Beatriz Vasconcelos: "A licença parental não são férias, mas sim cuidar do futuro da sociedade"
Com a queda deste governo, a lei da licença parental paga durante seis meses foi adiada. Beatriz Vasconcelos, ativista da criança e membro deste movimento de cidadãos, explica porque é tão importante que esta lei seja aprovada na próxima legislatura.

Para Beatriz Vasconcelos "o bebé é o cidadão invisível da sociedade". Escritora, empresária, ativista pelos direitos da criança e porta voz do Movimento de cidadãos que defende licença parental de seis meses paga, vê com alguma apreensão a queda do governo AD. "Ficámos desagradados por esta iniciativa – que tem tanto valor social e um impacto tão grande nas famílias – não ter sido tida em conta nesta legislatura."
Volta-se à casa da partida. "Teremos que reunir de novo as assinaturas necessárias para que a licença de seis meses pagos seja uma realidade. É isso que vamos fazer num futuro próximo", explica. A iniciativa é simples: propõe que os bebés tenham o direito a ficar com a família no primeiro meio ano de vida. Esta lei vai ao encontro das diretivas da Organização Mundial de Saúde sobre o aleitamento materno exclusivo até aos seis meses, mas não só. "A vinculação parental é muito importante no começo de vida. Os primeiros meses são cruciais. É neste período que se estabelece a base para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo da criança."


Beatriz lembra que vários estudos apontam que a presença física dos progenitores, sobretudo da mãe – além dos nove meses na barriga –, promove uma independência segura da criança, que resulta numa maior autonomia no futuro. Beatriz salienta ainda que esta lei vai beneficiar bebés que nasçam em famílias monoparentais. "Ou seja, promove a igualdade desde o início da vida. Um bebé que nasça numa família monoparental nunca consegue estar mais tempo com o pai ou com a mãe porque não pode partilhar com mais ninguém esta licença. Defendemos que é justo que todos os bebés estejam em pé de igualdade."
Relativamente ao impacto financeiro que esta medida terá, a ativista desmistifica. "Os países mais desenvolvidos da Europa têm licenças muito mais longas do que nós e isso não prejudica o PIB ou a economia do país." Por outro lado, esta lei terá impacto nos níveis de natalidade. "Há uma segurança muito maior. A mãe sabe que não terá que deixar o seu bebé com quatro meses no infantário e que o poderá amamentar até quando as propostas da ONS assim o definem." Beatriz acrescenta que esta medida diminui as falsas baixas médicas. No fundo, todas as famílias podem usufruir de um tempo que é essencial para o bebé sem prejudicar as suas vidas laborais. "Não conheço ninguém em idade fértil que não apoie esta medida."

Noutros tempos, a filosofia de vida das pessoas defendia que os bebés se adaptassem ao meio ambiente em que nasciam. Hoje defende-se que é precisamente o contrário. Pelos menos nos países desenvolvidos."A nova geração – os Millennials – querem tomar parte na vida dos filhos, interessam-se pelas temáticas da parentalidade e sabem que o nascimento de um bebé muda a dinâmica familiar e é importante que os decisores políticos tenham isso em consideração."

Este movimento vai, novamente, criar um projeto-lei feito por homens e mulheres e submetê-lo à Assembleia da República, onde maioritariamente será votado por homens. "A literacia da saúde é escassa e os homens não passam pelas dores de parto". Beatriz lembra que atualmente as mulheres têm quatro meses de licença mais um para o pai. Mas que na prática acabam por não gozar a licença. "Se por um lado não amamentam, por outro os cuidados ainda estão muitos retidos na mãe. Existem também muitos homens que não sabem atender às necessidades de um recém-nascido."

As consequências desta realidade estão à vista de todos. A mãe põe baixa médica, mete férias, falta ao trabalho e no fim da linha perde o emprego. Esta lei dará a possibilidade a cada família de decidir, e neste caso a mãe e o bebé nunca ficarão desprotegidos. Ou seja, passa a ser um direito do bebé ter um cuidador a tempo inteiro durante seis meses, mas a licença não tem vínculo obrigatório. Quem não quiser não a tira."Esta medida trará também mais liberdade de escolha à mulher, "antes de seres pensantes somos mamíferos. Somos a espécie de mamíferos mais dependente dos seus cuidadores, em termos biológicos." Esta lei servirá também para empoderar as mães. "A mulher é penalizada pela maternidade em contexto laboral. São as mulheres que têm que atender às consultas pré-natais, não os pais dos bebés. Não se pode igualar uma coisa que nunca será igual."
Beatriz Vasconcelos é mãe de três filhos e nunca gozou seis meses de licença de paternidade. Mãe de Pedro (12), Miguel (10) e Vasco (1), Beatriz era ainda estudante universitária quando foi mãe pela primeira vez. "Não tive direito a licença parental, porque estava a estudar e quem é estudante não tem direito a nada. Recentemente, algumas mães têm dispensa em algumas faculdades para amamentação, mas ainda há todo um caminho para fazer."
Quando teve Vasco – o último filho, nascido em 2023 – ela e o pai do bebé decidiram pela licença parental partilhada para que o bebé pudesse ficar mais tempo em casa. Depois não arranjaram vaga na cresce e o bebé foi ficando em casa. "Trabalho a partir de casa e confesso que foi muito difícil estar em simultâneo com um bebé. É muito complicado. Ele tem necessidades básicas – comer, mudar a fralda e outras, onde entra a necessidade de atenção." Esteve a fingir que trabalhava, confessa. "Ainda bem que sou patroa de mim própria se não ainda me tinha despedido", brinca.


Ter ficado este último ano com o bebé deu-lhe experiência suficiente para ter tirado várias conclusões sobre os vínculos entre mãe e filho. "É muito interessante, no meio de uma sala procura-me na multidão. Em termos de desenvolvimento motor e da linguagem foi harmonioso. Foi amamentado de forma exclusiva até aos seis meses (ainda é) e não fica doente como os outros que foram logo para o berçário." Nesta comissão há gente dos mais variados quadrantes. Médicos, pediatras, enfermeiros, neonatalogistas, consultores de lactação e gestores, entre outras profissões ligadas aos bebés e crianças. E todos concordam neste ponto: "Os primeiros anos de vida são essenciais para a construção de um ser humano." Fica no ar a questão: o que são seis meses numa carreira contributiva de 40 anos?
Beatriz Vasconcelos sublinha que a "licença parental não são férias, mas sim cuidar do futuro da sociedade. Tenho fé que recolheremos as 20 mil assinaturas que necessitamos para que estes seis meses de ninho entre a mãe e o bebé sejam uma realidade."
