“A rainha será lembrada como o alicerce do Reino Unido"
Dickie Arbiter conhece, como poucas pessoas, os bastidores da vida da família real britânica. Com a realização da cerimónia Trooping the Colour já este sábado, publicamos, na íntegra, uma entrevista dada à 'Máxima'.
08 de junho de 2019 às 07:00 Carolina Carvalho
O autor alerta que o seu livro não é um conjunto de memórias com a realeza, mas sim uma autobiografia. Ao Serviço de Sua Majestade (On Duty With The Queen, editado em Portugal pela Vogais, em 2014) bem podia ser a história de um agente secreto, mas na verdade conta a vida de Dickie Arbiter, que trabalhou com a família real britânica como secretário de imprensa real durante 12 anos. Trabalhou diretamente com a própria rainha Isabel II (com quem lavou a loiça depois de um piquenique em Balmoral) e com os príncipes de Gales. Geriu crises (participou no planeamento do funeral da princesa Diana em 1997), organizou eventos (como viagens de estado de membros da família real) e esteve presente em muitos momentos marcantes da família real mais famosa do mundo, como conta no seu livro. Começou a carreira profissional como jornalista e hoje é comentador real, tem o seu próprio site (dickiearbiter.co.uk) e comenta para diferentes meios de comunicação social.
A propósito do 70.º aniversário da rainha Isabel II e do príncipe Filipe, em novembro de 2017, Dickie Arbiter deu uma entrevista à Máxima que publicamos aqui na íntegra, uma vez que se aproxima mais um momento de celebração da família real: o aniversário oficial da rainha Isabel II, marcado pela cerimónia Trooping the Colour, que acontece já este sábado, dia 8 de junho. Embora a rainha faça anos em abril, esta parada acontece no início de junho e, por norma, é um dos eventos do calendário real que junta toda a família.
Porque decidiu escrever as suas memórias de 12 anos a trabalhar com a realeza num livro?
O meu livro Ao Serviço de Sua Majestade não foi tanto uma memória dos meus 12 anos no Palácio de Buckingham, mas uma autobiografia da minha vida, a última parte dela foi trabalhar para a rainha. Quando me retirei do serviço real no fim de 2000 nunca foi minha intenção escrever um livro, mas ao fim de 14 anos fui convencido pela minha agente que me disse que, porque eu tinha tido, na opinião dela, uma vida muito interessante, eu tinha uma história para contar – e eu contei-a.
Tem algum episódio especial com a rainha Isabel II que possa partilhar connosco?
Disse que leu o meu livro, por isso concordará que lavar a loiça com a rainha depois de um piquenique em Balmoral foi muito especial e pessoal.
A rainha Isabel II é uma das poucas rainhas reinantes hoje no mundo e, certamente, a mais famosa e respeitada e é uma das poucas pessoas que leva multidões às ruas para a ver. Trabalhou diretamente com a rainha e também foi jornalista. Porque é que a rainha é tão especial e tem uma popularidade crescente?
Creio que é considerada especial porque todos crescemos com ela. Claro que ainda há pessoas que se lembram do pai dela, o rei Jorge VI, e eu sou uma delas, tinha 12 anos quando ele morreu em 1952. Mas a rainha tem estado sempre na linha da frente em tempos de tragédia, em tempos de celebração e em representação do Reino Unido como nação no palco do mundo. Ela viu presidentes, papas, chefes de governo assim como déspotas e ditadores virem e irem e sobreviveu a todos com a reputação em alta. Ela não é uma figura política, por isso não sabemos as suas visões políticas sobre nada – o que é absolutamente como deve ser na nossa monarquia constitucional. Mesmo tendo dito que ela sabe exatamente o que se passa no Reino Unido e lá fora e sente o pulso da vida como a conhecemos. Ela é de longe a chefe de estado mais bem informada porque está no cargo há mais de 65 anos – e a fazer um trabalho de que não vai desistir até ao seu último suspiro. Enquanto os governos vêm e vão, a rainha teve 13 primeiros-ministros durante o reinado, ela dá o que o povo do Reino Unido precisa: continuidade e estabilidade. A popularidade crescente deve-se à sua entrega ao dever, à sua longevidade no cargo e porque é tudo o que a maioria das pessoas do Reino Unido conhece.
A rainha continua a seguir muitas tradições antigas como a abertura do parlamento, a cerimónia Trooping the Color… Porque é que é importante manter tradições antigas na dinâmica da família real?
Não é tanto a rainha manter as tradições da Abertura do Parlamento e a Trooping the Colour, mas mais o parlamento e os militares garantirem que as tradições se mantêm. A Abertura do Parlamento começou como uma necessidade prática. No final do século XIV, a forma como o rei reunia os seus Nobres e representantes dos Comuns começou a seguir um padrão estabelecido. O monarca, normalmente, presidia não apenas à Abertura mas também às deliberações que se seguiam (a não ser que estivesse impedido por doença ou outros assuntos urgentes).
A cerimónia Trooping the Colour é feita pelo regimento do exército britânico e da Commonwealth e acontece anualmente como a "parada de aniversário" sendo o aniversário oficial da rainha. É uma tradição dos regimentos da infantaria britânica desde o século XVII, embora as raízes vão muito atrás. A primeira "parada de aniversário" foi para o rei George III, em 1768.
Longe da exposição pública a rainha pode ser uma pessoa "normal", a jantar com a família, passear com os cães, ver televisão…? É possível ter privacidade no trabalho mais público de todos?
A rainha é normal praticamente sempre. Faz o que a maioria das pessoas faz – janta com a família quando eles estão por perto. Gosta de passear particularmente com os seus cães. Continua a montar a cavalo quando está no Castelo de Windsor. Vê televisão, ouve rádio e tem um iPod. Quando está fora de serviço gosta de tempo ocioso como qualquer pessoa.
É verdade que a rainha tem um código para comunicar com a carteira?
Sim, há um código da carteira. Ela usa a carteira no braço esquerdo. Quando está a circular ela indica que é altura de continuar a trocar a carteira para o braço direito. Ela pousa a carteira no chão quando está sentada e quando é altura de se mexer ou sair ela pega na carteira.
Li que a rainha usa cores vibrantes e chapéus para que o público a possa ver sempre. Estas questões são importantes na escolha do guarda-roupa?
A rainha sempre usou cores fortes, não apenas para o público a poder ver melhor mas porque ela sempre gostou de cores fortes – creio que se tornaram mais fortes desde a morte da rainha Isabel (a rainha-mãe) em março de 2002, mas a escolha sempre foi dela e não por outro motivo qualquer.
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Como é o sentido de humor da rainha?
Eu já presenciei o sentido de humor da rainha. Mas foi em privado e deve permanecer privado – desculpe.
Em 12 anos a trabalhar com a família real quais foram os momentos mais desafiantes?
Creio que os momentos mais desafiantes foram o annus horibillis de 1992, quando tudo o que podia correr mal correu e nada foi provocado pela rainha, e a morte de Diana, princesa de Gales, em 1997.
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Com uma carreira de quase 40 anos quais as lições de vida que aprendeu com a realeza?
Aprendi muito depressa que na vida há uma solução para cada problema. Quando as coisas parecem estar em baixo só há um caminho e é para cima; é muito fácil ser negativo e é preciso trabalhar muito para ser positivo. Sempre trabalhei na base do copo meio cheio. Não fico sob pressão nem sob stress – ambos são invariavelmente criados por outras pessoas e eu trabalho na base de "porque é que me vou pôr doente porque outros estão a ser incrivelmente estúpidos e egoístas". Eu lido com o problema e avanço. Por isso, quando me juntei à Casa Real em 1988 eu fui bem preparado para lidar com qualquer coisa.
A rainha Isabel II é o último ícone do século XX e da História ainda vivo. Concorda?
Eu não gosto da palavra ícone porque implica adoração. A rainha Isabel II tem estado na linha da frente da liderança na segunda metade do século XX e no século XXI. Enquanto governantes e líderes politicos vêm e vão, a rainha será lembrada carinhosamente como o alicerce do Reino Unido no palco global. Ela é líder de 53 estados-membros da Commonwealth e chefe de estado de 16 deles. Ela será lembrada pelo compromisso com o dever à Commonwealth e ao povo do Reino Unido.
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Como será o futuro da monarquia britânica depois de Isabel II?
A monarquia britânica está segura por pelo menos três gerações. A menos que desapareça antes da sua mãe, o príncipe de Gales (príncipe Carlos) irá suceder à rainha. Ele será o monarca mais bem preparado na história de mil anos da monarquia tendo esperado, até agora, mais de 65 anos e irá continuar à espera. A seu tempo o duque de Cambridge (príncipe William) tornar-se-á rei e será sucedido pelo filho, o príncipe Jorge. A instituição da monarquia funciona no Reino Unido e sim, há murmúrios, de tempos a tempos, de quem tenha inclinações republicanas, mas a grande maioria favorece o status quo, uma monarquia, e a não ser que haja uma revolução, o que é altamente improvável, a monarquia vai sobreviver ao século XXI e além disso.
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2017.
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Dickie Arbiter, comentador real e autor do livro autobiográfico "Ao Serviço de Sua Majestade", foi secretário de imprensa da família real britânica durante 12 anos.
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Capa do livro "Ao Serviço de Sua Majestade", escrito por Dickie Arbiter, editado pela Vogias em 2014.
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2017.
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2017.
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A cerimónia Trooping the Colour é uma parada que celebra o aniversário oficial da rainha Isabel II (2017).
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A cerimónia Trooping the Colour é uma parada que celebra o aniversário oficial da rainha Isabel II. A família real reúne-se no balcão no Palácio de Buckingham depois de um desfile de charrete. (2017).
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A cerimónia Trooping the Colour é uma parada que celebra o aniversário oficial da rainha Isabel II e reúne vários membros da família real (2017).
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2016.
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A rainha Isabel II e o príncipe Filipe na cerimónia Trooping the Colour, em 2016.
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2016, um ano muito especial em que a rainha Isabel II celebrou os seus 90 anos.
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A família real na cerimónia Trooping the Colour, em 2015.
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A rainha Isabel II e o príncipe Filipe na cerimónia Trooping the Colour, em 2015.