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"Do Jardim, um Oceano". Uma exposição da ativista e feminista Panmela Castro em Lisboa

A estreia da artista em Portugal convida à reflexão sobre identidade, pertença e resistência, através de temas tão fraturantes e polarizados como a colonização.

Foto: DR
27 de junho de 2024 às 20:31 Safiya Ayoob / Com Rita Silva Avelar

No dia 27 de junho, a Galeria Francisco Fino, em Lisboa, recebe a primeira exposição individual da artista brasileira Panmela Castro no nosso país"Do Jardim, um Oceano". Com curadoria de Igor Simões, esta exposição celebra o culminar de dois meses de residência artística na capital portuguesa. Castro, conhecida pela sua prática artística movida por relações de afeto e alteridade, transforma o seu jardim-ateliê num mar de possibilidades através da sua série de 16 retratos.

A exposição abre com um autorretrato intitulado "Pode o Subalterno Falar?", uma referência a um ensaio de Gayatri Spivak, que questiona as vozes marginalizadas e a capacidade de expressão dos subalternos. Este título, articulado por Igor Simões, contextualiza a exposição num cenário de resistência. "O jardim-ateliê torna-se um mar de possibilidades, mas principalmente de insubordinação às normas pré-estabelecidas e coloniais", afirma Panmela Castro à Máxima.

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A "deriva afetiva", conceito central na criação dos retratos, reflete um processo de conexão e construção sem controle premeditado, onde o acaso e os encontros fortuitos são os principais motores. "Quando eu renego o meu controle sobre as demais coisas e passo a construir a partir do que acontece naturalmente, aceitando o que me é oferecido pelo acaso, as construções acontecem nesta deriva", explica a artista. Este método permitiu a Castro criar obras que emergem de interações genuínas com os retratados, cada um deles participando ativamente na criação da sua autoimagem.

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Montar o ateliê numa pequena varanda em Lisboa, adornada de plantas e azulejaria portuguesa, foi uma experiência enriquecedora para a artista. Este cenário não é neutro, mas um espaço carregado de camadas históricas e culturais. "[Em] muitas das minhas obras [nem] sequer aparece um cenário, mas no caso da cidade de Lisboa, foi essencial para se contar a história da exposição", comenta. A interação com diversas pessoas, desde amigos a recém-conhecidos, portugueses e migrantes, resultou numa teia de relações afetivas que transcendem o próprio espaço do ateliê.

Foto: DR

A exposição não se limita a uma celebração de encontros e empatia, possuindo também um denso caráter político. "Portugal tem uma história de colonização e as pessoas retratadas são corpos que de certa forma não cabem dentro dos padrões coloniais. São corpos de coloniais insubordinados, insubmissos, corpos que incomodam", destaca Castro. Este posicionamento crítico é essencial para compreender a dimensão da exposição no contexto da sociedade portuguesa contemporânea. A influência da azulejaria portuguesa e das plantas no ateliê de Castro é evidente na criação das suas obras. "O cenário é o que caracteriza que este espaço não é um local neutro, mas sim um jardim lisboeta, um território de Portugal", explica. As plantas e os azulejos não são meros elementos decorativos, mas símbolos da história e cultura locais que permeiam as pinturas.

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Como fundadora da Rede NAMI (uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo o uso da arte como veículo de transformação social) e protagonista da quarta onda feminista, Castro utiliza a arte como ferramenta de ativismo. "A arte pode ser uma ferramenta para falar e reivindicar questões sociais. No caso da Instituição Rede NAMI, a organização usa a arte como ferramenta de comunicação para chegar às pessoas e realizar um trabalho de prevenção à violência doméstica", afirma. Esta abordagem é fundamental para entender a sua obra, que combina estética e política de forma indissociável.

Após a exposição em Lisboa, Castro regressa ao Brasil para inaugurar uma exposição individual no Museu de Arte do Rio, seguida de uma residência artística e exposição em Miami. Para 2025, planeia exposições individuais no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Aos jovens artistas que desejam integrar questões sociais e políticas nas suas obras, Castro recomenda o seu livro Hackeando o Poder: táticas de guerrilha para artistas do sul global, um manual de artes e direitos humanos.

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"Do Jardim, um Oceano" é uma exposição que convida à reflexão sobre identidade, pertença e resistência. Através da sua "deriva afetiva", Panmela Castro transforma um jardim lisboeta num vasto oceano de experiências, conectando vidas e histórias num espaço de criação e transformação contínua. A abertura da exposição promete ser um momento de celebração e reconhecimento da força das redes afetivas que transcendem fronteiras e desafiam normas estabelecidas.

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