Débora Falabella em Lisboa: “Depois de fazer ‘Aruanas’, a gente não consegue sair disso ileso”
A atriz esteve em Portugal para o lançamento da nova série brasileira da Globo, disponível pela primeira vez em streaming em mais de 150 países. ‘Aruanas’ é um alerta sobre a Amazónia e a crise ambiental no mundo.

Três amigas fundam uma organização não-governamental ambiental chamada Aruana e começam a investigar as atividades de uma mineradora que atua na floresta Amazónica, onde estranhos factos estão a ocorrer. Há pessoas que adoecem de forma misteriosa, pedidos de socorro anónimos, assassinatos e ameaças aos povos indígenas. Esta é a história inicial de Aruanas, a nova série brasileira de ficção policial inspirada em factos reais. A nova produção da Globo em parceria com a Maria Farinha Filmes consegue ir além do suspense e da ação ao ressaltar o debate sobre a preservação ambiental e mostrar a importância dos ativistas e defensores do ambiente, que arriscam as suas vidas em prol da justiça, igualdade e de um mundo mais sustentável para a sociedade atual e, principalmente, para as gerações futuras.
Muito bem escrita pelos brasileiros Marcos Nisti e Estela Renner – que também é a realizadora –, com a colaboração de Pedro de Barros, Aruanas consegue falar sobre questões ecológicas sem ser "ecochata", justamente pelo brilhante argumento (e viciante banda sonora). A história envolvente mostra a humanidade das ativistas, que desvendam uma perigosa teia de crimes ambientais a envolver garimpos ilegais e uma conhecida mineradora nacional, e são ao mesmo tempo mulheres que precisam de lidar com os seus próprios dramas pessoais. Aruanas alia a inspiração em factos reais e sérios com ficção, como muito bem fez a HBO com Chernobyl (2019). O resultado é entretenimento que desperta a vontade de fazer a diferença e lutar por uma causa.
A série conta com um elenco de peso, com Débora Falabella no papel da jornalista Natalie, Leandra Leal como a ativista Luiza, Taís Araújo como a advogada Verônica e Thainá Duarte como a ativista novata Clara. "Para mim, a gente poder levar para fora um tema que é importantíssimo para o Brasil e fazer com que este se torne um assunto mundial, é de uma força enorme", disse Débora Falabella durante o lançamento mundial da série, no Cinema NOS Amoreiras, em Lisboa. "É uma série que, além de ter uma responsabilidade social e falar de um assunto muito importante para nós, ela é uma obra dramatúrgica muito potente e muito bem escrita", elogiu a atriz.

"Esta série, para mim, reúne quatro ‘dades’: a primeira é qualidade, a segunda é atualidade, a série trata de combates e denúncias ambientais na Amazónia, verdade é o terceiro, apesar de ser uma obra para televisão, aborda muita coisa que acontece de facto, e o quarto é novidade, pela forma que está sendo distribuída no mundo inteiro. É a primeira série nossa que estreia simultaneamente em 150 países num formato de streaming", disse em tom de orgulho Ricardo Pereira, diretor da Globo em Portugal, e pontuou: "A Maria Farinha e nós da Globo elegemos três cidades no mundo para fazer esse tipo de evento: Londres, Nova Iorque e Lisboa. Eu acho que isso demonstra a importância que a gente dá ao mercado de língua portuguesa e a importância que Lisboa hoje tem como caixa de ressonância no mundo para esse tipo de assunto", ressaltou Ricardo.
São 10 episódios com legendas em 11 idiomas (inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, holandês, russo, árabe, hindi, turco e coreano), disponíveis em aruanas.tv, onde pode ser comprada por $15.87 (cerca de €14). É possível ainda escolher o quanto quer pagar para assistir a série (até um máximo de $475.89, quase €428), já que até outubro, 50% das vendas serão doadas para projetos de preservação da floresta amazónica. "A gente optou por isso, porque a gente acha que esse tema não seria justo ser exclusivo para ser discutido só por assinantes da plataforma A, B ou C", contou à Máxima o argumentista Marcos Nisti. Facto é que a distribuição chama atenção para o problema, para a força da temática e as suas possíveis soluções.
Da tela para vida
"Eu tinha uma preocupação ambiental normal, não era uma causa minha, mas depois de fazer Aruanas, a gente não consegue sair disso ileso. Isso vira algo com que a gente se preocupa, ainda mais quando você se aprofunda e conhece muito mais sobre o assunto. Estar na Amazónia, conviver com aquelas pessoas, ver de perto a potência daquela floresta, estar em contacto o tempo inteiro com esse texto que fala sobre esses assuntos, acho que foi algo que já modificou a minha vida como pessoa, como cidadã e como artista também", declarou Falabella, e partilhou: "A gente se sente um nada no meio daquela imensidão. A gente vê que é um grãozinho de areia, um ser muito minúsculo perto daquela floresta."
A atriz reiterou que acredita que pode haver exploração sim, mas de uma maneira sustentável. "O desmatamento afeta todos nós, o mundo inteiro. E muitos cidadãos não têm essa consciência. E eu espero que essa série, através da dramaturgia e das personagens, consiga tocar essas pessoas, chamá-las também para ação, que é de todos nós. Apesar de estarmos vivendo num momento muito polarizado no Brasil, esse assunto é um assunto de interesse geral", alertou Débora, mencionando de maneira elegante a política brasileira sem citar nomes.
Vale a pena lembrar a atitude do presidente do Brasil Jair Bolsonaro na sexta-feira passada, que acusou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, um órgão público daquele país, de mentir sobre a escala de desflorestação na floresta amazónica. "A preservação deveria ser feita por unanimidade. Isso é algo que cabe a todos nós, não importa partido, não importa convicção política. Isso é algo que nós vamos deixar para os próximos, para os outros. É um ato de amor proteger o que é nosso e as nossas riquezas e passar a vida adiante para os que virão, para os seus bisnetos, tataranetos…", reforçou Débora.
Para se preparar para a série, Débora e as suas colegas de elenco vestiram mesmo a camisola dos defensores do ambiente. "A Alana, que é a ONG que nos apoiou, ensinou-nos muito sobre o ativismo, sobre o que é ser um ativista. A gente fez também um treinamento no Greenpeace, treinamento mesmo de ação, que todos os voluntários que entram para o Greenpeace fazem. Por fazer uma jornalista, eu me envolvi com jornalistas ambientais e tive essa troca também. E esse processo de ir para a Amazónia filmar foi algo que também nos modificou até o final da série."

O papel das mulheres é central na história, que junta as quatro protagonistas já mencionadas e até a vilã Olga, uma profissional de lobbying protagonizada por Camila Pitanga. Além do elenco e da realização, 47% da equipa de produção foi composta por mulheres. "Era uma equipa muito dividida. Isso era lindo, porque desde que eu trabalho no audiovisual, no cinema, eu estava muito mais acostumada a ver homens nessas funções. E quando a gente vê mulheres também contando as histórias a gente se sente muito representada. E a história é contada por todos nós. Uma série não é só contada pelos atores e pelo realizador. É de cada pessoa que faz uma coisa ali, então eu acredito que, como atriz, eu me sinto muito à vontade de estar num set que tem muitas mulheres, onde a realizadora também é uma mulher, onde eu tenho companheiras atrizes mulheres, onde as protagonistas da série estão também falando sobre as suas vidas pessoais, sobre os seus trabalhos, não só sobre os seus relacionamentos amorosos", partilhou a sorrir Débora.
Em Aruanas, não se fala apenas do assunto, faz-se. A ideia de sustentabilidade extrapolou a história e permeou toda a produção da série, a começar pela coprodutora, a Maria Farinha Filmes, que é primeira produtora audiovisual brasileira certificada pelo Sistema B. (uma autenticação dada a empresas que usam o seu poder para solucionar questões socioambientais). A produção também estabeleceu algumas metas a fim de diminuir a emissão de carbono, portanto cada área possuía as suas diretrizes. As peças de roupas (90% do figurino foi reutilizado) foram reaproveitadas em grande parte do guarda-roupa da Globo e as demais foram adquiridas em segunda mão, gerando uma menor produção de resíduos. O elenco, que contou com 131 participações e dois mil figurantes, aproveitou 33,8% dos atores que moravam na região da Amazónia, evitando viagens desnecessárias. Para conseguir alcançar a meta, foi feito um plano de medição da emissão de carbono da produção – que foi gigante, por sinal, a incluir 42 barcos, mais de 100 carros – no final conseguiram cumprir.
"A gente está fazendo uma série com a intenção principal de proteger ativistas. E o Brasil é o país que mais mata ativistas no mundo por três anos consecutivos [só em 2017, foram 57 mortos, 80% deles de defensores da Natureza. Os casos mais mediáticos foram os da Irmã Dorothy Stang, Terezinha Rios Pedrosa, Chico Mendes e Edmilson Pereira dos Santos]. Então o que a gente fazia? Todo dia para filmar, você recebe uma ordem de serviço um dia antes, com a cena que vai ser filmada, que horas vai começar, que horas vai acabar, que horas é o almoço e etc. E todo dia a nossa ordem de serviço era apresentada com uma foto de um ativista que morreu e uma minibio. Então todo o dia você filmava para alguém. Em contacto com aquela realidade, você relembrava do carbono zero, do copo plástico que não tinha, de outras coisas e sentia que você estava dentro de um projeto maior. E esse projeto maior virou isso que vocês vão ver", contou-nos orgulhoso o argumentista Marcos Nisti. "Através das séries, nós começamos a entender como funcionava uma emergência hospitalar ou uma nave de ficção científica. Acreditámos que tem muita gente no planeta que estava tentado salvar os nossos recursos naturais e que isso merecia ser falado, visto e comentado nas mesas de bar", finalizou Nisti.

O lançamento de Aruanas em Portugal refletiu esta consciência ambiental e contou com a presença de organizações internacionais e referências na área de Meio Ambiente e Direitos Humanos. "Esta série toca em todos os aspetos relacionados com as preocupações ambientais, é impressionante", elogiou Alexandra Carvalho, secretária-geral do Ministério do Ambiente. Nilo D’Ávila, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil também veio à exibição em Portugal. "Nós vivemos tempos estranhos. Ontem madeireiros queimaram uma ponte de uma rodovia federal no Brasil e os fiscais ficaram isolados na cidade durante a fiscalização da exploração ilegal de madeira. No meio dessa busca tem um manto enorme de violência", começou Nilo, lembrando que o tema da série não é apenas ficção. "Anos Dourados [minissérie de Gilberto Braga exibida na TV Globo em 1986] mostrou que o cidadão, o jovem tinha uma função social, de existir, de almejar, tinha voz. Eu espero que Aruanas tenha o mesmo efeito nas futuras gerações e que provoque as pessoas, para que no futuro próximo a gente tenha mais Gretas e menos Trumps", desejou Nilo.
Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal aproveitou o debate após a projeção para falar sobre a educação do assunto para o cidadão e para a sociedade. "Portugal foi palco de incêndios florestais e muito pouco foi florestado e já se passaram dois ou três anos. São muito poucas as medidas e incentivos concretos para inibir o que estamos a consumir. É preciso não desanimar", estimulou.
Débora Falabella aproveitou o momento para pontuar uma similaridade de papéis. "O artista e o ativista se encontram no sentido de querer modificar o mundo, então quando eu consigo juntar o trabalho no audiovisual e falar sobre as coisas que eu acredito e, ao mesmo tempo, exercer a minha profissão é maravilhoso", confessou a atriz que ainda fica impressionada ao atravessar o oceano e ser reconhecida pelo público em Portugal. "Eu tenho um grupo de teatro há 13 anos e eu nunca vim para Portugal e, no ano que vem, a gente pretende vir com uma das peças ou com duas e fazer uma pequena tournée. Sou louca para me apresentar aqui no teatro e acho que pode ser bem bonito", adiantou a atriz que confessou ser apaixonada por queijo da Serra da Estrela: "Aquilo acaba comigo. Como de colher", riu-se.
Sob a direção artística de Carlos Manga Jr., a série contou com a parceria técnica do Greenpeace e conta o apoio de algumas das maiores e mais importantes organizações sociais de direitos humanos e ambientais do mundo, como Amnistia Internacional, WWF-Brasil, Global Witness, UN Environment, UN Women, Open Society Foundations, Instituto Betty & Jacob Lafer, Rainforest Foundation, 350.org, Instituto Socioambiental, Instituto Alan, IPAM, SOS Mata Atlântica, IMAZON, Conectas, Justiça Global, ISER, Greenfaith e APIB.
