Crónica. Sabe o que é uma TERF?
"Nas últimas semanas, senão meses, vários cronistas reputados da nossa praça se têm manifestado de forma transfóbica. Fazem ataques violentos, alguns mascarados de humor, à comunidade trans que, como se sabe, é a mais atacada dentro da sigla LGBTQIA+."

Ora bem, eu não sabia até há pouco tempo que existem feministas que odeiam mulheres trans. São as TERF, do inglês «Trans Exclusionary Radical Feminists", ou seja, feministas transfóbicas. Sem perceber muito bem a lógica destas pessoas, se calhar ainda não percebi nem vou perceber, fui investigar. Na prática, as TERF manifestam-se, por exemplo, contra a presença das mulheres trans em espaços anteriormente exclusivos de mulheres cis, como casas de banho públicas e balneários, instituições de acolhimento para vítimas de violência doméstica e prisões para mulheres.
Há uns anos, a escritora J.K. Rowling, autora da série Harry Potter, foi acusada publicamente de ser TERF porque se manifestou na sua conta Twitter contra um texto de opinião publicado na plataforma Devex, cujo título era: «Como criar um mundo pós-COVID-19 mais igualitário para as pessoas que menstruam." J.K. Rowling partilhou o artigo e reforçou o uso da expressão "pessoas que menstruam", mostrando que não entendia porque é que a palavra «mulher» não tinha sido utilizada no título do artigo. A autora britânica, certamente por ignorância, não contemplou que há pessoas que menstruam que não são mulheres. Mas o pior não é isto.


O mais grave nas TERF, sejam homens ou mulheres feministas transfóbicos, é o facto de considerarem que uma mulher trans não é uma «mulher de verdade» e que a sua existência prejudica as conquistas feministas. Segundo a paranóia das TERF, as mulheres trans não merecem ser reconhecidas como mulheres a sério porque não sofrem as mesmas dores das mulheres cis, nomeadamente as dores da menstruação e as do parto. Nas últimas semanas, senão meses, vários cronistas reputados da nossa praça se têm manifestado de forma transfóbica. Fazem ataques violentos, alguns mascarados de humor, à comunidade trans que, como se sabe, é a mais atacada dentro da sigla LGBTQIA+.
Se estes cronistas não sabem, deviam fazer o trabalho de casa, estudar um bocadinho e saber as consequências daquilo que andam a fazer. São pessoas com alcance mediático que poderiam informar, clarificar, ajudar a sociedade a tornar-se mais inclusiva, ou simplesmente não prejudicarem ainda mais a vida e a imagem de quem já se encontra suficientemente fragilizado. Saberem, por exemplo, que o Brasil é o país onde mais pessoas trans são assassinadas e que em Portugal o número é bastante inferior obviamente, mas ainda assim, várias pessoas morreram por serem trans, quando não deveria ter morrido por este motivo uma única pessoa. Cada vez que algum transfóbico se manifesta publicamente, seja TERF ou não, devíamos assinalar o repúdio por quem apoia, mesmo que indirectamente sob o jugo do humor, aqueles que martirizam ou chacinam alguém que está simplesmente a existir no mundo.

*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.

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