"Quantas Queres?": uma peça que, "literalmente, dá voz à ansiedade”
Inês Miranda e Liliana Marques estão convencidas de que a arte cuida e o humor salva. A peça que se preparam para estrear em Lisboa e no Porto, mais do que uma sátira, é um grito de alerta sobre a vida que perdemos quando nos deixamos levar pelo medo.

Cinco minutos antes da hora marcada e lá está Inês, cabelo apanhado num bun improvisado no alto da cabeça, a entrar e a sair de cena, transportando coisas, deslocando objetos. Lá de cima, chega a voz do técnico, com indicações sobre a luz e a marcação dos adereços no palco. Uma pequena mesa. Um charriot. Várias caixas. Muitos pormenores para afinar, diria ela mais tarde, já sentada numa das cadeiras vermelhas da plateia do Cine-Teatro Turim, em Benfica, na mesma altura em que Liliana entra em passo de corrida, com desculpas pelo atraso. Senta-se no chão, no meio do corredor que separa as duas secções da sala. E, por momentos, pareceu-me que ficaram ambas absortas, a olhar para o palco, como que a antecipar o que aí vem: a apresentação da peça que escreveram, encenaram e vão interpretar a partir do dia 3 de outubro, primeiro no Cine-Teatro Turim, em Lisboa, depois no Teatro Sá da Bandeira, no Porto.
Inês Miranda é natural de Viatodos, uma aldeia no concelho de Barcelos onde, desde criança, se apercebeu que era atriz. Fez teatro amador, participou em vários projetos artísticos (como o Escritaria, em Penafiel ou o Plasticine, em Lamego), mas acabou por se licenciar em Comunicação Empresarial, no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto. Aos 25 anos, trocou a Invicta por Lisboa, onde investiu na sua formação de atriz, tendo concluído recentemente o Curso Profissional de Atores. Foi durante uma formação sobre improviso que conheceu Liliana Marques que, nos últimos anos, se veio afirmando como uma voz incisiva e inspirada no universo ainda muito masculino da stand up comedy.

Licenciada em Publicidade e Marketing pela Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, Liliana passou pelo jornalismo e apaixonou-se pela escrita de humor: “O meu primeiro contacto com stand up foi há cerca de dez anos, quando fui abordada por alguém que achou que eu tinha jeito. A minha primeira reação, de alguém que tinha acabado de sair da universidade, foi a de que aquilo não era para mim. O stand up parecia uma alcateia de lobos, tanto a audiência como o certame eram muito masculinos”. Entretanto, isso já mudou um pouco, as mulheres começaram a tomar a palavra e os palcos, “mas ainda são muitas as noites em que só se veem homens, em que só se ouve a perspetiva masculina do mundo... “, lamenta. “A variedade é interessante porque o humor também é uma forma de medir o pulso da sociedade. Se tivermos pessoas com backgrounds diferentes, de uma forma geral, será mais enriquecedor”, defende.
Durante a pandemia a sua perspetiva profissional mudou. Abriu-se uma fenda de oportunidade e Liliana acabou por se inscrever num curso de escrita de humor. Depois disso, foi a sua confiança que se alterou, criando espaço para uma curiosidade cada vez maior sobre a arte e a técnica do improviso. Durante uma formação conheceu Inês, de quem rapidamente ficou amiga. “Foi uma coisa muito orgânica. Estávamos num largo de igreja a conversar e dissemos: ‘Se calhar escrevíamos uma peça sobre isto. Entretanto o ‘isto’ já não é nada aquilo que era”, recordam, entre sorrisos de cumplicidade e de nervosismo, descrevendo um processo que foi longo e marcado por diferentes fases, algumas delas com distanciamento forçado, por motivos de saúde.

Conciliar o teatro com uma vida profissional com horários mais rígidos foi um desafio nem sempre fácil de ultrapassar, mas, no final, dois anos volvidos, tudo acabou por fazer deste guião aquilo que ele é: a estreia de duas amigas e um atestado de audácia, com espaço para o medo, mas sobretudo para a vontade de ir, de fazer.
A terapia do improviso
O texto, que começou por ser uma ideia sobre os limites do humor e a liberdade de expressão (ou falta dela), acabou, explica Liliana, por evoluir para “uma peça que, literalmente, dá voz à ansiedade”. Uma peça que contém outra peça, onde duas personagens confrontam expetativas e fragilidades, embrulhadas em doses generosas de humor negro, “não tivesse ela sido escrita pela Liliana”, atira Inês. “A ideia é refletir sobre o papel que a ansiedade tem nas nossas vidas. Identificar as alturas em que a ansiedade dialoga connosco, as questões que levanta, a forma como nos silencia. A peça acontece nesse duelo, entre aquilo que é a minha identidade e aquilo que é a voz da ansiedade. Mas é preciso assistir para perceber como é que isto acaba...”, explica Liliana. No entanto, avisam, em nenhum momento sentiram a necessidade de um criar final redondo ou feliz: “O improviso, que foi o que nos juntou no início, fala muito sobre aceitar, e nós aceitamos que a ansiedade existe e vai existir”. Tal como a já quase-costumeira discussão sobre os limites de humor: será que existem mesmo? “Deve haver sempre espaço para questionar se está tudo bem com o humor”, defende Liliana, “mas também é importante não perder o compasso moral e confundir o humor com agressão, com ofensa ou crime. Quando o humorista sobe ao palco, claro que não inventa uma personagem completamente diferente de si, mas há uma persona e, tal como não julgamos um ator porque desempenha um papel de ditador, não faz sentido julgar um humorista por fazer uma piada sobre um tema fraturante.”

A “cura” do ócio sem culpa
Apesar da densidade dos temas abordados, a peça nunca perde de vista essa leveza do humor: “porque o contraste era interessante para nós. Houve uma certa necessidade de dar cor, de trazer outra roupagem a temas que podem ser difíceis ou pesados. Não gostamos de falar sobre a ansiedade e a morte ou sobre doenças mentais, mas às vezes, quando o fazemos através de uma piada, chegamos a outras pessoas e, se calhar, a uma reflexão mais suave sobre um tema que é duro”.
O teatro surge assim como uma rota alternativa para um tópico que tem sido amplamente analisado e que, não sendo um exclusivo geracional, acaba por dialogar de uma forma particular com uma geração (que é também a delas), e que cresceu imersa em tecnologia e sufocada por sucessivas crises.

“Acima de tudo, gosto muito da ideia da reflexão. Gosto de um livro ou de um filme que conseguiram pôr em palavras algo que eu já sentia, mas não sabia bem como expor. A tal questão da identificação. Diria que a reflexão é o motivo pelo qual se faz teatro... pelo pensamento que se deve suscitar no público”, conclui Inês que, no instante seguinte, parece mudar de ideias: “Por outro lado, o teatro também pode ser apenas um momento de entretenimento. Um momento para nos esquecermos de obrigações. Esta vontade de que o ócio exista sem culpa também pode ser um objetivo final da arte. Por isso, se as pessoas saírem entretidas deste espetáculo, se vierem só gozar o prato, a missão está cumprida”, explica. “Se saírem entretidos, ótimo. Se refletirem, melhor”, completa Liliana que, logo a seguir, e mais a sério, acrescenta: “Diria que o nosso objetivo é que as pessoas saiam com o desejo de viver o mais possível as suas vidas. Fazer o que está ao alcance para não fazer da vida um ensaio. Porque depois da vida não há mais nada”. Só silêncio.
Quantas Queres? não traz soluções mágicas nem pretende substituir-se a nada, mas esconde muitas pistas para explorar, sempre numa perspetiva luminosa e leve, que passa mais pela definição de um chão comum do que pela abordagem de temas fraturantes: “Queremos promover esse riso coletivo. Porque o riso tem muito mais poder do que uma lágrima ou um momento de tristeza”, arrisca Inês. Será mesmo? Elas asseguram que sim: “Há muito potencial de transformação numa noite de leveza em que estamos todos a brincar”. Haja a coragem de ir. E de rir.

Quantas Queres? De Inês Miranda e Liliana Marques, de 3 e 4 de outubro no Cine-Teatro Turim, em Lisboa. A 11 de outubro, Teatro Sá da Bandeira, no Porto. Bilhetes: €14.

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