
O título é inspirado num dos livros de que mais gosto do Gonçalo M. Tavares, Aprender a Rezar na Era da Técnica, mas nada tem que ver com o dito texto. Até ao final da adolescência, o mês de Julho era o mês que me auspiciava mais felicidade. Aguardava o ano inteiro pela alegria prometida pelas férias no Algarve, marcadas no calendário, que quase nunca desiludiam, mostrando-se Julho luminoso e vibrante, mais do que qualquer outro mês. Não sei se me lembro realmente, ou se as memórias me chegam através das fotografias, de andar com o baldinho e a pá à beira-mar, curvada de rabo para o sol, a fazer buracos na areia. Lembro-me de que o mundo inteiro existia só ali, tudo era simples e a única contrariedade consistia na tanga para ir ao banho, aos quadradinhos, que me ficava demasiado larga e que caía, deixando-me algumas vezes com o rabo à mostra. Tinha de andar sempre a puxá-la para cima. Há fotografias em que estou a segurar a tanga com uma mão e a escavar a areia com a outra. Não que me importasse de mostrar o rabo, foi muito antes de saber o que era a vergonha ou o pudor, mas porque me lembro do desconforto que aquilo me causava. Por outro lado, uma das memórias mais felizes e de conforto que tenho na vida também é na praia, a comer pão com manteiga sentada na toalha, a bater os dentes e a agitar o tronco de frio, depois de ter estado de molho durante horas, até os dedos mirrarem e os lábios ficarem cor de ameixa e me obrigarem a sair do mar. Se fosse eu a decidir, ficava dentro de água até à hipotermia. Nessa altura, os meus pais chamavam-me No mar ou na piscina, sou como um animal (e não estou a ser metafórica): nado à sapo ou à cão, ou de bruços como se fosse um golfinho com uma deficiência. Aprendi o mínimo para não me afogar. O meu pai aprendeu em criança, por si mesmo, a sobreviver. Contou-me que, quando era miúdo, os amigos da rua o atiraram de um pontão ao rio Tejo para ver se sabia nadar. Se não estivesse um pescador atento a assistir à cena, o meu pai não teria sobrevivido. Os miúdos que o empurraram espantaram-se de não ter conseguido nadar. Julgavam que uma pessoa aprendia a nadar sozinha em caso de sobrevivência. Quando viram o pescador ir buscar o meu pai e trazê-lo para a margem, ficaram chocados, nunca mais tornaram a empurrar ninguém para o rio. Para o meu pai, que não devia ter mais de nove anos, foi um susto que nunca esqueceu. Quis então aprender a nadar para nunca mais passar por isso. Começou a treinar sozinho nas margens do rio, nas zonas baixas onde tinha pé, todos os dias desse Verão. Aprendeu a nadar e ensinou-me o pouco que sabe. Tive mais sorte do que ele, que teve de fazê-lo sozinho e com a memória de um momento de aflição. O meu pai ensinou-me a nadar com braçadeiras no Algarve. Por isso, sem ondas e com as duas bóias nos braços, íamos para fora de pé. Só eu, ele não, porque felizmente não é pai que arrisque. Nunca tive medo, sentia-me segura com ele. Nessa altura ainda não sabia que ele nada conhecia sobre natação. As braçadeiras também davam segurança. A técnica, portanto. Também ensinei a minha filha a nadar com as braçadeiras postas. Hoje já não precisa delas. Quando a ensinei a nadar lembrei-me do Algarve e das manhãs de natação com o meu pai. Sempre cedinho, quando a praia cheirava a maresia e felicidade em doses idênticas, e o único problema que eu tinha na vida era a tanga do banho demasiado larga. *A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.
Não sei se me lembro realmente, ou se as memórias me chegam através das fotografias, de andar com o baldinho e a pá à beira-mar, curvada de rabo para o sol, a fazer buracos na areia. Lembro-me de que o mundo inteiro existia só ali, tudo era simples e a única contrariedade consistia na tanga para ir ao banho, aos quadradinhos, que me ficava demasiado larga e que caía, deixando-me algumas vezes com o rabo à mostra. Tinha de andar sempre a puxá-la para cima. Há fotografias em que estou a segurar a tanga com uma mão e a escavar a areia com a outra. Não que me importasse de mostrar o rabo, foi muito antes de saber o que era a vergonha ou o pudor, mas porque me lembro do desconforto que aquilo me causava.

No mar ou na piscina, sou como um animal (e não estou a ser metafórica): nado à sapo ou à cão, ou de bruços como se fosse um golfinho com uma deficiência. Aprendi o mínimo para não me afogar. O meu pai aprendeu em criança, por si mesmo, a sobreviver. Contou-me que, quando era miúdo, os amigos da rua o atiraram de um pontão ao rio Tejo para ver se sabia nadar. Se não estivesse um pescador atento a assistir à cena, o meu pai não teria sobrevivido. Os miúdos que o empurraram espantaram-se de não ter conseguido nadar. Julgavam que uma pessoa aprendia a nadar sozinha em caso de sobrevivência. Quando viram o pescador ir buscar o meu pai e trazê-lo para a margem, ficaram chocados, nunca mais tornaram a empurrar ninguém para o rio. Para o meu pai, que não devia ter mais de nove anos, foi um susto que nunca esqueceu.
Quis então aprender a nadar para nunca mais passar por isso. Começou a treinar sozinho nas margens do rio, nas zonas baixas onde tinha pé, todos os dias desse Verão. Aprendeu a nadar e ensinou-me o pouco que sabe. Tive mais sorte do que ele, que teve de fazê-lo sozinho e com a memória de um momento de aflição.
O meu pai ensinou-me a nadar com braçadeiras no Algarve. Por isso, sem ondas e com as duas bóias nos braços, íamos para fora de pé. Só eu, ele não, porque felizmente não é pai que arrisque. Nunca tive medo, sentia-me segura com ele. Nessa altura ainda não sabia que ele nada conhecia sobre natação. As braçadeiras também davam segurança. A técnica, portanto. Também ensinei a minha filha a nadar com as braçadeiras postas. Hoje já não precisa delas. Quando a ensinei a nadar lembrei-me do Algarve e das manhãs de natação com o meu pai. Sempre cedinho, quando a praia cheirava a maresia e felicidade em doses idênticas, e o único problema que eu tinha na vida era a tanga do banho demasiado larga.

*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.

Com um simples vestido preto sou 'boring as shit', prometo
“Considero uma grande chatice cumprir as regras da indumentária. O vestido pode ser azul, verde, amarelo, às riscas ou com bolinhas.”
De Pilar Quintana a Zadie Smith: 10 novos livros de autores feministas
Entre os novos títulos que acabam de chegar às livrarias estão obras de autores ora assumidamente feministas ora cujos valores de igualdade promovem nas suas obras. Entre a poesia, o ensaio ou o romance, eis as sugestões de leitura para os próximos tempos.
Nudismo e porcos de asa delta
“Olhámos para o céu e vimos dois tipos de asa delta a sobrevoar o lugar. Aos assobios juntaram piropos inapropriados sobre as nossas partes íntimas”
Empregar o choro
"Seria ali o melhor destino para chorar. Não há nenhum artigo no contrato que impossibilite chorar no local de trabalho. Tal como não existe nenhuma cláusula que impossibilite de rir".