Desabafo no Masculino: A mulher de Charlie Kirk e as outras mulheres
Sobre a modéstia, o recato e a estranha decisão de, não só abdicar do protagonismo, como subjugar-se orgulhosamente à figura masculina. E ainda aceitar e espalhar essa ideia como se fosse um legado honroso.

Uma espécie de prólogo: ser ou não ser “antifa”, eis a questão. A resposta é muito mais simples do que pode parecer, o segredo é mesmo não complicar: ser-se “antifa” é recusar - repudiar, nutrir um sentimento misto de desprezo e terror por, enojar-se com a ideia de - o fascismo enquanto ideologia, enquanto possibilidade de ideia para uma sociedade, e em especial se essa sociedade for a minha, aquela em que me insiro. Posto isto, sim, sou “antifa”. Não gosto de fachos.
“Porque é que não gostas de fachos?”, perguntam-me, estranhamente, mesmo estando nós no início do segundo quartel do séc. XXI. Bom, entre muitas outras coisas, acima de tudo porque retiram direitos à minha mulher - e à minha mãe, e às minhas sobrinhas, e a todas as mulheres que componham a sociedade ou comunidade onde esses fachos prosperam. Reparem, não estou a falar de privilégios, estou a falar de direitos, como em Direitos Humanos. Num regime autoritário fascista, metade da população - as mulheres (que, na verdade e em bom rigor, até perfazem mais do que metade da população) - perdem muitos dos seus direitos fundamentais.
Todavia, não quero saltar passos nesta imensa escada descendente que nos leva até às profundezas do declínio da democracia ocidental. Esse declínio não começou agora e não nasceu com a vaga da extrema-direita mais ignorante, que cabecilhas como Trump ou Bolsonaro tão bem personificam - e que, por cá, certos intrujas tanto tentam mimetizar com grande eficácia e resultados assustadoramente positivos para os próprios interesses -, mas atingiu, no momento que hoje vivemos, o seu apogeu.
Para onde quer que olhemos, encontramos um deles, arrastando-se pelo mundo como zombies (que mesmo quando se esvaem em sangue e se babam e coxeiam, o avanço é inexorável). Há quem lhes chame facho, ou neo-facho, ou extremista, ou alt-right, ou direita-populista. As designações são muitas e raramente corretas ou rigorosas. Eu cresci numa época em que ser fascista era uma coisa obviamente má - mais do que isso, era uma coisa abjeta, medonha, terrível, decadente e deplorável. Hoje, porém, parece que fazemos tudo para evitar o desconforto, para ninguém melindrar os pobres fascistas. Só o decoro me impede de lhes colar a etiqueta adequada, porque nem toda a palavra pensada deve ser escrita. Avancemos.
O que mais me impressiona neste mundo contemporâneo, às cambalhotas, decência abaixo, derrubando tudo quanto é pilar democrático, tudo quanto é preceito lógico, tudo quanto é fundamento social, é a participação ativa e convicta de mulheres nesse exercício. Retomemos o início: estes regimes autoritários em construção e desenvolvimento (e ninguém nos garante que, por cá, não haja um a fermentar na barrica parlamentar de São Bento) começam precisamente por subtrair direitos (e consequentemente poder) às mulheres - e às minorias, e a todos os etecéteras que compõem uma sociedade que, desde há uma década e picos para cá, tem decidido deixar de fora do grupo dos seus “legítimos” todos os cidadãos que não se enquadrem num padrão de macho bafiento (e maioritariamente branco, mas isso já é detalhe habitual).
Há um exemplo de mulher ativa e convicta no dito exercício que tem sido, nas últimas semanas e por motivos trágicos, grande protagonista mediática. Os focos de atenção têm-se virado para ela e têm-na revelado, bem como às ideias e ao suposto legado que defende, mas também ao seu passado, ao seu percuro, ao seu currículo e, ainda, à tristeza que é vê-la chegada aqui, ao ponto onde se encontra. Triste não por ela, mas por tudo o que representa - pela ideologia que defende, pelas mulheres que sofrem com isso e pelas outras que seguem o seu modelo nesta contemporaneidade ilógica, no limiar do surreal.
Chama-se Erika Kirk e o nome dela devia vir logo no título, elevando-a a qualquer coisa mais do que o papel secundário a que se submeteu, aceitando transformar-se modestamente na “mulher de Charlie Kirk”. Mas essa designação foi uma opção dela, não uma escolha do público. Erika Kirk optou por seguir um estranho e até surpreendente caminho para alguém cujo percurso, até ao casamento, tinha sido, senão brilhante, pelo menos profícuo e digno de orgulho. Porém, a dada altura, preferiu abdicar de si, da sua independência e até do seu nome para se subjugar a um machista misógino e passar a ser, publicamente e para todos os efeitos, “a mulher de Charlie Kirk”.
O legado que Erika Kirk defende é aquele deixado pela ideologia que o seu falecido marido defendia - por falar nisso: que bizarro foi vê-la e a todo o espetáculo piroténico, a todo o comício político, a toda aquela recriação em ácidos e folclore pós-moderno de uma “reunião de Nuremberga” (uma demonstração, mais uma, de que a atual Administração dos EUA está a tranformar o país num regime autoritário fascista, não se inibindo de seguir o programa propagandista do Terceiro Reich na Alemanha nazi), durante o que foi ou deveria ter sido um memorial, uma cerimónia de despedida do seu marido.
Charlie Kirk era - e é preciso que se o diga sempre e com palavras inteiras, independentemente do seu trágico assassinato - um ultra-conservador de direita, misógino e machista, entre vários outros defeitos (que, surpreendentemente, hoje em dia muitos - como o Parlamento de Portugal, aparentemente - entendem como virtudes). Mais: Charlie Kirk, em intervenções públicas, destinava à mulher - não necessariamente à dele: à Mulher, com M maiúsculo; às mulheres, em geral, a todas as mulheres - um papel social secundário. Para o marido de Erika Kirk, a figura feminina devia cingir-se às funções domésticas, de dona de casa, de mãe de família, de cuidadora e fada do lar. Como em qualquer regime autoritário que se preze, aliás.
A própria Erika defende, então, esse legado ideológico, e assume-o publicamente. Doutorada em Liderança Cristã e doutoranda em Estudos Bíblicos, protege e difunde a ideia muito católica da mulher modesta e recatada, obediente e submissa, aquela que está por trás de um grande homem, a figura omissa nos registos, eventualmente a cidadã que abdica do seu direito individual de voto em nome de um voto familiar, cujo porta-voz será, como é óbvio para quem chegou a este ponto do texto, o homem, o marido, o chefe de família.
Mulheres como Erika, na sua maioria influencers digitais com muito menor expressão do que ela - mas todas juntas chegam a muita gente -, vão difundindo esta ideia preconceituosa e demasiado antiquada (tão antiquada que, pelos vistos, se tornou vintage) de que a mulher está bem é sossegada, em casa, a criar os filhos e em estrita obediência ao marido. Não contestando a óbvia legitimidade que existe na opção por uma vida no recato do lar e em função da ideia tradicional de família, há na propagação dessa mesma ideia de vida como sendo a ideal ou a única legítima, um dano infligido a todo o progresso feminino, a todas as conquistas das mulheres e a todo um modo de vida que se foi construindo em torno da liberdade de escolha, e não da imposição desta ou daquela maneira de levar a vida.
É extraordinário que haja quem considere o poder de escolha feminina uma imposição de um modo de vida, quando ele é precisamente o oposto. E Erika Kirk provavelmente sabe disso, uma vez que, ao longo do seu percurso de vida, foi desempenhando os seus papéis quase sempre como protagonista, quer fosse como “rainha de beleza” ou desportista de eleição, como estudante de topo ou oradora de excelência. Por estranha convicção ou estratégia invulgar, decidiu, algures pelo caminho, ser, modesta e recatadamente, não mais do que “a mulher de Charlie”. É de lamentar.

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