
Já sabemos: antes da sociedade, já a Natureza não foi muito generosa com as mulheres. Parece incompreensível para as geradoras da vida, não é? Bem sei que somos mais resistentes num sem número de coisas, fisicamente porque somos os bulldozers da espécie, blindadas para asseguram a continuidade, biologia pura; emocionalmente, porque dividimos este mundo com os homens há milénios, tantos quantos somos secundarizadas. Por isso, já sabemos o que quase todas as casas gastam, mesmo as que parecem modernas.
De entre os vários cabos das tormentas femininos, diria que chegar à meia idade é talvez o mais complexo. Primeiro, porque é como se não existisse, não se fala nele, logo não recebe qualquer generosidade ou complacência, segundo, porque espelha e resume, com enorme evidência, o preconceito de milénios de patriarcado que diz que as mulheres nasceram para agradar e procriar. Pois eu que cá cheguei digo-vos mais: tirando os calores, é um grande rock 'n'roll.

Nem todas temos o envelhecimento que merecemos, é certo, mas uma parte dele ultrapassa a genética, arriscaria. O que a ciência nos diz é que envelhecem primeiro as que apanham mais sol, as que se divertem muito e por isso têm rugas de expressão porque se riem muito, ou têm maus hábitos porque gostam de vinho e cigarros. Soa tudo ao mesmo moralismo de sempre. O que a minha experiência me diz é precisamente o contrário: pessoas felizes e livres e desbocadas são os velhos mais cool e saudáveis do planeta.
O mundo ocidental vive a euforia dos avanços tecnológicos e científicos aplicados à saúde e ao bem-estar, o que é sensacional e um grande negócio que promete esticar-nos a esperança média de vida até à desistência. Mas basta olhar para as miúdas que injetam botox na testa aos 20 anos, e que são as mesmas que comem tudo só com salada, e raramente tocam numa gota de álcool ou dizem o que pensam, para perceber que estão longe de ser as mais felizes. Mesmo que a definição de felicidade seja das mais latas que conhecemos.
A obsessão pela juventude é muito parva, ainda mais num mundo (Ocidental), que não parece parar de envelhecer. Não tarda, são mais os velhos do que os novos, por isso era boa ideia começarmos a mudar de atitude até para nos habituarmos à ideia. Depois, a juventude tem duas coisas que ficamos felizes em deixar cair na meia-idade: questões de auto-estima e vontade de agradar, lá está, e uma arrogância própria dos inexperientes, que até teria piada se fosse mais cândida, mas está cada vez pior com as look at me generations.

Depois, perdoem-me, mas para quem anda nestas lides há tréculos: ninguém bate o carisma das cotas. De Hollywood ou das passerelles, vocês sabem de quem falo e regozijem-se: todas nós ficamos (cada vez) melhores. É verdade: refinamos e sofisticamos, ficamos mais espertas e argutas, e estamo-nos (cada vez) mais nas tintas. Se isso não é a definição da coolness, não sei qual será.
No meu caso, nunca pensei na idade até esta ser uma questão para os outros. Primeiro, para os rapazes, que tendem a preferir, ainda mais quando começam a ficar velhos, raparigas-troféu, mais caladinhas ou com personalidades "adaptativas", que dão um ótimo público. Depois, no mundo do trabalho, o que é ainda mais difícil de compreender, chutam-se os experientes e treinados para fora do barco, principalmente em profissões cobiçadas. Ninguém imagina, num hospital, por exemplo, a administração chamar um estagiário para dirigir uma operação em vez do cirurgião-chefe, não é? Só me candidatei a três trabalhos na vida, e os três foram para jovens rapazes, com idade para ser meus filhos e que nada percebiam da fruta.
Para nós, mulheres que chegamos à meia-idade, até ficamos apardaladas com esta tontaria toda. Encolhemos os ombros, porque passamos a chatear-nos com muito pouca coisa, e depois lembramo-nos que os números da violência doméstica não tendem a cair no Ocidente, nem os véus islâmicos tendem a cair no Oriente. Porque haveríamos de ser valorizadas agora, na nossa maturidade plena e sublime, mas invisível à maioria? Sempre fomos carne para canhão, imagine-se depois do período ir-se embora. Se tivermos a sorte de sermos mães, ficamos assim até morrer, se não, somos umas criaturas estranhas, alvo de mistérios vários.

É ainda mais fora quando me sinto hoje melhor do que alguma vez me senti. Tirando uma ou outra dor nas rótulas quando me estico no yoga, porque passamos a sentir o esqueleto que temos dentro de nós, ou os pequenos desconfortos das alergias, como das ressacas, se ampliarem, em tudo o resto nunca me senti tão gloriosa. Sinto-me mais inteira e mais completa, deve ser a tal plenitude; mais observadora e um pouco mais esperta, a minha ingenuidade natural nunca foi uma vantagem, e com a inteligência mais viva e aguçada e capaz. O conhecimento é o único poder, a partilha o grande prazer - esqueçam, quase tudo o resto desaparece, porque também não é preciso.
São mais os preconceitos com a idade do que as verdades. Uma psicóloga que entrevistei uma vez disse-me que somos ignorantes acerca do envelhecimento, porque nunca fomos velhos. É lindo ver o tempo passar por nós. Se o soubermos aproveitar, gostamos cada vez mais do que vamos aperfeiçoando no nosso carácter, no nosso corpo, e que é profundamente independente do que nos acontece. Quanto melhores quisermos ser, menos nos beliscam os contratempos. Neste tempo tão cansativo e cheio de estímulos e tão virado do avesso nos valores, bem sei que existe um ministério da juventude, mas eu não queria voltar a ter 20 anos nem dados. Bom, só se fosse para mudar umas parvoíces.
Confesso que me chateiam as falhas de memória, nada seletivas, e chateia-me ainda mais ter de sacar dos óculos para tarefas simples do quotidiano, ou já não subir lances grandes de escadas a correr, como sempre gostei, mas o pior são as pequenas desconsiderações. Os desgostos não têm idade, só se tornam mais claros. O Lobo Antunes escreveu que sabemos que somos crescidos quando nos tornamos tristes, mas eu não lhe chamaria tristeza, nem a resignação que se lhe segue, mas uma aceitação melancólica, uma espécie de clareza pacificada. Ao mesmo tempo, a idade traz um certo desprendimento, um desapego, não só pelas coisas, mas pelas pessoas. Passamos a aceitar o que não se consegue mudar, encaixando com serenidade as injustiças que a vida nos prega.

Ganha-se uma displicência saudável, que não é indiferença, é o cool verdadeiro porque não queremos ser nada, só existir, não exige esforço absolutamente nenhum. Já o Alber Elbaz, quando estava na Lanvin, disse não entender a definição de cool quando a malta, (então a da moda, jesus) se esforçava imenso quando cool significa sem esforço, simplesmente. É uma nova capacidade de pairar, de não te deixares contaminar pelo que não interessa e antecipares as parvoíces, que são normalmente fraquezas. We know better.
O que perdes em entusiasmo infantil, ganhas em paz de espírito e sabedoria: hoje sabemos exatamente o que não nos serve. Abandona-se a canseira do desejo e das expectativas, tudo se suaviza e torna ainda mais criterioso. A vida não é nada do que queremos que seja, é um ajuste constante, e aceitamos que seja assim, pronto, não se fala mais nisso. Tantas vezes quisémos as coisas erradas, ou aquelas que alguém disse que eram boas para nós.
Nasci nos anos 70 da revolução, e vivi o corajoso legado das gerações politizadas por uma nova liberdade quando estava tudo por fazer. E agora, o que vão fazer com ela as novas gerações? Resta-nos observar de bancada o espectáculo do mundo. E isso, convenhamos, é um descanso. Continuamos a plantar árvores que não vamos ver crescer, mas não faz mal porque dizem que as rugas da generosidade são as mais bonitas. E alegrem-se: ninguém vai para novo!
