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“A minha primeira reação foi afastar-me. Peguei na minha filha, fui para o campo e chorei muito”

Se uns viram as suas vidas estagnadas com a chegada de um vírus que se tornou uma preocupação global, outros chegaram-se à frente com a nobre missão de cuidar. Uma enfermeira, uma piloto, uma chef e uma comissária da PSP contam-nos as suas histórias da pandemia.

Chef Marlene Vieira
Chef Marlene Vieira Foto: Mariline Alves
23 de julho de 2020 às 14:24 Rosário Mello e Castro

Há anos que percebemos logo que vão ser diferentes e para a chef Marlene Vieira, que conhecemos pela cozinha de conforto e base tradicional, 2020 tinha tudo para ser um marco. Chegou ao patamar dos 40, há cinco anos que estava longe do fine dining (ter uma filha pequena e um marido chef tem destas coisas) e há 18 meses que preparava um regresso muito pessoal.

Tudo a postos para abrir portas no Terminal de Cruzeiros, em Lisboa, mas a pandemia, o "tsunami invisível", como lhe chama Marlene Vieira, arrastou todas as expectativas para a incerteza. "A minha primeira reação foi afastar-me para tentar perceber o que estava a acontecer. Peguei na minha filha, fui para o campo e chorei muito", conta com a memória fresca dos acontecimentos nas palavras. "Sou muito prática, mas também sou muito emocional, por isso comecei logo a pensar no que fazer para podermos estar todos juntos novamente. É que as paredes continuavam cá, mas eu tinha de me preocupar com as pessoas" recorda. A gestão da empresa é uma das suas responsabilidades, explica, e toma as decisões ao lado do marido, o também chef e sócio João Sá. "A semana de março em que nós, como todos os portugueses, percebemos que isto era real, foi de desespero e angústia. Lembro-me muito bem da agonia que senti", continua.

O novo coronavírus atingiu a restauração como um choque, sem anestesia nem preparação e depois foi preciso capacidade de reinvenção. "Passado um mês em casa eu tive de por as mãos na massa e abri o meu takeaway – penso melhor quando estou numa cozinha, antes não tinha respostas. Foi o refúgio que eu encontrei." O criar ficou de lado, concentrou-se em manter os clientes, continuar ativa e ajudar a economia, mas ainda assim houve coisas boas. "O takeaway foi uma alegria, houve momentos em que quase chorámos juntos, foi uma partilha, um dar a mão, não te vou deixar cair e tu também não e saber isso foi muito bom."

Para Marlene Vieira, o segundo embate destes meses acaba de acontecer quando conversamos, dias depois da abertura do Mercado da Ribeira, em Lisboa, onde tem um restaurante com o seu nome. Apercebeu-se que nada seria como antes. "Tínhamos uma faturação que estava desfasada da realidade e isso foi um choque, estávamos muito mal habituados", explica. "Quem vai usufruir agora são os clientes e não os empresários. E por isso temos de fazer as coisas bem para colher frutos no futuro. Temos de fazer melhor do que fazíamos, não podem acontecer erros." E acrescenta: "acho que esta é uma boa oportunidade para os portugueses, e os lisboetas principalmente, fazerem as pazes com o Mercado porque há um pequeno ódio a este sítio porque quem o frequenta são, sobretudo, os turistas. É a hora de viver aquilo que é nosso", diz.

Foto:

É uma das poucas mulheres num universo que continua a ser de homens e, talvez por isso, Marlene Viera encontra sempre um motivo para aprender. "A nossa profissão é mesmo assim, há embates todos os dias, mas este abanão faz com que a pressão para ser criativo seja maior do que nunca, é o momento para mostrar quem vale", diz. "O primeiro mês da pandemia foi de muita tensão, foi um dos momentos mais difíceis da minha vida profissional e pessoal. Pensava ‘como é que eu e o meu marido vamos estar em casa, na mesma área, sócios e com uma filha pequena?’ – foi uma prova de fogo", descreve.

Deu-lhe fôlego para o que aí vem, que por si só já era um projeto ambicioso. No Terminal de Cruzeiros de Lisboa serão dois espaços num só: um restaurante de alta cozinha com o seu nome, Marlene, que funcionará só aos jantares, e o Zunzum, um gastrobar com um bar de sobremesas, um daqueles lugares para se ir de dia ou de noite, boémio e virado para a cidade, que deverá inaugurar já no final de julho. "Toda a gente me diz para não abrir, mas vou abrir. Temos muitas ideias, adaptámo-nos ao momento e estamos a ser criativos para manter as pessoas em segurança e sobrevivermos… Não queremos baixar os braços, pelo contrário, estamos a arriscar muito – tudo, na verdade."

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