Histórias de Amor Moderno: “Não vai ser fácil ficarmos juntos. Se nem a minha melhor amiga acha correto, quem poderá aceitar?”
“A nossa amizade nunca foi inocente, mas ao início não me passava pela cabeça ter alguma coisa com ele.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Craft beer. Quando a expressão começou a correr mundo e chegou a Lisboa, foi como se uma febre cervejeira tivesse assolado a cidade. De repente, uma epidemia de cervejeiros, cervejistas e demais especialistas em lúpulo, malte e cevada transformou toda uma geração em zombies da fermentação. Pessoalmente, nunca fui admiradora, muito menos expert de cerveja artesanal. Mas dei por mim a trabalhar num bar da especialidade num bairro da cidade onde o trendy se funde com o multicultural, onde os nómadas digitais se cruzam com os migrantes do Médio Oriente e do Norte de África e onde a minha ancestralidade mestiça me torna tão banal que deixei definitivamente de ser "a mulatinha", "a pretinha", "a crioula", e passei a ser o que sempre fui: Ana Maria.
Trabalhar atrás de um balcão num bar de craft beer não faz de ti especialista, mas aos poucos vais aprendendo o básico sobre aquilo que vendes. Com o tempo, vais percebendo a diferença entre uma pilsner e uma lager, vais aprendendo que a tripel é uma potência belga criada por monges ou que a weissbier substitui a cevada pelo trigo. Sobre todas elas aprendi não pelos livros nem com mestres, mas com a experiência, aos poucos, com os meus colegas ou com clientes mais interessados. Aprende-se muito com clientes. Um desses clientes é o Deepak, um indiano de Jaipur, especialista em IPA - Indian Pale Ale. Foi o Deepak quem me contou a história de como os soldados do exército imperial britânico começaram a fazer uma cerveja de elevada concentração de lúpulo e um teor alcoólico apropriado a quem está permanentemente pronto para o combate. "É por isso que a IPA é tão amarga", explicou-me certa vez, quando ele e os amigos conviviam e experimentavam novidades no bar.

Na altura, quando começaram a frequentar o bar, eu nem sabia que eles podiam beber. "Eles." Este "eles" era o sinal da minha ignorância: muito morenos, de barba escura e olhos negros, via-os a todos como iguais, eram todos indianos - e eram, de facto, mas isso significa o quê, ao certo? "Claro que nós bebemos", disse-me e riu-se. "Nós nem sequer somos religiosos", acrescentou, antes de dar uma gargalhada e de detalhar: "O Ishan, por exemplo, vem de Goa, uma família cristã; eu e os outros três temos raízes hindus, mas fomo-nos desligando, já cá estamos há muitos anos."
Um dia, sabendo que não sou fã de cerveja, desafiou-me: "Prova uma IPA comigo. É amarga, vai fazer um contraste perfeito contigo. Tu és doce." Foi tão desajeitado que me fez rir e aceitei mesmo provar. Foi então que nos começámos a aproximar. Falávamos muito, contava-me sobre Jaipur, a sua cidade, que eu nem sabia que existia, achei que ele estava a gozar comigo - "tem mais de três milhões de pessoas, Maria" (chama-me sempre Maria, nunca Ana Maria), disse-me, muito sério, como se me repreendesse. "Um dia levas-me lá?", perguntei-lhe. Riu-se com amargura. "Não quero lá voltar", respondeu, e não explicou porquê. Sei que tem saudades da sua origem, mas fui percebendo que o tema é sensível o suficiente para merecer ser evitado.
Quando nos beijámos pela primeira vez, disse-me "eu sabia que os teus lábios eram doces". E começou a parecer menos desajeitado. Aos poucos, as suas maneiras e as suas palavras desengonçadamente infantis começaram a compor um puzzle bonito que me foi fascinando cada vez mais com as suas camadas, com o seu passado, a sua cultura. A nossa amizade nunca foi inocente, mas ao início não me passava pela cabeça ter alguma coisa com ele. Confesso: fazia-me confusão imaginar-me com o Deepak, com "um indiano", e tinha até algum receio de estar com ele em público. Os preconceitos não afetam só os outros, eu também os tenho. Todos temos preconceitos até a realidade nos atingir em cheio no peito. O inevitável acabou por acontecer, eu e o Deepak envolvemo-nos a sério. Fisicamente. Apaixonadamente.

E agora dou por mim num impasse, num ponto crítico. Contei à minha melhor amiga toda a situação. "Como é que isso é possível, Ana Maria?" Fiquei triste. E fiquei preocupada. Gosto do Deepak, gosto verdadeiramente dele. Mas sinto que não vai ser fácil ficarmos juntos e sermos aceites. Se nem a minha melhor amiga acha correto, quem poderá aceitar? Se eu própria estranhei. De uma maneira ou de outra, sei que vou sofrer. Ou acabamos tudo e fico sem a pessoa de quem gosto, ou insisto e faço desta relação uma batalha que me vai fazer perder muita gente, provavelmente até entre a minha família. E não sei se estou disposta a tanto. Não sei se gosto assim tanto dele. Para já, vamos vivendo um dia de cada vez. Vamos provando cervejas. Aprendi a gostar de India Pale Ale.
* Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

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