Pontas de Lança

Mariana Fernandes: “Os comentários negativos que recebo têm sempre a ver com o facto de eu ser mulher”

Tem uma memória factual como poucas e sempre gostou de Desporto. Hoje jornalista no Observador e comentadora do programa CNN em Jogo, fala à Máxima de como vê a presença feminina no jornalismo desportivo em Portugal.

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08 de maio de 2023 Rita Lúcio Martins

O gosto de Mariana pelo futebol cresceu com ela. Jogou à bola em miúda, mas quase sempre em contexto informal ou familiar. "Quando percebi que a sorte ou o talento não davam para estar dentro de campo, pensei que o melhor seria falar de quem lá estava". Muito objetiva e certeira, até em causa própria, explica que optou por ser jornalista de desporto, nomeadamente de futebol. Rumou à Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, e seguiu para a redação do Observador, onde chegou em 2017, três meses depois de terminada a licenciatura. "E foi esse o momento que calhou ser o pior na história do Sporting e o melhor no seu percurso: o da invasão da Academia de Alcochete. Foi um período muito complicado e, na altura, a secção de desporto do Observador tinha apenas uma pessoa. Era preciso ajudar. Depois disso veio o Mundial de Futebol e é na sequência dessa fase que acabo por entrar no desporto de uma forma definitiva". Aos 25 anos, já é apontada como uma referência por muitos e muitas que gostam de ler sobre futebol. Além disso, participa nos programas Euromilhões e Nem Tudo o Que Vai à Rede é Bola, da Rádio Observador, e é comentadora no programa CNN em Jogo.

Em 2021 recebeu o Prémio Revelação, atribuído pela Associação dos Jornalistas de Desporto.

No seu momento de arranque, a CNN procurava um rosto mais jovem para integrar o painel do programa CNN Em Jogo. Convidaram-me e comecei a fazer televisão. Duas semanas depois soube da nomeação para este prémio. Surpreendeu-me porque já cá andava há cinco anos, mas foi ótimo, sobretudo porque às vezes temos a sensação de que estamos a escrever para uma bolha ou até para nós próprios, e é bom sentir que há pessoas a ler, atentas.

Foi, portanto, um reconhecimento importante?

Sabe bem, é bom sentir que estamos no bom caminho. Mas nunca tinha pensado muito nisso.

Como recorda a sua chegada à profissão?

Houve um fator que me ajudou muito, o ter sido apadrinhada pela Filomena Martins, que foi uma mentora, quase uma mãe. A pessoa que eu queria ser estava mesmo ali à minha frente. E isso é importante, sentir que temos uma rede. Depois, a redação do Observador é muito jovem. Ter pessoas da minha idade ou pouco mais velhas que eu a trabalhar os mais diversos temas, também ajudou. Creio que, pelo menos no que à comunicação social diz respeito, a diferença entre homens e mulheres já não é muito vincada. E, no caso do desporto televisivo em particular, acredito até que possa haver alguma discriminação positiva, no sentido de pensar que as pessoas que estão em casa a ver televisão e a fazer zapping talvez prestem mais atenção se se depararem com uma mulher. O facto de ainda sermos poucas traz mais visibilidade. O ponto de partida deste argumento é negativo, mas o sítio para onde caminhamos é bom, que é o da normalização. Por outro lado, vivemos na era das redes sociais. Ainda há muito aquela ideia de que somos a miúda a achar que sabe de bola. Esse comentário é muito frequente. Não sei se um jornalista homem com a mesma experiência seria alvo desse tipo de comentário.

Mariana Fernandes. Look: Vestido, Alexander McQueen na Sivali. Brincos Normandia, e anéis, Tameri, Dandara, Mênfis, Avis e York, Juliana Bezerra.
Mariana Fernandes. Look: Vestido, Alexander McQueen na Sivali. Brincos Normandia, e anéis, Tameri, Dandara, Mênfis, Avis e York, Juliana Bezerra. Foto: Ricardo Lamego

E como é a sua relação com as redes sociais?

Tenho um ponto a meu favor: não tenho Twitter, por isso, nesse aspeto, passa-me tudo ao lado. Mas nunca me senti particularmente atacada, creio que há um equilíbrio entre as mensagens positivas e as negativas que vou recebendo, mas os comentários negativos que recebo têm sempre a ver com o facto de eu ser mulher.

Como é que isso pode mudar?

Temos de ser mais, sempre cada vez mais. Aí, não será apenas mais uma "iluminada" ou "alguém que é filha de alguém". Temos de ser mais jornalistas, mais pivots, mais apresentadoras, mais comentadoras. Então, a nossa qualidade vai ser só um facto.

Há diferenças na forma de comunicar ou essa distinção, em função do género, não faz sentido?

Não sei, confesso que nunca pensei muito nisso. Aquilo que me caracteriza é o facto de não pensar o futebol como se fosse uma caixa fechada. Está inserido na sociedade de um país e isso faz diferença. Procuro sempre ver "the big picture" e as muitas coisas que influenciam o jogo. Lembro-me, por exemplo, do jogo recente do Benfica com o Dínamo de Kiev e de pensar na importância que aquele apuramento tinha não só para o clube ucraniano, mas para o próprio país no momento específico que estava a atravessar. Gosto de estar atenta ao que me rodeia. Isso interessa-me mais do que comentar os casos e casinhos. Outro exemplo paradigmático: o apuramento da seleção feminina de futebol para o Mundial. Penso que está a ser muito bem aproveitado do ponto de vista da comunicação global e é assim que tem de ser.

Defende que em Portugal não existe uma verdadeira cultura desportiva...

É curioso porque todas as semanas as pessoas pensam que mudo de clube. Basta uma crítica. A verdade é que, à medida que entrei na profissão, o clubismo foi desaparecendo. Hoje, meio a brincar, costumo dizer que sou do Arsenal. Porque tive de transferir aquela paixão, aquela coisa mais irracional, para algum lado sobre o qual não tenha de escrever ou comentar. No meu caso, posso dizer que a paixão foi desaparecendo. 

Mariana Fernandes
Mariana Fernandes Foto: Ricardo Lamego

O que é que faz para continuar a evoluir?

Vejo muito futebol, leio o que os outros escrevem, mas também livros. Tento perceber de que forma é que o desporto evoluiu. A parte mais técnico-tática também me interessa e ainda é um sonho para mim. Gostava de fazer o curso de treinadora e de contar também com essas credenciais e competências. Saber como reagir ao pior cenário possível.  

Créditos
Fotografia. Ricardo Lamego
Styling: Marina Sousa
Cabelos: Eric Ribeiro
Maquilhagem: Elodie Fiuza
Entrevista em Vídeo e Edição: Rita Silva Avelar e Ana Sofia Pinto
Saiba mais
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