“Se voltássemos aos hábitos agrícolas de antigamente estaríamos hoje todos mais saudáveis. E felizes, também”
Prevenir para evitar é a máxima de + Vida + Saúde + Tempo, o mais recente lançamento de Manuel Pinto Coelho, médico e autor de Chegar Novo a Velho. A Máxima conversou com o especialista em medicina antienvelhecimento.

"Medicina é uma ciência, mas é também uma arte. Uma arte em constante mutação, em permanente aprendizagem", escreve-se nas primeiras páginas de + Vida + Saúde + Tempo (Oficina do Livro, março 2020). Ao longo de cerca de 300 páginas, Manuel Pinto Coelho, reconhecido especialista em medicina antienvelhecimento e autor do best seller Chegar Novo a Velho, mostra como é que, através da alteração dos nossos hábitos quotidianos, é possível não só viver-se mais, mas acima de tudo viver-se melhor — com mais saúde e felicidade. Até porque se "somar anos é uma inevitabilidade, envelhecer não".
Em + Vida + Saúde + Tempo remonta-se à pré-história e relembra-nos que, de acordo com aquilo que nos conta esse período, os nossos antepassados não faziam a quantidade de refeições que nós fazemos hoje. Pode-se dizer que, regra geral, comemos mais do que devemos?

Sim, é verdade que comemos muito mais do que devemos. Não nos esqueçamos que os nossos genes são ainda muito os dos nossos antepassados – a variação foi unicamente de 1% — e que naqueles (paleolíticos) tempos, ou seja, até há 10000 anos quando apareceu a Agricultura (que nos trouxe o açúcar, os cereais e os lacticínios), devido às circunstâncias sui generis de vida, se se comia uma vez por dia já era uma sorte e duas refeições por dia então era um luxo! E quando a lança atingia o animal, o que os caçadores levavam para casa eram as vísceras, ricas em gordura, (deixando no terreno o fillet mignon), tendo a gordura sido o nutriente principal durante milhares de anos. Com a entrada da Agricultura, e até aos dias de hoje, o nutriente principal passou a ser o hidrato de carbono.
É possível afirmarmos que, na maioria das vezes, a fome que sentimos é psicológica ou mesmo um mecanismo criado que relembra ao cérebro que "está na hora de comer qualquer coisa"?
Como referi, os nossos genes ainda não tiveram tempo para se habituar a mais alimento do que aquele a que estiveram habituados durante centenas de milhares de anos e até há bem pouco tempo. Sucede que hoje o marketing e a publicidade obrigam-nos a comer a toda a hora, contra a natureza dos nossos genes. Importa não esquecer também que somos 70% água e que o centro da fome está muito próximo do centro da sede e que muitas vezes comemos convencidos de que temos fome, quando na realidade o nosso problema era sede e um copo bem servido de água resolver-nos-ia o problema.

Somos o que comemos, mas também "somos o resultado de onde vivemos", escreve no seu livro. Dá, inclusive, um exemplo em que um par de gémeos com a mesma genética e que vai viver para locais distintos, pode-se tornar completamente diferente entre si. Isto é, um pode ficar gordo enquanto o outro completamente saudável, dependendo do local onde cada um se encontra. O que dizer àquelas pessoas que culpam a genética das suas características físicas?
Deve-se dizer-lhes que a genética vale 15% e a epigenética – a nova ciência que ensina a modular o comportamento dos nossos genes modificando-lhes a forma como se expressam — vale 85%. A genética põe ‘a bala na câmara’ mas é a epigenética que põe ‘o dedo no gatilho’.
E àquelas pessoas que dizem que "fazem muita dieta mas que não conseguem emagrecer"? É certo que com a alimentação correcta muito dificilmente alguém será gordo e pouco saudável? Quais os maiores erros que se cometem nas "dietas"?

As pessoas que fazem tudo para emagrecer e não conseguem deveriam começar por pedir ao seu médico assistente que avalie a sua tiroide. Acontece muitas e muitas vezes que uma situação de hipotiroidismo pode estar por detrás dessa situação. "Até o ar me engorda" é uma expressão típica do doente com hipotiroidismo, muitas vezes deficientemente avaliado quando o médico sobrevaloriza o laboratório — que pode dar análises normais —, em detrimento dos sinais clínicos. Sem hipotiroidismo, sim, é difícil com o regime apropriado não se conseguir emagrecer. Erros são muitos, desde perder-se de vista a obrigatoriedade de personalizar o regime em detrimento do "one size fits all", até ao regime desequilibrado que não contemple com proporcionalidade os nutrientes fundamentais, por ordem de importância – água, gordura, proteínas e (bons) hidratos de carbono —, passando por todo e qualquer regime que não inclua o exercício físico regrado e adaptado ao gosto do indivíduo.
Digamos que o segredo está na mudança de hábitos e não na palavra "dieta", que mais se assemelha a um bicho papão…?
Sempre preferi a palavra "regime" à "dieta" que é depressiva. O segredo está em tomar a decisão. Se medidos os prós e os contras a pessoa decidir perder peso, costumo dizer que quando o consciente toma a decisão o subconsciente faz a provisão, e assim sendo, a pessoa pode ficar surpreendida com a facilidade com que pode atingir o seu objetivo.
Pode-se dizer que o glúten é o inimigo público número um? Todas as pessoas beneficiavam se tirassem este composto das suas vidas, ou esta é apenas uma regra que se aplica aos celíacos?
Sim, pode. Ele tem, a par do açúcar e da caseína dos produtos láteos, um papel preponderante na inflamação insidiosa e silenciosa que está por detrás de, a par da resistência à insulina, praticamente todas as doenças, da doença celíaca e da diabesidade (diabetes e obesidade) ao cancro, passando pelas doenças auto-imunes e neurodegenerativas, entre outras.
E quais os inimigos públicos número dois?
Como referi, são o açúcar (um dos nossos principais inimigos pelo fenómeno de resistência à insulina que provoca, além da inflamação), a caseína (a proteína dos lacticínios) e o cortisol em excesso (provocado pelo stress excessivo).
Existem alimentos enganosos? Ou seja, alimentos cuja fama é de serem super saudáveis mas que na realidade não acrescentam nada de bom?
Sim, principalmente os alimentos processados, que embora aparentem ser saudáveis, nos enganam pelo seu sabor adocicado e salgado com o objetivo de captar a nosso gosto e atenção.
Os períodos de jejum sempre estiveram associados a práticas religiosas, embora hoje se fale muito no jejum intermitente por motivos de ordem física. Esquecemo-nos que os alimentos também nos poluem mentalmente? E que fazer períodos de jejum de vez em quando pode ser tudo de bom, também no que respeita à saúde do cérebro?
O alimento que se come, associado ou não a práticas religiosas, pode ser destrutivo ou construtivo, dependendo da sua qualidade e da frequência com que é ingerido, envelhecendo ou rejuvenescendo o nosso corpo. Comer os alimentos correctos, naturais, biológicos, antioxidantes, anti-inflamatórios, ricos em boas gorduras e pobres em açúcares, glúten e caseína, fará a diferença na forma como nos possamos sentir, física e mentalmente. Sim, os alimentos também nos poluem mentalmente.
Existe a evidência clara que uma restrição calórica bem planeada, ou seja, a prática do jejum intermitente, além de nos manter o peso dentro dos limites do razoável e contrariar o envelhecimento, também previne e trata algumas das doenças que lhe estão muitas vezes associadas, como o Alzheimer, o Parkinson e a epilepsia – o primeiro tratamento contra esta doença foi precisamente o jejum. Existe informação vária de que a dieta cetogénica – corpos cetónicos presentes na sequência do jejum (consumo de 20-50 gramas de hidratos de carbono) – pode fazer muito pela saúde do nosso cérebro. Na realidade, a restrição calórica e o jejum atuam sobre o metabolismo da energia, dos lípidos e das proteínas, sobre o sistema neuroendócrino, hormonal e imunitário, melhorando as funções cognitivo-comportamentais e reprodutivas, a radiosensibilidade, a apoptose (morte programada de células indesejáveis), estimulando ainda os biomarcadores do envelhecimento. Basta-nos ingerir 1.500-2.000 calorias diárias.
É seguro afirmar que a revolução industrial, no que respeita a alimentação, não trouxe nada de bom? Que se voltássemos aos hábitos agrícolas de antigamente estaríamos hoje todos mais saudáveis? E felizes, também?
Sem dúvida que sim. Desde a chamada revolução industrial temos sido vítimas de uma engenharia genética cada vez mais presente com o objetivo de produzir alimentos como vegetais e frutas, de longa duração, cor e tamanho uniformes, a par de uma agricultura cada vez mais intensiva, apostada em variedades de crescimento rápido que vem esgotando os solos esvaziando-os dramaticamente dos seus elementos mais vitais – ainda não há muitos anos uma maçã continha 400 mg de vitamina C quando hoje mal alcança os 4mg (100 vezes menos...), o mesmo acontecendo com a vitamina A que desapareceu praticamente das batatas e das cebolas e com o cálcio e o ferro cujo conteúdo é hoje inferior em 80% nos vegetais. Como tal, se o objetivo for alcançar níveis otimizados de saúde e bem estar, deveremos deitar mão a uma suplementação suficientemente equilibrada e abrangente, que nos compense do empobrecimento crescente dos nossos solos, restaurando o que está em falta, corrigindo os desequilíbrios e contornando possíveis predisposições genéticas. É crucial para a nossa sobrevivência.
Que conselhos daria a alguém que quisesse começar, de forma lenta e gradual, a alterar a sua dieta? Digo gradual pois, muitas vezes, quando impomos o radicalismo o resultado pode não ser o melhor. Assim, quais as primeiras mudanças que deve fazer no seu dia-a-dia alguém que deseja enveredar por uma vida mais saudável?
Como disse atrás, o segredo está em tomar a decisão. Se, medidos os prós e os contras, a pessoa decidir perder peso, costumo dizer que quando o consciente toma a decisão o subconsciente faz a provisão, e assim sendo, a pessoa pode ficar surpreendida com a facilidade com que pode atingir o seu objetivo. E, quase sem se aperceber, dá consigo a fazer o que deve, que sabe de cor e salteado, e a rejeitar aquilo que sabe que a afasta do seu objetivo. Neste ponto sou mais da opinião que, tomada a decisão, a pessoa deve mandar fora a cassete que tem dentro da cabeça e colocar lá outra com uma música diferente, e não fazê-lo de forma lenta e gradual. O que não será tão difícil como se possa pensar. Quando o consciente toma a decisão o subconsciente faz a provisão.
