Cláudia Lopes: “Eles ganharam sempre mais do que eu”
Diz tudo sem filtros e é a alma do grupo: assim o provou nesta sessão fotográfica para a Máxima. Em entrevista, não esconde a paixão avassaladora pela sua profissão. Encontramo-la como apresentadora do programa O Futebol é Momento, da SPORT TV.
Pode não ter sido uma das pioneiras, mas será certamente um nome incontornável para contar a história das mulheres no jornalismo desportivo em Portugal. São muitas horas de ecrã, muitas jornadas desportivas, muitos programas de comentário e reportagens em direto. A forma de estar descontraída e bem-disposta é uma das suas imagens de marca (e, porventura, parte da explicação para uma já grande longevidade televisiva). Licenciada em Comunicação Empresarial pelo Instituto Superior de Comunicação Empresarial, pretendia dedicar-se ao marketing e às relações-públicas, mas optou por iniciar a carreira profissional com um estágio numa redação. É assim que, em 1995, aos 22 anos, chega à secção de Economia da RTP. Gostou logo. "Percebi rapidamente que tinha essa facilidade da comunicação e da escrita televisiva. Sou uma pessoa muito prática, muito incisiva, não tenho tempo para grandes floreados. Agrada-me o direto e o imediato, o frenesim que a televisão tem". Foi, como ela própria diz, amor à primeira vista. E ainda nem sequer tinha chegado ao desporto, o que só acabou por acontecer algum tempo mais tarde. Como, mais tarde, chegaram novos canais e, com eles, novas oportunidades e novos formatos. Mudou a paisagem e o contexto. Cláudia permaneceu, fiel a si própria e sempre com uma certa frescura, apesar dos mais vinte anos de experiência.
Havia algum gosto particular pelo desporto?
Sempre fiz desporto, pratiquei várias modalidades. O meu irmão mais velho era professor de Educação Física. Lembro-me de ver os torneios em Wimbledon, o Mundial no México, sempre por influência dele e porque na altura havia só dois canais televisivos, não tínhamos grande escolha. Quando, já depois do estágio, voltei à RTP, acabei por ir parar ao Desporto, na altura chefiado por alguém com quem trabalho hoje, o Miguel Prates, que me desafiou a ficar. A minha primeira peça de desporto para a RTP foi para o ar há 25 anos. Fui assistir a um treino do União de Leiria, conduzido pelo mister Oliveira, com quem mais tarde trabalhei, alguém por quem tinha um grande apreço. Como dizem os americanos, foi um dealbreaker. Fez toda a diferença ter-me cruzado com ele e não com outra pessoa, porque me disse que aquilo não era um bicho de sete cabeças e convidou-me a ficar a ver o treino com ele, algo que hoje seria impossível.


Também se considera uma dealbreaker para as jovens que a têm como modelo?
A primeira vez que tive essa noção foi no contacto com uma miúda que foi estagiar para a TVI. Chegou, toda pespineta, apresentou-se e disse-me que, dali a dez anos, quem iria estar a apresentar o meu programa iria ser ela. Achei o máximo. A idade também nos traz isso: percebermos que estão sempre a aparecer novos talentos. Não podemos deixar-nos cristalizar. Mas naquele dia percebi que, se ela admirava o programa ao ponto de o querer fazer, devia ser porque era uma forte referência para ela.
Também teve essa figura de referência?
Não nos podemos esquecer que eu tive a Cecília Carmo. Quando eu chego à redação de desporto, ela já lá estava. Juntamente com a Helena Sousa e Silva, que fazia reportagem. Antes, já por lá tinha passado a Pilar de Carvalho. Ou seja, havia mulheres no desporto da RTP. Não me senti propriamente deslocada. Por outro lado, importa distinguir o jornalismo televisivo do ambiente dos jornais desportivos. Nós, na RTP, éramos uma editoria no meio de outras tantas, com pessoas das mesmas idades. Os jornais tinham passado por um choque tecnológico muito grande, havia muitas especificidades, ainda subsistia uma certa cultura noctívaga, fumava-se nas redações. O ambiente era diferente. Mas tenho uma fotografia de 2004, tirada durante a cobertura jornalística de um treino em Alcochete, e éramos só mulheres. Isto para dizer que já havia muitas mulheres no futebol. Mas a minha perspetiva de género e de integração é necessariamente diferente da de alguém que venha da imprensa, porque as redações em televisão são mais abertas, até do ponto de vista físico. As mulheres, na imprensa, faziam modalidades, não cobriam futebol. Ainda hoje, num campeonato do mundo, há muito mais homens do que mulheres a fazerem a cobertura para a imprensa. Na televisão isso não acontece porque há outro fator que pesa: a imagem. E isto não tem nada a ver com igualdade de género, tem a ver com o papel de boneca. Aliás, se recuarmos um pouco no tempo vamos lembrar-nos de uma certa escola implementada pelos italianos, que fizeram isso ao exagero, ao escolherem modelos para apresentarem programas de futebol, porque o target é masculino.

Como é que fez essa gestão de imagem?
Depende daquilo a que nos prestamos. Somos nós quem define os limites. Eu nunca apresentei vestida com um decote, nem fui a um treino de top. My house, my rules. Mas paguei pela minha atitude. Na RTP vi pessoas serem promovidas mais facilmente, mais rapidamente. E não me venham falar de competência, porque muitas delas desapareceram, eu ainda aqui estou. Aquilo que, para mim, faz um bom jornalista, também é nunca se vergar. Não faço favores, mas paguei por isso. Por exemplo, na TVI, com a igualdade salarial: apresentei vários programas com homens e eles ganharam sempre mais do que eu. Mas escolhi o meu caminho e, acima de tudo, assumi que não era nem queria ser uma boneca. Não tenho perfil de boneca e sei que vou envelhecer. Portanto, se não fizer isto bem, quando envelhecer não vou ter nada. A imagem desaparece. Mas tudo isto requer uma afirmação e isso nem sempre é bem visto. Um dia alguém me disse que eu ocupava muito espaço. Eu ocupei o meu espaço e, 25 anos depois, eu tenho o meu espaço.

A entrada de mais mulheres no jornalismo desportivo veio mudar alguma coisa na forma de comunicar? O que é que as mulheres trouxeram?
Mais leveza. As mulheres são mais espontâneas, são mais alegres, comunicam de uma forma diferente. Acho que têm noção que não é daquilo que depende o futuro da humanidade. Eu tenho essa forma de estar. O desporto - o futebol - é para as pessoas se divertirem. É para abraçar a pessoa que está ao nosso lado na bancada, mesmo que nunca a tenhamos visto antes. Continuo a ser uma romântica neste aspeto. Mas creio que isso tem mais a ver com personalidade do que com o género. Sou uma pessoa que, apesar de já ter tido algumas adversidades na vida, manteve sempre uma atitude positiva. Sou aquela pessoa que acorda sempre bem-disposta. O maior desafio da minha vida profissional foi a cobertura das cerimónias fúnebres do Eusébio, porque tive de sair do meu registo para adotar outro mais sóbrio, próximo do pesar. O jornalismo desportivo também permite essa latitude. Gosto de poder fazer muita coisa em televisão, mas prefiro sempre um registo leve, sem ser levezinho.
Qual a sua relação com as redes sociais?
Não tenho. Tinha 80 mil seguidores no Twitter e acabei com a conta, tal como acabei com o Facebook. Porque se gostasse de lixeiras a céu aberto era engenheira do ambiente. Não tenho paciência. O meu marido, um dia, disse-me a coisa mais inteligente a este propósito: "Sabes que podes estar a ficar irritada e aborrecida com um comentário sobre o teu trabalho feito por uma criança de 14 anos?". Quando o Mais Futebol começou, com o seu registo próprio, as pessoas vinham destilar a sua clubite para as redes sociais. Houve uma altura em que percebi que não queria aquilo. Não queria ler caixas de comentários. O que é que me interessa a opinião de alguém que eu não sei quem é, que pode ter lido apenas o título, passando ao lado do artigo? Tenho Twitter para seguir contas e ver notícias, ou seja, como ferramenta de trabalho. O resto não me interessa. Não quero perder tempo nem comprar discussões. Mas também não estou interessada em seguidores nem ando à procura de notoriedade. Tenho sempre de evoluir, mas já não tenho de provar nada a ninguém.
Como é que vai acompanhando a prestação das novas jornalistas e comentadoras que vão chegando ao espaço mediático, nomeadamente ao televisivo?
Acho lindamente. Há espaço para todas. É isso que reflete a diversidade. Não somos todos iguais e as mulheres que gostam de futebol também não são todas iguais. Umas gostam de ver futebol com a camisola cor-de-rosa do seu clube, outras gostam de beber cerveja. Há espaço para tudo. O mundo é isso.
Em Portugal não existe uma cultura desportiva? De que forma é que essa falta de cultura teve impacto na sua própria carreira?
Sinto que ando há 25 anos a pregar aos peixes. Por exemplo, só nos lembramos da Seleção feminina de Futebol quando, como agora, se apuram para o Campeonato do Mundo. Tal como só nos lembramos de outras modalidades quando ganham títulos ou medalhas. Mas penso que este tipo de atitude é um pouco transversal a outras áreas da sociedade, não podemos crer que o futebol é uma ilha. Há falta de ética e de princípios. Como eu não quero ser assim, continuo a pregar aos peixes, a acreditar que um dia vai ser melhor, e a fazer por isso no que toca à educação do meu filho. Hoje já não é estranho uma miúda chegar ao pé dos pais e dizer que quer jogar futebol. A próxima mudança? Deixarmos de dizer futebol feminino. É a seleção que é feminina. O futebol é futebol.
Fotografia. Ricardo Lamego

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