Muito se fala sobre a grande limpeza de primavera. Abrir janelas e portadas, deixar sair o pó e as traças, limpar tudo de alto a baixo com recurso a esfregões e cotonetes até que todas as superfícies possam ser lambidas, deitar fora o que não faz falta criando espaço para o novo. Um plano valoroso e de grande coragem, mas para quê criar espaço se, nos meses de verão, passamos mais tempo fora de casa? Não, muito mais importante é a limpeza de outono, altura ideal para preparar os nossos aposentos para os meses de hibernação. Afinal, quanto mais limpa e organizada estiver a casa, mais espaço e conforto teremos ao longo dessa grande noite invernosa que se aproxima.
Gosta da ideia, mas não sabe por onde começar e enquanto hesita as pilhas de tralha vão tomando proporções de praga do Egipto? Esta jornalista encontra-se, exactamente, na mesma posição. Razão pela qual decidiu virar a internet do avesso à procura de soluções – até porque é, decididamente, mais fácil esvaziar a internet do que um guarda-roupa tão atulhado que mais parece uma cela numa prisão sul-americana.
Marie Kondo, uma senhora japonesa muito amável e delicada, tem uma técnica: pede à pessoa que segure nas mãos a tralha em questão – camisola linda e cara, mas que nunca se usou, jarra oferecida por tia que já morreu, ou peluche zarolho da infância – e que pergunte a si própria se aquele objecto suscita alegria (sparks joy). Se sim, é para guardar, se não, vai para o lixo ou para a caridade. Tudo muito lindo e bucólico, mas a alegria é coisa subjectiva e movediça. Depois de várias horas a perguntar a si própria “será que isto me traz alegria?”, é o desespero, a frustração e a raiva – esses amigos de todas as horas – que aparecem. E, acredite, em menos de nada vai ser acometida por um desejo incontrolável de usar a sua camisola cara para estrangular aquela senhora japonesa simpática com o seu sorriso de anúncio publicitário dos anos 60.
Muito melhor que esta regra da centelha de felicidade é uma outra com que esta jornalista descobriu: a regra do cocó. De acordo com esta técnica, ao pegar no objecto em questão a pergunta que tem de fazer a si própria é: “Se isto estivesse coberto de fezes eu dar-me-ia ao trabalho de lavar muito bem para poder guardar e voltar a usar?” E é fulcral criar uma imagem visual da situação. Sim, é escatológico, mas vale a pena o esforço.
Imagine aquela sua camisola cara completamente envolta em cocó – e deixe-me dizer-lhe, por experiência própria (dado que em tempos caí de uma árvore e aterrei em cima de uma fumegante e recém depositada poia), que o cocó se entranha de uma forma vil e obscena e, mesmo quando já não há cocó, permanece para sempre a sensação de que o cheiro ainda lá está –, dar-se-ia ao trabalho de a mergulhar em água morna e Soflan e de a lavar múltiplas vezes até que regressasse à vida, ou ia directamente para o lixo?
Na maior parte dos casos, a resposta óbvia e imediata é “lixo”. E não obstante esta técnica ser, no mínimo, inusitada, é também uma ferramenta psicológica muito útil para pessoas que põem demasiado valor emotivo nos objectos, tendo depois dificuldade em libertar-se deles, mesmo que queiram fazê-lo. Se destralhar a casa é algo que faz com relutância e sacrifício, por uma vez na vida, imaginar cocó em todo o lado pode ser uma grande ajuda.