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Diálogos da vagina

“Não tremer a dizer as palavras vulva e vagina. É como dizer pé e perna”. Este é apenas um dos mais imediatos (e poderosos) conselhos deixados por Lisa Vicente, a autora de O Atlas da V, livro que nos convida a uma viagem detalhada pelo corpo feminino.

Foto: Pexels
23 de outubro de 2019 às 07:00 Rita Lúcio Martins

Não há segredos inconfessáveis, procedimentos milagrosos ou fórmulas mágicas transversais a todas as mulheres, de todas as idades, nas diferentes fases da vida. O passo essencial, explica Lisa Vicente, "é, sem dúvida, conhecer as estruturas, as suas características e funções". Ou seja, conhecer o corpo feminino. Livrarmo-nos de preconceitos ou estigmas e procurarmos a informação mais certeira. E é nisso que a autora dá uma ajuda: licenciada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa e Especialista Graduada em Ginecologia – Obstetrícia com uma pós-graduação em Medicina Sexual, empregou toda a sua formação e experiência num livro que esclarece dúvidas de uma forma clara, deitando por terra quaisquer sombras de dúvida e eventuais preconceitos. O Atlas da V - Um guia claro, directo e ilustrado do mundo feminino e não só (Arena) é um daqueles manuais para ler de uma assentada ou consultar a vida inteira.

Logo na introdução explica que este é um livro para todas as pessoas, de todas as idades. Que espaço veio então este livro ocupar?

Este livro faz parte de um projeto, que mantenho desde alguns anos, de dar a conhecer a vulva e a sua diversidade. Ao ser desafiada para escrever o livro achei que me devia centrar em pessoas com vulva e vagina: as suas dúvidas e a suas vivências. Por isso, o livro aborda também as questões de género, a resposta sexual, questões práticas em diferentes momentos na vida, a Mutilação Genital Feminina e o vaginismo. Ou seja, passou de um Projeto para uma Causa: criar um livro que possa ser lido por todas e por todos, que podem assim contribuir para gerar a mudança, de tirar vulva e vagina dos temas difíceis de abordar.

Ainda há um grande desconhecimento das mulheres em relação ao seu próprio corpo? Isso deve-se essencialmente a quê?

Existem várias razões que contribuem para isso, mas para a vulva e vagina, diria que é muito relevante a sua invisibilidade. Pela sua localização, são órgãos que não se veem, mesmo entre pessoas que circulam despidas em balneários, por exemplo. Já no caso das pessoas com pénis, isso não acontece. Nas casas de banho e nos balneários veem e sabem que existem pénis muito diferentes. Há mulheres que nascem e morrem sem ver outra vulva, para além da sua. Às vezes, nem a sua chegam a ver.

Ainda prevalece a ideia de que há algo (anatomicamente) de errado? Eventualmente por desconhecimento ou comparação com modelos perfeitos?

Exactamente. Como não se conhecem vulvas e vaginas reais e as imagens acessíveis são todas muito iguais - dos livros de biologia ou da pornografia (com muito Photoshop)- cada pessoa quando se compara com estas imagens, tem dúvida se "é normal" ou se "é diferente". E esta dúvida gera muitas vezes ansiedade, que se não for esclarecida, pode implicar com a forma de se relacionar com o seu próprio corpo ou até na vida de relação.

Este é então o livro que responde às perguntas que muitas mulheres ainda não conseguem fazer em voz alta?

Este livro tem muitas perguntas que me foram colocadas ao longo do tempo. Por isso, já há quem consiga colocar estas questões em voz alta. Estão no livro, para esclarecer outras pessoas que ainda nunca tiveram a oportunidade de o fazer e que se podem rever em muitas delas. O livro apoia também de outra forma: com ilustrações onde cada pessoa se pode reconhecer na diversidade de vulvas. Mesmo sem fazer a pergunta em voz alta.

Quais são as dúvidas e inquietações mais frequentes?

A inquietação mais frequente é sobre "normalidade": "Será que sou normal?". Isto é verdade para as dúvidas sobre anatomia, mas também surgem inquietações sobre como se vive a sexualidade e a resposta sexual. Entre as dúvidas (já não falando das questões anatómicas), salientava: «Ponto G»; vagina e fluidos vaginais; "o que é normal acontecer na resposta sexual?". O que é sexo, género e orientação sexual? O que é o vaginismo?

E os erros mais comuns?

Imaginar que as vulvas são todas iguais; não conseguir usar tampões porque se desconhece a forma da vagina. «Ejaculação feminina» em vez de Squirting. Achar que género é a palavra mais "moderna" para dizer sexo. Pensar que "Desejo-Excitação-Orgasmo", são o guião único da resposta sexual. Desconhecer que o clítoris é muito maior que a simples porção visível (facto que está cientificamente demostrado desde seculo XIX).

O livro parte de uma distinção fundamental e tantas vezes ignorada entre vulva e vagina. Pode – de forma rápida e simples – fazer essa distinção?

A vulva é o órgão genital externo, composto pelos grandes lábios, pequenos lábios e clítoris e orifício externo da vagina. A vagina é um canal que se estende entre a vulva e o útero. No livro as inúmeras ilustrações ajudam a distinguir e relacionar as várias estruturas.

Diálogos da vagina
Diálogos da vagina Foto:

Estar na posse de todas estas informações é essencial para ter uma vida sexual plena?

Sem dúvida que são importantes e que contribuem para viver melhor consigo própri@ e em relação. 

De que forma podem as mães ajudar as suas filhas para que cresçam esclarecidas em relação ao seu corpo e sem preconceitos? 

Posso desafiar o conceito? Como podem mães e pais ajudar filhas e filhos, seria uma melhor questão porque a formação cabe aos progenitores de igual forma. Ideias: favorecer o conhecimento correto ou o acesso a informação fidedigna; não temer que mais informação possa ser prejudicial para as escolhas que se fazem. Estimular a autoconfiança e aceitar a diversidade. Pessoas com mais informação, fazem escolhas mais seguras. E constroem um futuro mais equitativo e inclusivo.

O envelhecimento é algo de muito concreto no corpo feminino. De que forma é que ele se manifesta nesta zona em particular?

O envelhecimento do corpo é um algo real, independentemente do sexo ou género. Não é só do corpo feminino. Mas, para quem está em menopausa, a diminuição dos estrogénios circulantes, provoca atrofia da mucosa vulva, vagina e peri-uretral (que se toram mais finas e menos resistentes) o que resulta em vários sintomas. Que podem ser tratados ou melhorados. A forma de o fazer deve ser sempre individualizada.

Nos últimos anos tem-se falado de rejuvenescimento vaginal. De que se trata e qual a sua opinião sobre estas técnicas?

Existem, sob esta designação, muitas técnicas e procedimentos diferentes. Para vulva e para vagina. Alguns com demonstração científica outros não.

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