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Rosa Pomar. Como uma marca de lãs de ovelhas autóctones portuguesas se internacionalizou

Uma marca 100% nacional, a Rosa Pomar vende as suas lãs um pouco por todo o mundo, provenientes de raças de ovelhas autóctones, em vias de extinção. Fomos à loja conhecer o projeto e a primeiríssima peça Rosa Pomar, um casaco disponível em duas cores, e conversámos com a fundadora.

Foto: Ágata Xavier
31 de maio de 2023 às 16:20 Rita Silva Avelar

A história, como tudo começou

Filha de pais ligados ao Património e à Cultura, Rosa Pomar, 47, nascida em Lisboa, formou-se em História, mas foi no negócio das lãs que encontrou a sua verdadeira vocação – e quando dizemos lãs, isto trata-se de um mundo maior do que talvez imaginemos, que começa com têxteis (tecidos e fios). Tudo se iniciou com um pequeno segundo andar na Bica, uma retrosaria que Rosa abriu em 2009, uma espécie de localização mais ou menos secreta, porque primeiro só quem realmente seguia o website de Rosa Pomar – e gostava de tricotar e fazer malha a sério – lá ia. Funcionou como passa a palavra, e a certo ponto Rosa precisou de se mudar, pois o espaço tornou-se demasiado pequeno e a renda triplicou, a par de se ter tornado uma referência em Portugal para apreciadores e doers. 

Foto: Ágata Xavier

Encontramo-la na morada que ocupa desde setembro de 2021, na Rua Maria Andrade, nos Anjos, um antigo armazém de venda de móveis em segunda mão. "Isto é uma história muito comprida. Tinha um blogue onde falava sobre têxteis e outras paixões, e em 2004 comecei a vender online umas peças que fazia que eram bonecos de pano. Depois, como trabalhava muito com materiais para fazer os bonecos e outras peças e eram materiais que não estavam disponíveis cá, as pessoas perguntavam-me onde é que eu os conseguia, e achei que fazia sentido criar um site para os vender. Comecei à procura e apareceu aquele espaço que era numa localização muito boa, porque era muito perto da minha casa, perto do infantário da minha filha, era assim um sítio muito giro, na altura nada turístico. O Chiado já era turístico e ali não era, as pessoas ainda não chegavam ali e, portanto, a renda também ainda era possível", recorda. Dos rolos de tecidos, Rosa passou para a venda de fios e novelos

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

Como dizemos, Rosa, que faz tricô há 40 anos, tornou-se rapidamente na referência para quem faz esta arte manual: "Qualquer pessoa que vem a Portugal ou mesmo cá se procurar lojas de tricô em Lisboa, vem aqui parar porque somos uma loja de nicho. No fundo, é uma coisa muito específica."

Os novelos Rosa Pomar

Até que o negócio ganha outros contornos, e foi altura de meter a "mão na massa." No início, "o que acontecia era que eu queria ter fios e tecidos portugueses e não conseguia", conta-nos Rosa. "Primeiro ainda fiz umas tentativas de arranjar fornecedores portugueses de tecidos com coisas de que eu gostasse, com a qualidade que eu queria, mas não havia. Porque nós tínhamos, obviamente, ótimos produtores de tecido, mas estavam só canalizados, como continuam a estar, para a indústria da Moda, para a indústria da confeção. E, por outro lado, com os fios era a mesma coisa. Eu tinha de ir para o e-Bay ou outras lojas comprar porque não havia fios feitos com matéria-prima portuguesa e, portanto, foi isso que eu decidi fazer."

Atualmente tem os seus próprios fios. As ovelhas que fornecem a lã destes novelos estão espalhadas pelo país, muitas delas estão em vias de extinção e são um património que pode não existir daqui a dez anos. "A tosquia da lã é feita nos sítios de origem, depois a lã tem de ser encaminhada para um sítio onde é lavada, que é na Guarda, na Serra da Estrela", explica. "Cada uma é lavada individualmente, e daí ela vai para uma das fiações com que nós trabalhamos. Trabalhamos com várias e naturalmente, as fiações também estão concentradas na zona da Serra da Estrela, uma zona tradicional junto à nossa indústria de edifícios e depois ainda vai para uma tinturaria", assevera. "Trabalhamos também com várias tinturarias, tudo em Portugal, sempre. E na tinturaria também é feito o processo de criação dos novelos, chama-se novelagem e depois vem para aqui." 

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

É Rosa quem imagina as cores, "e sou eu que desenho os fios, também, há fios com muitas qualidades, consoante o tipo de lã ou a raça de ovelhas, também tenho que desenhar determinadas características no fio para tirar o máximo partido das qualidades da lã, porque isso é tudo um processo nosso." Quanto às cores, estas são desenvolvidas para determinado fio e são trabalhadas com um tintureiro, por exemplo. "Aqui [mostra fio] esta cor nasceu de uma jarrinha que eu tinha na casa dos meus trisavós, que tinha estas cores que eu achei muito bonitas."

Cada tipo de novelo e fio – são cerca de 8 a 10, neste momento 9 – têm um rótulo ilustrado por um artista e, de entre os já convidados, estão nomes como Joana Estrela, Margarida Malhão, Yara Kono, Joana Rosa Bragança, ou Mariana, A Miserável, já que Rosa também tem uma paixão por ilustração, área que estudou. "As ilustrações têm sempre a ver com o próprio fio, com a própria lã. São representações de valores, são mesmo fiéis àquilo que temos, temos a raça saloia, isto é mesmo uma ovelha saloia - quem perceba de ovelhas vai reconhecer [o rótulo]." 

Também os nomes dos novelos são pensados ao detalhe, desta feita para honrar nomes tradicionais: "São nomes relacionados com as próprias ovelhas de que o fio é feito, ou com a região, ou com a cultura das ovelhas." Por exemplo, Pegulhal é uma palavra que a maior parte das pessoas não conhece e é uma palavra que significava as ovelhas que eram propriedade do pastor e que andavam juntamente com as ovelhas do patrão do pastor. "Se fosse pastor ia tratar das ovelhas do seu patrão, mas tinha duas ou três que eram suas, que eram o seu pegulhal", exemplifica. "A Brusca é o nome tradicional das ovelhas saloias, também é uma palavra que já só os pastores é que sabem e para nós tem outro significado. A palavra brusca originalmente quer dizer escura, e estas ovelhas são mais escuras do que as outras no focinho. Outro novelo, de  fio reciclado, chama-se Mungo, que também é uma palavra antiga que significa precisamente fios reciclados feitos com lã reaproveitada, reciclada. Já Zagal é um ajudante do pastor no Alentejo, que normalmente era uma criança. E o próprio rótulo tem sempre um pequeno texto que contextualiza.

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

Os novelos custam entre os €5 e os €12, "a não ser, por exemplo estes (mostra-nos), que são feitos a partir de um fio nosso, que é tingido em Paris à mão e custam €30 e picos, Mas os nossos, tingidos em fábrica e não tingidos à mão, têm um preço mais democrático."

A demanda dos clientes é tanta, que Rosa ainda recebe workshops em loja e vende kits para que as pessoas possam tricotar determinada peça em casa. "As pessoas pensam, como é que eu vou fazer uma camisola? O que posso fazer com este fio? Então, aos poucos também comecei a desenhar peças para as pessoas poderem fazer isso com os nossos fios e isso também para um determinado tipo de cliente é importante. Há outras pessoas que são mais criativas ou estão menos presas a fazer exatamente igual ao que viram na revista ou que viram no site." 

Na loja, Rosa tem à venda os novelos Rosa Pomar e também outras marcas internacionais, e a equipa já conta com 10 pessoas.

A internacionalização da marca e a sustentabilidade

Os fios vendidos pela Rosa Pomar – que, já agora, mais de metade são exportados sobretudo para o Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos, Canadá e uma parte da Europa - provêm de 16 raças autóctones portuguesas, de todo o país, são 100% nacionais, o que faz da marca Rosa Pomar uma marca sustentável e socialmente consciente, embora, como nos confessa a fundadora, a lã por vezes seja substituída por outros materiais. "A sociedade contemporânea está obcecada com a questão do ser macio. E, portanto, se querem fios macios, normalmente nem usam lã, lã só representa 2% da matéria que é usada na indústria têxtil e quando querem lã, querem ela muito e macia e macia é a coisa que menos sentido faz em termos de pegada ecológica. As nossas lãs - há umas com um toque mais suave ou menos - têm outras qualidades. É possível trabalhar se o objetivo não for única e exclusivamente fazer fios muito macios." 

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

A Rosa Pomar pode ser uma pequena morada nos Anjos, mas assegura grande parte do stock no armazém que existe por baixo da loja, onde Rosa tem o seu escritório. A filosofia da exportação é, também, pensada de forma a reduzir a pegada ecológica. "Nós não exportamos para lojas gigantes, no fundo, as lojas que nós escolhemos para serem nossas representantes ou revendedoras no resto do mundo são lojas com a mesma filosofia que a nossa. Estão interessadas em fios com uma pegada ecológica pequena, que trabalhem com lãs de raças autóctones, que estejam interessados em fazer qualidade e não quantidade. E como, apesar de tudo, nos tornamos uma referência nesse nicho de mercado, as lojas procuram-nos e, portanto, nas lojas equivalentes à nossa do resto do mundo vai muito provavelmente encontrar fios nossos, o que é giro. Muitas vezes as pessoas mandam fotografias a dizer, ‘ah estou de férias na Dinamarca e encontrei-vos aqui, estão aqui os vossos novelos’." 

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

A primeira peça Rosa Pomar e uma exposição em Maiorca

A grande novidade de 2023 é a primeira peça Rosa Pomar, criada pela fundadora com a ajuda de Ágata Xavier e de Filipe Pacheco, seus braços diretos na loja e no projeto. Foi imaginada uma peça – um protótipo a partir de do Badana Cardigan na sua versão em Zagal - um pedido de longa data das suas clientes e que começou a ganhar uma séria forma durante a pandemia, mas usado com um fio especial feito para este casaco. "Já há imenso tempo que pensava que tinha de ter uma peça que as pessoas pudessem comprar já feita, feita com a nossa lã (…) Desenhei um fio específico para fazer esta peça, que é um fio que combina campaniça, que é a raça do Baixo Alentejo, um merino preto e branco são do Alto Alentejo e pegámos neste casaco que era uma peça minha, fomos à fábrica e fizemos um protótipo e fizemos uma réplica na fábrica a partir deste casaco com um fio específico." Tudo no casaco, que se chama "Casaco 01" é 100% nacional, incluindo os botões, e é unissexo.

Foto: Retrosaria Rosa Pomar

Isa Toledo, Behén, Graça Vieira, Joana Caetano, Seda & Companhia e Hermínio Maio foram os artistas convidados a recriar esta peça, exibindo as criações finais em Maiorca, na Xtant, evento dedicado aos têxteis que decorreu no início de maio em Palma de Maiorca. 

Foto: Ágata Xavier

A partir de 31 de maio o casaco Rosa Pomar está à venda na loja, por €150, em duas cores naturais – um bege mais claro, outro mais escuro – e em três tamanhos, todos eles em formato oversized. 

Onde? R. Maria Andrade 50ª, Lisboa Quando? Das 10h às 19h, encerra ao domingo e à segunda-feira. Contacto 21 347 3090 

Foto: Ágata Xavier
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