Tudo o que apurámos sobre células estaminais do sangue do cordão umbilical em Portugal
Com a chegada do bebé, muitos pais veem-se perante a questão da preservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical. Tendo o banco público de armazenamento uma atividade “residual”, a opção são os privados, independentemente do parto ocorrer na medicina privada ou pública.
Foto: Pexels12 de março de 2025 às 07:00 Júlia Serrão
Quando os pais pedem a opinião de Sofia Figueiredo sobre se devem criopreservar o sangue do cordão umbilical dos seus bebés, a obstetra responde-lhe que esta é uma decisão individual. A Assistente Hospitalar graduada em Ginecologia-Obstetrícia, do Hospital da Luz e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, faculta-lhes cópia do "statement" do Conselho da Europa sobre os bancos privados de criopreservação de células estaminais ("PARENT’S GUIDE TO UMBILICAL CORD BLOOD BANKING"), cuja informação "continua atual" apesar de já ter alguns anos, "para que os pais tenham oportunidade de ler informação fidedigna com base científica, mas numa linguagem acessível a todos". Dessa forma, refere que "poderão retirar as suas próprias conclusões e tomar uma decisão fundamentada". Com efeito, e é isso que diz aos pais que trazem a questão à consulta, a placenta e o cordão umbilical são considerados resíduos hospitalares, pelo que "do ponto de vista prático, não existe nenhuma desvantagem em criopreservar esse material biológico".
"Se o casal pretender recolher as células do cordão umbilical, tenho naturalmente toda a disponibilidade em realizar a colheita. Mas a verdade é que não existe, à data, uma evidência robusta e clara sobre o interesse prático na utilização das células estaminais do cordão umbilical do próprio", diz. "No entanto, nesta como noutras áreas da medicina, a ciência está em constante evolução", acrescenta ainda.
A colheita do sangue do cordão umbilical é feita na altura do parto, sendo o sangue enviado para o respetivo banco de criopreservação onde é processado e testado. Considerado adequado para futura utilização clínica, a sua amostra é criopreservada. O interesse pelo sangue do cordão umbilical deve-se ao facto de ser rico em células estaminais, que por se encontrarem em estado muito imaturo têm uma elevada capacidade de autorrenovação e diferenciação. São designadas células progenitoras hematopoiéticas, pelopotencial para darem origem a todas a células componentes do sangue. Devido às suas características de autorrenovação e diferenciação em abundantes linhagens celulares, têm vindo a ser utilizadas no tratamento de doentes com leucemias, linfomas e outras patologias associadas ao sangue e ao sistema imunitário.
Os bancos públicos e privados de sangue do cordão umbilical não concorrem entre si, podendo existir conjuntamente e ser mesmo complementares. Os primeiros processam e armazenam gratuitamente amostras de células estaminais do sangue do cordão umbilical para serem utilizadas por qualquer doente que precise, enquanto nos segundos, as famílias pagamentre 1.300 e 4 mil euros para asseguram a criopreservação do material biológico para uso exclusivo do próprio (utilização autóloga) ou em familiares compatíveis (utilização alogénica relacionada).
Dezasseis anos depois de ter sido criado em Portugal, o Banco Público de Sangue de Células do Cordão Umbilical (BPCCU) tem uma "atividade residual". Em resposta escrita às perguntas da Máxima, Catarina Bolotinha, Responsável pela Áreas dos Tecidos e Células e Coordenadora Nacional da Transplantação do IPST, IP, esclarece que "a evidência disponível" relativa à aplicação do sangue do cordão umbilical como "fonte de células progenitoras hematopoiéticas tem demonstrado" que a sua utilização é "cada vez mais residual". Por isso, "a colheita e o transplante de células do cordão umbilical ficam reservados para os casos particulares de transplante com dador relacionado, quando não existe nenhum dador alternativo adequado", sendo as colheitas feitas em articulação com as unidades onde os doentes são seguidos.
Nota que nos últimos anos "os conceitos e indicações relacionadas" com a utilização das células progenitoras hematopoiéticas "como fonte de enxerto tem vindo a evoluir", concluindo-se que "tem o menor potencial de alorreatividade das três fontes possíveis de utilizar em contexto clínico" – medula óssea, sangue periférico e sangue do cordão umbilical –, "levando a menor capacidade de prevenção de recidiva". Está ainda relacionada "a pior transferência de imunidade anti-infeciosa das três fontes, bem como maior risco de falência do enxerto, o que associa consistentemente a maior risco de mortalidade com o transplante".
A responsável assegura que o armazenamento de células doadas em contexto familiar "não está em causa", apesar do banco manter atividade "residual" – são cerca de 300 unidades familiares. Para dar conta que, por decisão da Direção Geral de Saúde, quando o BPCCU passou para a tutela do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), em 2012, foi interdita a utilização das unidades criopreservadas até 2013, por se ter "encontrado algumas situações que colocavam em causa a qualidade e segurança das células".
Foto: DR
Criopreservação do sangue e do tecido do cordão umbilical
Existem vários bancos privados de criopreservação em Portugal, que são a única opção para quem pretende armazenar o sangue do cordão umbilical do seu bebé. A maioria disponibiliza também o serviço de criopreservação do tecido do cordão umbilical.
O Laboratório Bebé Vida tem cerca de 80 mil produtos biológicos criopreservados resultantes de 45 mil famílias, neste momento. A diferença de número fica a dever-se ao facto de haver "pais com sangue e tecido de mais do que um filho", esclarece Luís Melo, o administrador do banco especializado na criopreservação de células estaminais com origem no sangue e no tecido do cordão umbilical.
O banco, que é uma dos precursores do serviço no país, guarda o sangue do cordão umbilical há cerca de vinte anos e do tecido do cordão umbilical há doze, sendo que atualmente "94 por cento dos serviços são de sangue e de tecido, porque o tecido é coadjuvante no possível transplante", refere.
PUB
Por enquanto, as células mesenquimais do tecido não estão a ser utilizadas de forma isolada, a não ser em vários ensaios clínicos pelo mundo. Mas segundo o administrador, "espera-se que" muito em breve, estas "venham a assumir uma relevância se calhar até maior do que as células hematopoéticas do sangue".
Estudos recentes demonstraram que a viabilidade das amostras criopreservadas pode ir até 30 anos, ainda assim, "por uma questão meramente de precaução" o banco privado vai até aos 25. Luís Melo diz que a "questão económica" é o principal obstáculo "à disseminação destes serviços no mercado". No laboratório, os serviços mais baratos andam à volta dos 1300 euros e os mais caros 3 a 4 mil. Pesando também o facto de a prática em Portugal ser a utilização de células estaminais com origem na espinal medula, nomeadamente pelos Institutos de Oncologia de Lisboa e do Porto.
"Mas isso não quer dizer que este serviço tenha vindo a perder importância", frisa, referindo que há cada vez mais estudos para aplicação das células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical em situações tão diversas como a paralisia cerebral e o autismo. A sua utilização acontece não só no âmbito da medicina curativa, mas também da medicina regenerativa. Porque acreditam que "este produto biológico é valioso", diz que ao longo do tempo têm tido como prática incentivar os pais a fazer doação ao banco público, que por impossibilidade económica não podem criopreservar no banco privado.
Comprovada por estudos internacionais, a probabilidade de utilização das células estaminais é de 1 em 200 para pessoas não aparentadas, sendo a percentagem em contexto autólogo ainda mais reduzida: 1 em 450. Caso o bebé tenha uma doença congénita, as suas células não poderão ser utilizadas no seu tratamento, podendo ser uma opção viável em doenças que surjam mais tarde ao longo da vida.
Utilização do sangue do cordão no âmbito da medicina regenerativa
"Independentemente de onde seja guardado, num banco público ou privado, para uso de um desconhecido, de um irmão ou para o próprio, congelar o sangue do cordão umbilical é um ato de generosidade", defende a diretora do Serviço de Terapia Celular do Instituto de Oncologia (IPO) do Porto, Susana Roncon. Para chamar a atenção para o mais importante, que é os pais se assegurarem que a estrutura onde vão preservar a amostra, "seja pública ou privada, tenha condições de qualidade e que os profissionais tenham o know-how para garantir a qualidade e segurança da atividade que exercem".
Foto: DR
A médica, que trabalha há mais de três décadas com as três fontes de células estaminais, sublinha a importância das células que têm origem no sangue do cordão umbilical pela sua particularidade de serem imaturas, de que resulta serem necessárias poucas para se conseguir resultados. Em comparação, "quando se faz um transplante de medula é preciso muitas mais células", visto se encontrarem num "estado de maturidade mais elevado". As células com origem no sangue do cordão são "uma boa arma terapêutica" para a leucemia aguda, "doença que vem aumentando sobretudo nas crianças", exemplifica. Sendo que neste caso não pode ser usado o sangue do próprio, mas o de outro compatível.
A diretora do Serviço de Terapia Celular do IPO Porto acredita no potencial do sangue do cordão umbilical como "uma fonte de células boas para o tratamento de doenças oncológicas ou não, e no seu futuro, nomeadamente para as crianças". Defendendo, por isso, a existência de estruturas tanto públicas como privadas "com elevado padrão de qualidade" que possam preservá-lo: "É um seguro de vida", diz.
Susana Roncon destaca ainda a utilização do sangue do cordão como medicina regenerativa, que muitos centros estrangeiros já fazem "com resultados muito bons ao nível na regeneração de algumas células do corpo humano, inclusive as células da mielina e do sistema nervoso central".
Com a queda deste governo, a lei da licença parental paga durante seis meses foi adiada. Beatriz Vasconcelos, ativista da criança e membro deste movimento de cidadãos, explica porque é tão importante que esta lei seja aprovada na próxima legislatura.