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O ogre da meia-idade

Foto: IMDB / 'Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles'
06 de junho de 2024 às 17:33 Máxima

Junho, mês do início do Verão, e por todo o lado há imagens de mulheres meio despidas, de biquíni e fato-de-banho, mulheres jovens, raparigas cuja pele bronzeada e lisa nos leva para memórias da nossa própria adolescência. Mas não são só mulheres jovens, felizmente também temos imagens de mulheres mais velhas, que também eram modelos enquanto jovens, certamente. Por todo o lado, nos cartazes e nas revistas e na internet, mulheres acima dos cinquenta, sessenta anos, que parecem felicíssimas na sua pele. Pergunto-me se sou eu que não estou a gostar do envelhecimento. Se sou só eu que tenho receio. Sinto uma pressão enorme para ter de ser feliz com a imagem que tenho agora e com aquela que sei que vai acontecer inevitavelmente daqui a uns anos. O papão da menopausa a acenar ao longe, com todos os demónios possíveis que lhe assistem. E não é por ignorância, tenho lido bastante sobre o assunto. Sei que pode correr bem, mas sei que também pode ser difícil. Assisto ao longo dos anos à metamorfose das mulheres que me são próximas, antes e depois da entrada na meia-idade, antes e depois da menopausa. São notórias as diferenças, não dá para fingir que não, que está tudo bem, que é giro envelhecer. Talvez haja quem ache que sim, eu não estou a gostar nada, confesso. Mas sobretudo não estou a gostar da pressão para se ser feliz ou ainda mais feliz do que éramos antes de termos esta idade. Soa-me tudo a balelas de marketing consumista. Os cremes, a ginástica, a alimentação, tudo anunciado como soluções milagrosas usadas como travão daquilo que não dá para conter: o envelhecimento.

Não gosto e estou zangada com isto. Não gosto das mudanças do meu corpo, da alteração de peso, dos nervos à flor da pele, do cansaço permanente, das rugas constantes de preocupação na testa, um sem-número de coisas que considero desagradáveis e que estou a ter dificuldade em aceitar. Ando mais triste, custa-me não encontrar por fora, no espelho, aquilo que sinto por dentro. Começa a haver aqui uma discrepância entre idade mental e física que sei não ter solução. Daqui em diante será cada vez pior. Escusam de me esfregar na cara trinta exemplos de imagens de mulheres mais velhas e bonitas que estão mais felizes agora do que quando eram jovens. Talvez seja uma fase de transição que demora a aceitar, acredito que sim, mas por enquanto posso dizer com segurança que não estou a gostar mesmo nada, que não me estou a adaptar bem ao ogre da meia-idade. E é difícil confessar isto porque tememos que pensem que somos mais velhas do que realmente somos. E que estamos a amadurecer mal, não há desculpa nos dias de hoje para isso. Esperam que envelheçamos com um sorriso no rosto, que fiquemos felizes com as graças que a natureza nos dá na meia-idade. Não consigo ver graça nenhuma, mas talvez o problema seja só meu. Porém não é por isso que vou deixar de vestir o meu fato-de-banho e desfrutar do Verão ou nadar nua até os dedos começarem a mirrar do frio. Farei as mesmas coisas de sempre, mas qualquer coisa em mim anda murcha e triste.

* A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990

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