessenta e onde o próprio rei passou uma adolescência despreocupada e feliz? Estaria na Nova Zelândia, país que um dia referiu ser o destino eleito para quando tivesse que abandonar Espanha? Todas as apostas iam para a República Dominicana: os media espanhóis ABC e La Vanguardia especulavam que o rei emérito tenha saído de Sanxenxo, na Galiza, onde tem muitos amigos, indo de carro até ao Porto, seguindo depois para Santo Domingo, na República Dominicana. Helena Matos, jornalista e conhecedora profunda de temas associados à realeza, suspeitava que o destino não fosse Portugal. "Apesar de tudo, Portugal é demasiado próximo de Espanha. E Juan Carlos tem muitos amigos na República Dominicana."
Mas pouco importa onde está Juan Carlos, onde decidiu exilar-se, depois de ter escrito uma carta ao filho Filipe VI informando-o da sua decisão, a qual a família do rei tornou pública num comunicado. Podemos reflectir, antes, sobre o que acontecerá à monarquia espanhola, cuja história se inscreve no ADN deste país como nenhuma outra.
Juan Carlos passou a adolescência em Cascais, e mais tarde viria a morar no número 367 da Rua de Inglaterra, na majestosa Villa Giralda, no Estoril. Foi a irmã Pilar de Borbón, Duquesa de Badajoz, quem mais preservou a morada até à data da sua morte a 8 de janeiro de 2020, embora morasse no bonito bairro de Puerta de Hierro, em Madrid, onde, segundo refere a revista Sábado num artigo por ocasião da sua morte, Juan Carlos aparecia muitas vezes para almoçar.
Segundo o El Mundo, há precisamente duas cartas decisivas na vida de Juan Carlos. Em 1969 o General Francisco Franco (que havia declarado a monarquia em Espanha, em 1947) decide passar por cima de Juan de Borbón, pai de Juan Carlos, por acreditar ser mais provável que este continuasse o Estado franquista após a morta do general. Na altura, Juan Carlos vivia em Madrid com Sofia e os seus três filhos quando, a 12 de julho desse ano, Franco o chamou à sua residência, no Palácio Real de El Pardo. "Segundo as memórias que [o empresário Juan Villalonga] escreveu sobre o Rei, ele não lhe deu a opção de o comunicar a Don Juan antes de tomar a decisão, ele teve de aceitar no momento, algo que fez pela Espanha" escreve o EL Mundo no mesmo artigo que referencia a decisiva carta. Curiosa e ironicamente, Juan Carlos tornar-se-ia num peão chave ao apoiar a chamada transição para a democracia, no fim dos anos setenta em Espanha.
Quarenta anos depois, agora na carta que dirige ao filho, Juan Carlos escreve: "há um ano atrás expressei a minha vontade e desejo de parar de desenvolver atividades institucionais. Agora, guiado pela convicção de prestar o melhor serviço ao povo espanhol, às suas instituições e a vós como Rei, comunico a minha decisão ponderada de me mudar, neste momento, para fora de Espanha." Em 2014, o Juan Carlos havia comunicado a decisão de abdicar do trono, reforçando que o fim do seu papel naquilo a que chamou de democracia moderna em Espanha. "Na minha proclamação como rei, há quase quatro décadas, assumi o firme compromisso de servir os interesses gerais de Espanha, com o objetivo de que os cidadãos viessem a ser os protagonistas do seu próprio destino e a nossa nação uma democracia moderna, plenamente integrada na Europa" disse, na altura, no discurso oficial de abdicação.
Os escândalos em que Juan Carlos esteve envolvido e que vieram a público mais recentemente terão empurrado o rei para a decisão de exilar-se, não descartando que esta também possa ter sido uma retirada estratégica perante o risco de novas revelações polémicas referentes ao caso Nóos, relacionado com Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina e seu cunhado. Em causa estão também os documentos expostos pelo El Español que parecem comprovar que em 2008, o Ministério das Finanças da Arábia Saudita transferiu 100 milhões de dólares para Juan Carlos, através de uma conta criada no Banco Mirabaud, uma instituição bancária privada com sede em Genebra, na Suíça, que nunca passaram por Espanha. Paralelamente a tudo isso, há as polémicas com os amores de Juan Carlos, descobertos ao longo dos anos, e que nada têm a ver para o caso, mas que polarizaram algumas opiniões acerca do monarca nos media espanhóis.
Escândalos e amantes à parte, Helena Matos acredita que, para a família do rei e para Juan Carlos, "acima de tudo há que salvar a monarquia" e que há um lado político evidente. "É óbvio que há uma questão política complicada por detrás de tudo, que passa pelo facto de os parceiros do PSOI [Partido Socialista Operário Espanhol] do atual governo nunca terem aceite a legitimidade da situação que resulta na chamada «transição» de 1978. Para eles, o objetivo é acabar com a monarquia em Espanha." À parte de tudo isto, Helena Matos reforça o árduo papel que poderá Filipe VI ter em mãos. "Por já nem existir família real espanhola, mas sim a família do rei, presume-se uma tremenda solidão, um peso extraordinário. Filipe e Letizia ficaram praticamente invisíveis durante a pandemia, não havia notícias sobre eles. É uma pressão muito grande. Em que medida é que eles vão aguentar ou estar dispostos a aguentar?" pergunta-se a jornalista, que acompanha as notícias reais de perto. "O único protagonista que levantou a voz para defender o Juan Carlos foi o ex-genro, o Jaime de Marichalar", que endereçou uma carta aos media espanhóis, e que pode ser lida no El Mundo. "Ele pergunta onde estão todas aquelas pessoas que se colavam a Juan Carlos, nas viagens, referindo-se [por exemplo] às comitivas à Arábia Saudita, que lhes valiam excelentes contratos."
Helena Matos interroga-se ainda "em que medida é que Leonor está disposta a ter este tipo de vida? Aquilo que se exige à casa real espanhola é que ela seja exemplar. O termo é usado pelo Filipe VI quando Iñaki Urdangarin é preso. Não tinha tido um comportamento exemplar."
Falamos, por isso, de uma monarquia que todos os dias tem de provar a sua exemplaridade. "O Filipe VI não fala com a irmã Cristina (ou vice-versa, não se sabe bem), o pai estará fora, na prática fica a mãe [Sofia], que está muito fragilizada, a irmã Elena, que é uma figura que paira um pouco sobre tudo, e é uma solidão cada vez maior. E penso que a tensão do país vai cobrar um preço muito grande àquelas pessoas. Não sei se as gerações futuras estarão dispostas a pagar esse preço". Leonor, Princesa das Astúrias, tem 14 anos e é a herdeira direta ao trono, e a irmã, a Infanta Sofia, tem 13. Além de Letizia e Filipe VI, todos os olhos estarão postos nelas.
Helena Matos salienta também que "Espanha é um caso muito particular. Há uma parte da sociedade que nunca aceitou a legitimidade da transição para a democracia naqueles moldes, há outra parte da sociedade que quer as independências da Catalunha e do País Basco e acha que a monarquia é um impedimento e, portanto, vão pelo elo mais fraco que é o Juan Carlos. Acho que o tempo lhe fará justiça, que haverá um reacerto da história com a figura. Aquilo que ele fez e que ele conseguiu foi algo extraordinário, num país que em nada é fácil."
Acertos à parte, e em quando não se descobre o paradeiro do rei emérito, há espaço para a especulação. E segundo as últimas notícias dos media dominicanos, Juan Carlos poderá estar, efetivamente, em Lisboa.