De Marraquexe com amor, a paixão mediterrânica de YSL chega a Évora
Ao chegar a Marraquexe nos anos 60, Yves Saint Laurent deslumbrou-se pela exuberância das cores e a elegância das formas. É do impacto dessa paixão na Moda e nas Artes Plásticas que se ocupa a exposição Love - Marrakech opened my eyes to color, que pode ser vista no Palácio Cadaval.

O espírito do lugar é eloquente, como tantas vezes acontece em Évora. No Palácio Cadaval, reaberto ao público após obras de restauro e requalificação, a exposição Love - Marrakech opened my eyes to color, que ali estará patente até 30 Outubro, chega com a naturalidade do que dialoga sem esforço com o património e com a História, já que esta foi também a morada de dois dos primeiros governadores portugueses da praça marroquina de Tânger, no final do século XV.

Mas se nem todas as memórias desta casa são felizes (algumas são mesmo trágicas como a prisão de Dom Fernando, Duque de Bragança, que daqui saiu para ser decapitado na Praça do Giraldo, em 1483, por ordem de El-Rei Dom João II, que o acusava de alta traição), a verdade é que, coisa rara entre nós, o Palácio, assente - veja-se a coincidência - sobre as ruínas dum velho castelo mouro, se manteve sempre na mesma família - os senhores de Cadaval, duques a partir do reinado de D. João IV.


Hoje são as descendentes desses remotos governadores, as irmãs Diana e Alexandra de Cadaval, acompanhadas pela mãe, a Duquesa viúva Claudine, que asseguram a passagem do testemunho, mas partilhando com a comunidade o legado histórico da família. Para assinalar a reabertura ao público do Palácio, nada melhor do que esta exposição que honra a paixão de Yves Saint Laurent (amigo pessoal de Claudine de Cadaval) por Marrocos e pela sua cultura, trazida a Évora em colaboração com as fundações Jardin Majorelle e Pierre Bergé-Yves Saint Laurent.

Uma exposição cosmopolita que talvez poucos esperassem ver numa cidade do interior do país, esquecendo que aqui funcionou, em pleno Renascimento, uma das primeiras universidades do Reino. Uma exposição que, como não podia deixar de ser, combina Moda e Artes Plásticas, numa explosão de cores e formas bem contemporâneas sobre o fundo clássico da arquitetura portuguesa da transição do período maneirista para o Barroco.


Tudo começou em 1967. Acompanhado pelo que seria o amor da sua vida, Pierre Bergé, YSL chegou a Marraquexe pela primeira vez. Deslumbrado, compra num impulso uma casa na medina, onde doravante passaria longas temporadas. Contaria mais tarde: "Descobrir Marraquexe foi um grande choque. Esta cidade abriu-me os olhos para a cor. Em cada esquina da cidade, deparamo-nos com deslumbrantes grupos de homens e mulheres que aparecem como que em relevo, cafetãs cor-de-rosa, azuis, verdes e violetas fundindo-se uns com os outros. É surpreendente constatar que estes grupos, que parecem desenhados ou pintados são, na realidade, arranjos da vida quotidiana."

O impacto desta descoberta no trabalho de YSL pode ser aqui avaliado através do conjunto de 14 coordenados, provenientes da Fondation Pierre Bergé e YSL ou de coleções particulares, expostos na Igreja de São João Evangelista, a parte mais monumental do Palácio Cadaval. Ali estão as lãs cor de açafrão, as calças saruel, os estampados exuberantes, os cintos de cordão, as capas de capuz ou os tradicionais fez.


Mas o que aqui se dá a ver ultrapassa largamente as fronteiras disciplinares da Moda e do Design. Como escreve a curadora e crítica de arte Mouna Mekouar no catálogo da exposição, o foco incide também sobre "uma exploração dos laços entre o costureiro e Marrocos oferece possibilidades ilimitadas, entre os quais a abertura de uma porta para o panorama artístico contemporâneo do país. Muitos pontos de referência que ecoam a visão criativa de Yves Saint Laurent - particularmente o seu ousado uso da cor e do espaço - podem ser encontrados na obra dos artistas marroquinos contemporâneos apresentados."

São eles: Amina Agueznay, Malika Agueznay, Noureddine Amir, Nassim Azarzar, Meriem Bennani, Yto Barrada, Hicham Berrada, M'barek Bouhchichi, Soufiane Idrisi, Mohamed Melehi. Sara Ouhaddou, Younes Rahmoun e Saladi. Alexandra de Cadaval, por sua vez, apresenta ao público português o trabalho de Nouredinne Amir, o primeiro criador marroquino a apresentar uma coleção de Alta Costura em Paris, cujo trabalho remete para a ligação da Moda com a Escultura ou a instalação, pondo em evidência técnicas ancestrais de tratamento de matérias-primas como a seda, a musselina ou a serapilheira. Na agenda está ainda a realização de vários concertos, como se pode ver no site (LOVE YSL - Marrakech... Open My Eyes to Color (palaciocadaval.com).


A visita ao renovado Palácio de Cadaval não fica completa sem uma passagem, de preferência sem pressa, pelo novo Restaurante Cavalariça, que depois da abertura na Comporta e Lisboa, leva ao Alto Alentejo a cozinha mediterrânica do chef Bruno Caseiro. Como no resto do espaço, também aqui proposta é sublinhar os laços culturais e históricos que, não obstante diversas batalhas e outros episódios sangrentos, unem o Sul de Portugal ao Norte de África.

Isto sem esquecer uma visita atenta a esta joia arquitetónica que muito contribuiu para a classificação do centro histórico de Évora como património da Humanidade pela UNESCO.


Na Igreja de São João Baptista, ao altar da capela-mor da Igreja é em talha dourada, ao estilo maneirista do período de transição da renascença para o barroco, juntam-se as paredes revestidas com azulejos do século XVII, policromados, ao estilo tapete. Está cheia de histórias de aquém e além mar. É saber escutá-las.

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