Europeu de Futebol Feminino: Uma derrota para a história
O estádio de Wankdorf, em Berna, na Suíça, registou a maior enchente alguma vez vista na fase de grupos de um Europeu feminino, para assistir a um Espanha-Portugal desnivelado em termos de resultado, mas que mostrou ao mundo o poder da paixão e da superação do futebol jogado por mulheres

Portugal entrou em campo, na passada quinta-feira, com o coração apertado, depois de um minuto de silêncio duro, em honra do jogador português Diogo Jota e do irmão André Silva, falecidos horas antes num brutal acidente de viação. Um peso emocional que marcou o início de um confronto desigual, pois logo aos dois minutos, Esther González inaugurou o marcador para a Espanha; aos sete foi Vicky López a ampliar, e pouco antes do intervalo, Alexia Putellas fazia o 3-0, deitando por terra o sonho português de pontuar contra as campeãs do mundo. No segundo tempo o jogo continuou ao ritmo espanhol, com novo golo tardio de González e, já nos descontos, com Cristina Martín-Prieto a concluir de cabeça o 5-0 final.
A superioridade de Espanha foi total, como o comprovam as estatísticas, que confirmam esta seleção como a equipa com mais passes por jogo na última década – tem uma média de 530. Sobre a história do jogo pouco mais haveria a dizer, mas esta crónica não é sobre Espanha, mas sim sobre a odisseia do futebol feminino em Portugal até este momento.
Há apenas uma década, “As Navegadoras”, como hoje são popularmente conhecidas, viviam quase à margem da modalidade; hoje, contam já com três presenças consecutivas em Europeus (2017, 2022, 2025) e uma inédita participação no Mundial de 2023. E, apesar de ainda nunca terem conseguido ultrapassar a fase de grupos, mantêm uma sólida e ascendente evolução, que poderá ser surpreendente para alguns, mas não para quem assistiu ao jogo de Berna, apesar da copiosa derrota e dos erros, normais em qualquer processo de crescimento desportivo.

A recente qualificação para o Europeu exprime aliás esse percurso, com um domínio no grupo da Liga das Nações e uma fase de apuramento com vitórias frente ao Azerbaijão e à Chéquia a consolidarem um grupo com cada vez mais ambição e, pormenor importante, uma enorme auto-estima e espírito de entreajuda, como mais uma vez ficou bem patente no jogo frente a Espanha.
O crescimento no apoio popular também tem sido notável, com os 40.189 adeptos que assistiram à partida de qualificação com a Chéquia, a 29 de novembro de 2024, no estádio do Dragão, a baterem o recorde de público para um jogo de futebol feminino em Portugal. E agora, em Berna, um novo marco, com um estádio lotado por 29.520 pessoas, que representam a maior audiência de sempre num jogo da fase de grupos de um campeonato da Europa de futebol feminino.
O facto de Espanha ser a equipa campeã do mundo muito terá contribuído para isso, mas também é verdade que quase metade eram portugueses. E mesmo quando já se perdia por quatro a zero, a claque nacional sempre se continuou a fazer ouvir, merecendo, no final, o aplauso de todo o estádio e um agradecimento muito especial das jogadoras da seleção – são também cenários como este que ajudam a levantar a fasquia da ambição federativa, mas também dos patrocinadores.
Se os resultados desportivos ainda não acompanham a evolução, o caminho é cada vez mais claro, até porque é sabido que no desporto cada derrota traz lições. A geração que viu Portugal no Mundial e na Liga das Nações começou com o futebol feminino como um ramo quase invisível do denominado desporto-rei. E, hoje, tornou-o numa causa nacional, como se pode testemunhar em Berna, perante a todo-poderosa Espanha.
A derrota com Espanha foi dura e, em futebol, 5-0 nunca deixa margem para grandes interpretações, mas que sirva para colocar o foco num nível competitivo ainda com muito por escalar para ser atingido. Tudo isso, porém, é passado. Nos próximos dias seguem-se já os encontros com Itália (esta segunda-feira, 7 de julho) e Bélgica, reavivando-se também o sonho de se chegar finalmente aos quartos-de-final, marco ainda não alcançado pela seleção em Europeus.
Francisco Neto, o treinador à frente da equipa desde 2014, tem ouvido elogios pelo percurso sem pressas, mas de passos firmes. O registo de público desta terça-feira comprova que o trabalho tem dado frutos que já vão vai muito além do relvado. Esta seleção conquistou o país nas bancadas e nas ruas, provando que a igualdade, tal como os bons resultados em campo, pode ser muito mais do que um sonho.

Afinal, uma competição como um campeonato da Europa não se resume apenas às vitórias ou às derrotas. É também um espelho da equipa, do trabalho desenvolvido e até do país que se representa. Revela a distância percorrida, as lacunas ainda por cobrir, mas acima de tudo serve para consolidar o lugar que o futebol feminino português já ocupa – dentro e fora do relvado. E, em Berna, mostrou que está vivo, com gente a acompanhá-lo e uma equipa com vontade de fazer o que, até há pouco tempo, parecia impossível.
A seleção até pode ter saído do campo derrotada e com zero no marcador, mas ficou mais rica na sua história. O Euro 2025 começou em Berna, mas a jornada continua em Genebra, frente a Itália, esta segunda-feira, e em Sion, contra a Bélgica, na próxima quinta-feira, 11 de julho, onde o futebol feminino português terá mais palco e tempo para brilhar.
No final do embate com Espanha, que não seja a derrota a ficar para memória, mas sim tudo o que já foi conquistado desde que o futebol feminino decidiu existir desta forma: forte, persistente e capaz de olhar de frente para qualquer adversário, até para a equipa campeã do mundo.

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