Caetano, Moreno, Zeca e Tom, ou o sonho de uma noite de verão
Se a premissa prometida, Ofertório, era literal, não diríamos existir melhor palavra para expressar o que Caetano e os três filhos - Moreno, Zeca e Tom - fizeram ontem, no Coliseu de Lisboa. Ofertar. Samba, alegria, cumplicidade. E sempre, acima de tudo, amor.

Desde o momento em que o pano do palco do Coliseu sobe e Caetano, Moreno, Zeca e Tom surgem, encaminhando-se para os seus lugares, a cumplicidade dos quatro é inegável e contagia logo como um samba bom. Mais do que um mero concerto, sabemos desde logo que Ofertório é um encontro familiar, uma reunião de domingo à noite pautada por gargalhadas onde as músicas se vão seguindo com uma naturalidade bonita.
O quarteto abre com Alegria, alegria, um presságio feliz para o que se seguiria. E logo a seguir a canção O seu amor, onde ouvimos pela primeira vez como as quatro vozes são tão diferentes mas tão iguais, tão ternas e leves e tão sonantes de profundas. Mais à frente, diria que foi impossível, para quem esteve ontem no Coliseu, não se ter arrepiado com uma das músicas mais bonitas da noite (e das mais delicadas), Todo o Homem, que Caetano anunciou assim: "Zeca, a única estrela entre nós - porque Moreno já toca há 20 anos, Tom há mais de dois e eu há mais de não sei quantos -, vai cantar uma música dele." As luzes apagam-se e o filho do meio, o tímido Zeca, já sentado ao piano e o único com enfoque de luz, começa a entoar: "Sol, manhã de flor e sal/ E areia no batom/ Farol, saudades no varal/ Vermelho, azul, marrom/ Eu sou cordão umbilical/ Pra mim nunca tá bom/ E o sol queimando o meu jornal/ Minha voz, minha luz, meu som." No final, todos se juntam à letra e cantam "todo o homem precisa de uma mãe", e tudo faz sentido.

Entre pandeiretas, guitarras, o piano, e até um prato e uma faca, vão-se sucedendo canções escolhidas por cada um deles, canções escolhidas por eles para o pai cantar, canções escolhidas pelo pai para cada um deles. Canções originais e novas, de cada um. Canções. E as histórias delas, que todos tiveram a amabilidade de partilhar, à sua maneira. O verdadeiro ofertório começa aí e vive em pleno ao longo de toda a noite com frases enternecidas como a que Caetano diz antes de cantar Ofertório (uma canção escrita originalmente em homenagem à sua mãe): "Eu fiz esta canção em homenagem à religiosidade dos meus filhos." (Caetano não é religioso, Zeca e Tom são católicos e Moreno é Franciscano - ou "macumbeiro", como na brincadeira disse). Ou quando Moreno tocou a afamada composição do pai, Leãozinho, e disse: "Pensam que a gente sabe tocar as músicas do nosso pai? O avô Zequinha, pai de meu pai, era telegrafista, perguntem ao meu pai se ele sabe ler código Morse." Gargalhadas. "Mas eu gostei de aprender esta música para cantar para vocês porque, primeiro, é muito bom fazer o nosso pai feliz." E se há uma verdade inquestionável neste Ofertório é a de que Caetano foi feliz. O seu sorriso de pai enternecido, afinal, não deixa dúvidas.
O primeiro a desatar o samba foi Tom, o mais novo (e o que herdou os caracóis do pai, em novo), ao levantar-se e começar a dançar sobre o palco de forma graciosa e divertida, um espelho da sua personalidade que é evidentemente a mais solta. Mas todos acabam por fazê-lo, cada um à sua maneira e ao seu ritmo; até Caetano deu o ar de sua graça no final, depois de "sambar sentado" (que é como quem diz esbracejando à sua maneira espirituosa) toda a noite.
Apesar de a presença em Lisboa encerrar a digressão, que começou em outubro passado no Rio de Janeiro e termina hoje, 2 de agosto, no Coliseu de Lisboa, Caetano manifesta como está feliz por ser esta a cidade que encerra um ciclo. Depois de saírem de palco, mais de uma hora e meia de canções curtas mas certeiras, regressam ainda por duas vezes. É Moreno quem ensaia a Noite de Santo António de Amália Rodrigues e depois Caetano quem entoa Amar pelos dois de Salvador Sobral. Parecia ser a deixa com que se despediam, em boa homenagem aos portugueses, de uma noite quente que mais pareceu um sonho.

Mas, e depois de uns minutos de assobios e palmas de uma plateia já em pé (alguns já de cotovelos pousados no palco), eis que os quatro regressam para sambar em grande com A Luz de Tieta com as vozes do público perfeitamente em uníssono. Porque, laços paternais à parte, tamanho talento e entrega só pode ser generosidade.


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