Mary Quant (1930-2023). A criadora autodidata que libertou as pernas das mulheres
Não tinha formação em Moda mas soube ler os sinais de uma sociedade que reivindicava mais liberdade de movimentos para as mulheres. Das minissaias aos hotpants, passando pelas meias coloridas, Mary Quant deixa um legado libertário na História da Moda.

Passou pela História da Moda como a inventora da minissaia, embora não se saiba ao certo se esse pioneirismo, que ela nunca reclamou, aliás, se deve a ela ou ao francês André Courrèges. Mas o que ninguém pode tirar a Mary Quant, que hoje - 13 de abril - nos deixa aos 93 anos, é o impulso decisivo que deu à liberdade das suas contemporâneas, que de pernas à mostra conquistaram as cidades de meio mundo com energia e irreverência: aquilo a que a "bíblia" da aristocracia britânica, a revista Tatler, chamou "uma onda de rebelião, vigor e energia jovem". Em plena década de 1960, Mary Quant foi, com os Beatles, um dos maiores símbolos da swinging London, retratada no filme de Julien Temple, Absolute Beginners.
Nascida nessa mesma Londres a 11 de fevereiro de 1930, filha de dois professores galeses, estudou para ser professora de artes na Universidade de Londres. Ali conheceu o que viria a ser o seu marido, sócio e cúmplice de muitas aventuras, Alexander Plunket Greene. Em 1955, ainda namorados (casariam em 1957), os dois começaram a frequentar Markham House em King's Road, no bairro londrino de Chelsea, onde se reunia o então chamado 'Chelsea Set' – um grupo de jovens interessados em vanguardas artísticas e em novos modos de viver e de vestir. Para corresponder a estes novos anseios, o casal, juntamente com o advogado e fotógrafo Archie McNair, abriu um restaurante (Alexander's) no piso térreo do edifício e uma boutique chamada Bazaar.

Sem qualquer formação académica em Moda, Mary Quant desenhou uns pijamas coloridos para a abertura da loja. O sucesso foi tal que os modelos apareceriam reproduzidos na revista Harper's Bazaar e seriam copiados por uma fábrica norte-americana atenta a novas tendências. Encorajada por estes sinais, a jovem começou a trabalhar em novos modelos, ao mesmo tempo que frequentava aulas noturnas de corte e costura que lhe permitiam preencher as lacunas de formação. A procura seria tal que, em breve, estaria a trabalhar sem parar, enquanto Alexander tratava do marketing com idêntico sucesso.

A imagem de marca surgiria logo no princípio da década de 1960 e muito daria que falar na Inglaterra e no mundo: As saias de 30 cm de comprimento coordenadas com camisetas justas e botas altas. Em breve, modelos britânicas como Twiggy ou Jean Shrimpton tornar-se-iam os rostos destes novos modos de vestir, tão revolucionários como tinham sido os modelos criados por Coco Chanel, na década de 1920. A Londres pop, fervilhante de energia jovem, começava a disputar à mais clássica Paris o título de capital mundial da Moda e, em poucos anos, Mary Quant abriria 150 filiais em Inglaterra, 320 nos Estados Unidos e estaria presente em milhares de pontos de venda um pouco por todo o mundo.

Não se pense, todavia, que a criadora descansou à sombra de tanta fama e dinheiro. A partir de 1970 começou a diversificar o negócio, lançou lingerie, perfumes, meias estampadas, botas altas, vestidos curtos, malas e carteiras coloridas, cintos, os famosos (e muito polémicos) hotpants, tops, impermeáveis em todas as cores vibrantes, óculos e gravatas. Não contente com isso, lançaria, em 1968, a maxi-saia, que, ao contrário da sua antecessora, taparia os tornozelos das raparigas e faria as delícias das hippies. Também na maquilhagem Mary Quant deu cartas, ao lançar o eyeliner prateado e o verniz de unhas azul. Mary chegou mesmo a criar uma pequena boneca, que a autora deste texto ainda teve, a pequena Daisy, cujo guarda-roupa era totalmente concebido pela estilista. Lançada no Reino Unido em 1973, era publicitada como a boneca mais bem vestida do mundo e foi fabricada em Hong Kong até 1983, quando se tornou evidente que, no mesmo setor de mercado, era impossível bater a Barbie.
Senhora de uma imaginação sem limites, Mary Quant trabalhava com materiais económicos e coloridos e não temia as críticas da Igreja de Inglaterra ou as acusações de vulgaridade que lhe eram endereçadas pelos seus colegas de ofício (incluindo Coco Chanel, que tão criticada fora nos seus anos de afirmação). A seu favor, jogava a preferência evidenciada por figuras públicas, imitadas por milhares de raparigas em todo o mundo: Brigitte Bardot, Pattie Boyd, Nancy Sinatra ou Marianne Faithfull. Até a circunspecta família real reconheceria o mérito à ousada criadora, já que, em 1966, a rainha Isabel II a condecorou com a Ordem do Império britânico.


Em 1994, já com mais de 60 anos, Mary Quant lançou uma coleção de acessórios e de cosméticos. "É para que ninguém me esqueça", disse então à imprensa. Em 1998 desenhou o interior do novo Mini 1000, o seu automóvel favorito e no qual se inspirara para designar a sua saia de formato reduzido.
Em 2019, a importância da obra de Mary Quant foi recordada numa grande exposição retrospetiva no Victoria e Albert Museum, de Londres. Ante a notícia da sua morte, a instituição escreveu na sua conta de Twitter: "Mary Quant representou a alegre liberdade da moda dos anos 1960 e tornou-se um modelo de comportamento para as jovens mulheres."
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