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Crónica Isabel Stilwell. "Chamamos amor àquilo que não é mais do que uma relação de dependência ou de abuso"

Foto: IMDB
11 de fevereiro de 2022 às 13:35 Isabel Stilwell

Hi, hi, gosto tanto de ver pessoas apaixonadas, completamente "apanhadinhas" uma pela outra, de tal maneira que nem reparam que estamos a observá-las. Julgam-se cobertas pelo manto da invisibilidade, como o do Harry Potter, e acreditam mesmo que passam despercebidas. Mas não passam, e ainda bem, porque nos contagiam com aquele sentimento de entrega absoluta, aproximam-nos dos momentos em que, também nós, vemos as estrelas mais próximas. É a sua felicidade simultânea que nos comove. É o cuidado que põem na forma como tratam o outro, como antecipam os seus desejos, é a admiração e o respeito mútuo que nos toca. E o brilho nos olhos, claro.

A paixão transforma-se à medida que os pés regressam à terra, pelo menos umas horas por dia. E ainda bem, porque se não tomarmos conta de nós próprios, se não investirmos (também) na nossa família e nos nossos amigos, no nosso futuro profissional e nas coisas de que gostamos de fazer, ficamos tão vazios que pouco ou nada teremos para dar ao outro. O resultado é que começamos a não gostar muito de nós próprios, e quando deixamos de gostar de nós próprios, deixamos de acreditar que o outro goste de nós. É estúpido, porque provavelmente ele gosta na mesma, mas tornamo-nos rapidamente chatos, pedindo elogios, exigindo repetidas provas de amor. A certa altura, imaginamo-nos com tão pouco valor que se nos mete na cabeça que fazem um favor em amar-nos, e somos tomados de um medo horrível de os perder.

Se calhar, é o que julgamos que nos aconteceu numa relação anterior ou que tenha sido por isso que a nossa mãe ficou sozinha, o nosso pai se foi embora, resumindo, não ficaram juntos como tanto desejávamos. Ou, mesmo ficando, se amaram tão mal ou tão pouco. Ou chamaram amor àquilo que não era mais do que uma relação de dependência ou de abuso. Se calhar, foi assim que nos amaram também, dando-nos ideia de que se não estivéssemos sempre em bicos de pés, se não antecipássemos o humor com que voltariam a casa naquele dia, se não lhes mostrássemos as mensagens no nosso telemóvel, se não lhes estivéssemos sempre a dizer que gostávamos deles, e nos prestássemos a que nos denegrissem, deixariam de nos amar, abandonando-nos à nossa sorte — e quem é que quer ser abandonado à sua sorte? Sobretudo quando é uma criança ou um adolescente e sabe perfeitamente que não tem alternativas à família que lhe calhou em sorte. Além disso, tantas outras vezes nos pediam desculpas e procuravam compensar-nos do mal que nos faziam, levando-nos a acreditar que magoarmo-nos uns aos outros faz parte da equação.

Esperem, é claro que as pessoas que se amam a sério também se zangam, há dias em que até se odeiam, e por muito que gostem de estar juntas, irritam-se com as coisas mais pequeninas e irrelevantes, como aquela mania de ele querer tudo arrumadinho (ou desarrumadinho), de insistir em usar aquela t-shirt de manga à cava que nos envergonha ou de preferir ver um filme a sair à noite (e a lista podia continuar, infindável). Mas as pessoas que se amam a sério não se desprezam, não humilham, não dizem (nem pensam) que não servimos para nada. E se numa relação todos fazemos cedências e procuramos compromissos, já não é legítimo que nos chantageiem a deixar os nossos amigos ou a nossa família porque têm ciúmes (uma doença, e uma doença que se trata!), ou que usem o nosso corpo para os satisfazer ou que nos obriguem a fazer coisas que não queremos.

Não me esqueço de ouvir o psiquiatra Júlio Machado Vaz dizer que se chama amor às coisas mais terríveis. A verdade é que só a palavra amor interessa muito pouco. Mas e se mesmo sabendo que aquilo que nos dão é muito pouco e que nos provoca mais infelicidade do que felicidade, sentirmos que não conseguimos viver sem o pouco que nos dá? Procuramos ajuda. Não para mudar o outro, mas para nos mudarmos a nós mesmos. Tal como fazemos quando queremos perder barriga, correr mais longe, aprender a tocar viola ou a cantar no tom. Pedir ajuda para nos libertarmos de alguém que nos faz mal, para nos reconstruirmos por dentro, para que as feridas se tornem apenas em cicatrizes, mais ténues a cada dia que passa. Para percebermos — e acreditarmos! — que merecemos mais e melhor. Porque merecemos mesmo.

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