A história de vida de Marilyn Monroe na era #MeToo
A ficção criada por Joyce Carol Oates completa 20 anos em 2020, com um novo filme protagonizado por Ana de Armas e uma reedição especial do best-seller.
Se fosse nos dias de hoje, ao pisar as grades do metro no seu vestido esvoaçante branco, o registo de Marilyn Monroe pelas lentes de Sam Shaw tornar-se-ia viral em segundos, com partilhas da fotografia, do momento em GIF e até em memes. Mas muito antes da Internet, a loira mais famosa do mundo — e uma das mais sexy — mostrou que a sua influência era capaz de fazer uma imagem captada a 15 de setembro de 1954 rodar o planeta e manter-se no imaginário de muitos de nós até aos dias de hoje.
Hipnotizada pelo seu estrelato, a premiada autora de Lockport, Nova Iorque, Joyce Carol Oates começou a imaginar como era a vida de Marilyn após ver uma fotografia da atriz, modelo e cantora antes da fama, com apenas 15 anos de idade. Joyce observou que a rapariga sorrindo radiante na imagem era afinal parecida com as meninas com quem a escritora havia estudado no liceu.

Autora de 58 romances e milhares de contos e ensaios, Oates mergulhou na vida de Monroe para criar uma ficção baseada na vida real — e a vida real já rendia boas histórias por si só: Marilyn Monroe fez uma carreira brilhante em Hollywood, mas também sofreu com a dependência de várias substâncias, teve três casamentos fracassados, tentou sem sucesso ser mãe, terá mantido um caso com o presidente John F. Kennedy e morreu com apenas 36 anos.
Foi há 20 anos que Joyce Carol Oates publicou Blonde, uma biografia romanceada que foi cinco vezes nomeada ao prémio Pulitzer. O livro partia da história da vida real porém usava as liberdades de um romance para explicar fatos com muita nitidez e muitos detalhes ficcionados. Joyce, professora na Universidade de Princeton, no EUA, imaginou-se na pele de Norma Jeane Mortenson — o verdadeiro nome de Marilyn — e dividiu a obra de mais de 700 páginas em cinco grandes capítulos: A criança, de 1932 a 1938; A rapariga, de 1942 a 1947; A mulher, de 1949 a 1953; Marilyn, de 1953 a 1958; O Além, de 1959 a 1962.
Duas décadas mais tarde, há dois motivos para comemorar. Já em pós-produção, será lançado ainda este ano o filme Blonde, realizado por Andrew Dominik para a Netflix e produzido por Brad Pitt, com Ana de Armas como Norma Jean. E o livro Blonde foi reeditado pela Ecco/Harper Collins, numa versão comemorativa com nova capa e selo de aniversário, à venda nos EUA a partir de hoje. "Os leitores de Blonde hoje reconhecerão os magnatas de Hollywood cujos anos de violação sexual, assédio, abuso e agressão sexual a aspirantes a atriz foram revelados em 2017", escreve a crítica literária e escritora Elaine Showalter na nova introdução, em referência às denúncias a Harvey Weinstein (e não só) que incitaram o movimento #MeToo. "A loira agora parece mais realista, e sua fúria feminista justifica-se."

Quando Blonde foi publicado em 2000, alguns críticos acreditavam que o assunto já havia sido dissecado o suficiente, desde as biografias escritas pelas autoras Gloria Steinem e Norman Mailer, até ao livro de memórias escrito pela irmã da parte da mãe de Marilyn Berniece Baker Miracle, sem contar com os inúmeros filmes... Mas a imaginação e escrita de Oates logo transformou a publicação num fervor literário.
Joyce Carol Oates dedica uma atenção especial no livro à jovem Marilyn e o tempo que passou em orfanatos. A autora destacou há 20 anos as preocupações e a violência sexual perpetrada contra as mulheres, destacando tudo o que pode ser vergonhoso e solitário na adolescência feminina — assunto retratado em muitos dos seus romances, nomeadamente Rape: A Love Story (1979), Raposas de Fogo – Confissão de um gangue de raparigas (1993) e We Were The Mulvaneys (1996) — que provavelmente serão lidos por uma nova geração com outro olhar e outras perspetivas numa era que promete apoiar mais as mulheres.
