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"Não precisa de ficar tão emocional" e outros preconceitos com as líderes femininas

São bem-sucedidas, inteligentes e dizem o que pensam mas o mundo continua a vê-las como inimigas no trabalho. Sara Falcão Casaca, socióloga, e Cláudia de Castro Caldeirinha, professora de cursos de liderança e ativista pelos direitos das mulheres, explicam-nos a equação mulher, atitude, poder e liderança no trabalho.

27 de fevereiro de 2020 às 07:00 Rita Silva Avelar

Quando, em 2015, a escritora e feminista nigeriana Chimamanda Adichie fazia um dos seus mais célebres discursos para dar voz às mulheres de todo o mundo, dava-se mais um passo pela igualdade de género. Em Girls Write Now, Adichie escrevia: "O que costumo dizer aos meus estudantes, principalmente às mulheres, é que devem esquecer-se da ideia de que têm de agradar a toda a gente. O que a sociedade ensina às jovens mulheres é que ser-se estimada por todos à sua volta é essencial para se ocupar um lugar no mundo."

Ser popular ou 'fácil de se gostar' não é um critério universal e está longe de ser uma obrigação – especialmente num contexto laboral em que o sexo masculino continua a dominar. O que Adichie transmitiu em apenas 5 minutos aplica-se, assim, a todas as mulheres que querem ter uma voz tão assertiva quanto a dos homens, enquanto lutam contra a disparidade de ordenados, o assédio sexual e a desigualdade de género nos locais de trabalho.

Há quatro anos, a revista Forbes explicava a situação no artigo Why Aggressive Women Can't Win At Work (And How To Deal)/Porque é que as mulheres agressivas não podem ganhar no trabalho (e como lidar com isso?) com um exemplo recorrente. Estamos numa reunião executiva. O homem à nossa esquerda levanta-se para expor o seu ponto de vista, de forma efusiva e um pouco agressiva. Comentários do outro lado da mesa: "Ele é tão focado no seu trabalho." Depois, é a nossa vez de falar. Levantamo-nos e, de forma igualmente efusiva e determinada, explicamos o nosso contra argumento, porque por acaso não concordamos com a perspetiva do nosso colega. "Não precisa de ficar tão emocional", dizem-nos. Quantas vezes ouvimos algo do género em resposta – mesmo que num sussurro? Para Cláudia de Castro Caldeirinha, professora de cursos de liderança e ativista pelos direitos das mulheres, esta é uma realidade que tem de mudar já. "Se fores uma mulher simpática, generosa, empática, as pessoas vão gostar de ti nas reuniões e na tua equipa, mas não te vão considerar séria o suficiente, nem profissional, nem competitiva, não te vão dar o top job. Se, por outro lado, fores agressiva, se não tiveres filhos e se fizeres da tua carreira a tua missão principal vão dizer ‘oh, she’s a bossy bitch’. Há estudos da Oxford University que mostram que, para exatamente o mesmo tipo de comportamento, a reação das pessoas (independentemente do género) leva a que as mulheres sejam muito mais duramente julgadas do que os homens, por qualquer tipo de comportamento."

Por isso, não falamos contra os homens. Estamos a falar de pessoas, colegas de trabalho que não concebem que exista uma líder com voz e atitude que diz o que pensa sem medo, sem acharem que está a fazê-lo para colocar outros abaixo, ou fazer abuso de poder. Um dos últimos artigos da escritora Olga Khazan, Why Do Women Bully Each Other at Work?/Porque é que as mulheres fazem bullying a outras no trabalho?, voltou a levantar a questão. O estereótipo da chefe bossy pode, para alguns, confundir um ato de despeito com o que é apenas feedback construtivo e uma opinião honesta. Neste artigo, Khazan examina as relações entre mulheres nos seus locais de trabalho e explica que o rótulo de autoritária tantas vezes associado, de forma justa ou não, a chefes femininas consideradas "demasiado agressivas", deriva de interpretações de comportamento erradas. No mesmo artigo, uma advogada entrevistada pela escritora descreve a chefe como passivo-agressiva mas no momento seguinte recorda um episódio em que a mesma lhe diz "sê mais confiante".

A advogada usou o exemplo para descrever uma relação complicada, mas será que o que é visto como uma crítica por uma mulher não poderá ser também a tentativa de liderança da outra? "Uma das pistas a nível individual que se verifica que funciona é a técnica do tough fist with a velvet glove, ou seja, a assertividade não verbal. Tudo o que seja tom de voz, postura física… Por exemplo, ser assertiva sem ser agressiva, ser clara sem ser fisicamente dominadora são indicações que ajudam a desenvolver o tema. Para mim, é fundamental o lema women helping women, mas que não seja só blá, blá, seja realmente a sério. Apesar de existirem homens feministas, só nós é que sabemos o que é uma discriminação subtil, uma discriminação da qual quase não nos apercebemos. Há uma técnica de que gosto muito e ensino-a sempre às minhas mulheres líderes - reproduzir a técnica da amplificação, tornada pública pela equipa do Obama. Por exemplo, numa reunião eu digo alguma coisa em relação ao tema, e ninguém liga. De seguida é a vez de um homem falar, repete a minha ideia, e todos os outros homens dizem: fantástico, que brilhante ideia. Nestes casos, aconselhamos as mulheres que trabalham juntas a unirem-se e a amplificarem as vozes umas das outras", explica Cláudia Caldeirinha.

Sara Falcão Casaca, professora do ISEG e especialista em temas de Género, Trabalho, Economia e Organizações, conversou com a Máxima sobre os principais desafios que as mulheres enfrentam no emprego e como contorná-los enquanto sociedade.

Porque é que as mulheres decididas e assertivas continuam a ser vista como inimigas no trabalho?

É uma situação que só demonstra o peso dos estereótipos de género e  como limitam e enviesam as nossas perceções, representações, expectativas e práticas sociais. A pressão é sempre maior para as mulheres, estão mais visíveis e mais expostas ao escrutínio dos pares, sobretudo quando ocupam lugares onde são ainda minoritárias, lugares de poder tradicionalmente ocupados por homens. O escrutínio social é intenso – como se vestem, a imagem, a forma como falam e se expressam. E, frequentemente, a leitura dominante é a de que nunca têm o estilo de gestão de liderança/gestão certo. O fenómeno está identificado na literatura: "The double bind." Quando o estilo se aproxima dos atributos socialmente associados às mulheres, ao estereótipo dominante sobre a feminilidade, são tidas como demasiado "soft", emocionais, pouco focadas no tema em discussão ou nos objetivos estratégicos. Por outro lado, se o seu comportamento se aproxima dos traços socialmente associados aos homens (e ao estereótipo dominante em torno da masculinidade), são apelidadas do pior que se pode imaginar... "É impossível trabalhar-se com elas, são agressivas, mais implacáveis e duras que os homens."Este fenómeno, esta confusão identitária, aliás, é uma barreira à expressão genuína e individual de cada mulher. É difícil ser-se avaliada exatamente por aquilo que se é. É como se nunca se tivesse o estilo certo no momento certo.

O estereótipo da chefe bossy pode, para alguns, confundir um ato de despeito com o que é apenas feedback construtivo e uma opinião honesta. Isto passa-se também entre mulheres e a competição pode mesmo tornar-se assustadora. Porque é que não nos apoiamos mais umas às outras?

Muitas mulheres, sobretudo em contextos em que estão sub-representadas nos lugares de poder e em contextos adversos à mobilidade ascendente, tendem a ter esse comportamento. Resulta muitas vezes de uma estratégia individual de assegurar a aceitação pelo grupo dominante. Tendem a assumir uma posição de conformidade com a norma, com a cultura de masculinidade profundamente impregnada nesses circuitos. Na literatura, designa-se de síndrome da abelha rainha.

Como é que podemos educar a sociedade para respeitar mais as mulheres, neste contexto laboral?

O mais precocemente possível. Uma educação para a igualdade entre mulheres e homens. Se não é possível assegurar que assim é no berço, no contexto das famílias, que esteja claramente presente logo na educação pré-escolar. Uma educação assim torna-nos mais socialmente responsáveis em todos os domínios da vida social em que depois participamos como jovens, adultos e adultas.

O que é que precisa de mudar já no que respeita à igualdade de género, no espaço de trabalho e não só?

Essa questão daria para um debate de muitos dias. Fico-me por um dos ângulos da resposta. Importa integrar de forma firme, coerente, articulada, o princípio da igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios de política e de intervenção. Tem de ser um projeto político, não só do Estado mas de todos os agentes – económicos, políticos… de todos e todas. No fundo, um projeto de vida, um ideal de sociedade transposto para as nossas práticas sociais, que nos deve mobilizar enquanto coletivo, que deve ser desejado por cada indivíduo, por todos os homens e mulheres, refletido em todas as relações que estabelecemos, em todos dos domínios, desde as relações íntimas às profissionais.

Em Elementos Secretos (2016) a atriz Taraji P. Henson dá vida a Katherine Johnson, física e cientista espacial. Nesta cena do filme (que retrata a corrida ao espaço nos anos 60) é levada por um homem até uma reunião técnica e, pela primeira vez, observa e fala de forma rigorosa, assertiva e tão justa como a dos demais.
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No filme Diabo Veste Prada (2006) a personagem de Anne Hathaway, Andy Sachs, era a fiel e esforçada assistente de Miranda Priestly (Meryl Streep) diretora, no filme, da revista Runway, e conhecida pela personalidade implacável e exigente com todos à sua volta.
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Em O Estagiário (2015) Anne Hathaway dá vida Jules Ostin, a chefe de um site de moda, por si fundado e dirigido.
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