“Somos, por vezes, tratadas como ‘mercadoria’ e não como artistas que têm o poder de decidir”
Conversámos com a talentosa artista colombina Lao Ra, que aos dez anos comeu uma larva para mostrar quão corajosa era. Comprovamos, pelas suas palavras, que aos 25 continua a ser destemida. Principalmente nas suas afirmações feministas.

A julgar pelo nome, Laura Avila, diríamos que é portuguesa. Já o seu nome artístico, Lao Ra, faz-nos pensar duas vezes. Laura é uma emergente artista colombiana, de Bogotá, que no primeiro dia de escola comeu uma larva em frente a toda a turma do primeiro ano, só para mostrar a sua personalidade destemida (um episódio que contou à revista NME, no ano passado). A viver em Inglaterra desde os 18 anos, Lao Ra lançou o EP Jesus Made Me Bad em 2016 (na altura tinha 24 anos), que se tornou uma das revelações do ano no registo pop. Conversámos com a artista que atuou no festival NOS Alive, através de áudios no WhatsApp. Mais millennial que isso, é a própria a afirmar, com convicção, que o mais importante, para ela, é que a sua voz (que se distingue pelo forte twist latino) possa chegar a todo o mundo – e de forma liberal.
Como começou a sua história com a Música?

Eu era muito pequena. Tenho três irmãos e nenhum deles me deixava ver desenhos animados, então acabava por estar sempre a ver o canal MTV. Esse foi o primeiro contacto com a Música, que me levou a ficar obcecada com artistas como Madonna ou Gwen Stefani. Gostava muito de ver com atenção todos os videoclips.
Sonhava com esse mundo?
Nessa altura, nos anos 90, já pensava que esse mundo [dos videoclips] era tão colorido e incrível, tão diferente da realidade na Colômbia. No liceu, interessei-me muito pelo punk e tinha bandas neste registo. Fazia poesia e comecei a escrever as minhas letras, então só queria ter a minha própria banda. Quando terminei o liceu, pensei que o que queria mesmo ser era uma artista pop.

Qual é a sensação de estar em palco?
É como estar em casa. É o sítio mais feliz onde poderia alguma vez estar. Adoro a energia, a adrenalina e em como tão focados em nós mesmos temos de estar, a cada momento. É um compromisso do princípio ao fim de um concerto e o que acabo por gostar mais é da ligação que conseguimos ter com as pessoas. Cantar ao vivo é o meu momento preferido.
Qual é o maior desafio em ser-se mulher num ainda mundo de homens, onde todos os dias se luta pelo equilíbrio?

A parte mais difícil para uma artista feminina é ser levada a sério. E ainda que sejamos muitas, a indústria [da Música] ainda é liderada por homens que têm ideias muito diferentes do que a posição de uma mulher deve ser. Somos muitas vezes tratadas como "mercadoria" e não como artistas que têm o poder de decidir o que querem dizer, o que querem usar. Ao entrar numa sala cheia de homens, é preciso, por vezes, falar dez vezes mais alto, caso contrário é possível que a nossa voz nem seja ouvida. Mesmo quando são homens mais novos, continuam a achar que sabem sempre mais do que nós, as mulheres.
Alguma vez sentiu que não poderia escolher quem queria ser, enquanto artista?
Sem dúvida que precisei de lutar com garra para ser a artista que sou hoje. Tentaram moldar as minhas ideias para ser algo que não correspondia à minha essência.

Qual é o registo musical destas suas novas músicas?
As novas músicas têm um sabor mais latino e, para mim, é mesmo importante que este registo musical esteja cada vez mais reconhecido. Eu quero usar mais o famoso "espanglês" nas minhas músicas. E se eu falasse Português, cantaria em Português também. A Música está cada vez mais globalizada e há cada vez mais pessoas com acesso a todas as músicas, de todos os artistas. É isso que eu quero: que as minhas músicas sejam globais e acessíveis. Que não existam barreiras.

Roteiro musical para outubro
Concertos, festivais, performances. Ao longo do mês de outubro há concertos imperdíveis e discos por ouvir.