Tirar selfies a chorar? É a tendência do momento nas redes sociais

O mundo das trends é um lugar estranho — sobretudo quando nos referimos ao universo digital. É sabido que chorar faz bem, mas qual é a ideia de partilhar o nosso vale de lágrimas, de livre e espontânea vontade, com milhares de desconhecidos?

Foto: @verakolodzig
12 de julho de 2022 às 07:00 Pureza Fleming

Eu nunca fui uma pessoa de tirar selfies. Além de não ser muito "ligada" às redes sociais, sempre me senti, de certa maneira, ridícula de todas as vezes em que me aventurei a apontar a câmara do telefone para mim, sorrir para mim própria e depois partilhar com o mundo — eu mesma num momento comigo mesma. Salvo raras excepções, é um cenário que me faz sentir patética — nada contra quem as tira, apenas não é para mim. Mas há uma coisa que eu pratico há já algum tempo que são as selfies a chorar. Tenho resmas delas na galeria do telefone. Nunca as partilhei ou sequer as tiro com esse propósito, estas simplesmente ajudam-me a relembrar que certas situações me causam tristeza ou sofrimento. São selfies que funcionam como uma espécie de lembrete.

Em novembro do ano passado, a top model Bella Hadid publicou um carrossel de fotografias na sua conta de Instagram que começava com um vídeo de Willow Smith a relembrar que, por mais que nos sintamos sozinhos, inseguros ou ansiosos, nunca estamos sós. As imagens que se seguiram ao vídeo agitaram a Internet: um rol de fotografias de Hadid coberta de lágrimas. Numa entrevista ao WSJ. Magazine, a modelo revelava que aquelas imagens eram parte de uma ‘compilação’ de alguns dos seus momentos mais sombrios e que haviam sido tiradas ao longo dos últimos três anos.

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Foto: @bellahadid

E explicava: "Eu estava a passar por episódios severamente depressivos e, de cada vez que a minha mãe ou o meu médico me perguntavam como é que eu estava, em vez de lhes responder em texto, eu enviava uma fotografia [a chorar]. (…) Foi a coisa mais fácil de fazer naquela altura, porque eu nunca fui capaz de explicar como é que me estava a sentir. Era uma dor mental e física excruciante e debilitante, e eu não sabia porquê". Com aquela partilha nas redes sociais Hadid desejava "ter a certeza de que qualquer pessoa que se sentisse da mesma maneira soubesse que não havia problema em sentir-se assim". Consciente de que a publicação estaria bastante aquém das suas aparições do costume, rematou: "Não sei se não é isso que as pessoas querem [ver] no Instagram, e está tudo bem. (…) Eu não tenho que estar eternamente no Instagram. Sinto que o real é o novo real, e é isso que é me importa".

Por um mundo (digital) mais autêntico

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Uma das mais recorrentes críticas aos Instagram — e às plataformas sociais, no geral, é a sua falta de autenticidade. Há um incentivo geral a que nos comparemos com vidas que, na maioria das vezes, se mostram perfeitas. Só o bonito merece destaque no mundo digital — o bonito, o filtrado, o pequeno pedaço de paraíso que todos nós temos em alguns instantes das nossas vidas. E está tudo certo que se demonstre. O problema é a idealização que se cria à volta disso e, por isso mesmo, as lágrimas começam a fazer falta. E os desabafos relacionados com a saúde mental, as fotografias sem filtros, as casas por arrumar, ou seja, tudo o que também faça parte da vida real — tal como ela é.

Enquanto reflexo deste desejo coletivo por alguma autenticidade, nos últimos anos muitas pessoas desataram a unir esforços de forma a se rebelarem contra esta estética imposta pelas redes sociais. Fotografias de baixa resolução do quotidiano começaram a espalhar-se pelos feeds e o TikTok destacou-se tornando-se na plataforma de eleição da Geração Z, apoiado por um estudo que demonstrou que as pessoas consideram esta aplicação como a mais autêntica. No TikTok, chorar em vídeos é uma ocorrência comum, juntamente com outros conteúdos honestos relacionados com a saúde mental, tais como pessoas a partilhar os seus "quartos de depressão". O site Bustle publicou inclusive um artigo a explicar como é que se usava o filtro do choro que, pasme-se (ou não), também existe.

pic.twitter.com/J29GMVD63Z

Selfies a chorar é oficialmente a tendência do momento. Recentemente, também a atriz portuguesa Vera Kolodzig partilhou uma sequência de fotografias na sua conta de Instagram onde se mostrava a chorar, aproveitando o momento para fazer uma reflexão. "Pensei muito antes de publicar esta fotografia", confessa. "No outro dia cheguei a casa triste e chorei sobre o vazio. As redes sociais têm algo de muito positivo no que toca a inspirar, partilhar informação, partilhar beleza, no entanto por vezes também há algo de muito perverso na alimentação do ego", reflete, sublinhando que não encontra a necessidade de esconder o que sente. "Tento ser congruente nas partilhas: se não estou bem ou não acredito no que mostro, não partilho. E no outro dia pensei… e porque não partilhar também a vulnerabilidade que é tão bela, a beleza de uma emoção pura mesmo que não seja agradável?", questiona. "Naquele dia abracei a minha tristeza, olhei-me ao espelho e fotografei-me nela para poder observar-me de fora. E agora decidi partilhar. Está tudo bem! A tristeza faz parte. Sou feliz e estive triste - em português temos esta diferença maravilhosa entre o 'ser' e o 'estar'. A felicidade é o céu azul, que está sempre lá, mesmo nos dias de tempestade!", remata.

Foto: @verakolodzig

Chorar faz bem e recomenda-se

"O choro funciona como uma libertação, uma descarga das tensões internas – sejam estas quais forem", escreve Alexandra Rosa, psicóloga do Hospital Lusíadas Lisboa e da Clínica Lusíadas Almada, num artigo publicado no site deste mesmo Hospital. Num estudo levado a cabo pela Universidade do Sul da Flórida, os pesquisadores concluíram que quase toda as pessoas se sentem melhor após uma crise de choro. E explicam: através das lágrimas expulsamos o manganês (não confundir com magnésio) — mineral que afeta o humor e que está ligado a atos de violência — do organismo e outros químicos que ajudam a reduzir o stress ou a dor.

Foto: @paulinaporizkov

Também o popular bioquímico, William Frey, da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, afirmou que chorar faz bem à saúde. Através de testes efetuados num grupo de pessoas, a equipa de Frey avaliou o sistema imunitário, os níveis de stress, a raiva e o humor. O objetivo era compreender os efeitos do choro nos participantes. As conclusões não são de espantar: chorar melhorou o humor de quase 90% dos voluntários, fortaleceu os seus organismos e reduziu os níveis de stress. Numa entrevista ao The New York Times, com data de 1982, Frey esclareceu: "O choro é um processo exócrino, isto é, um processo no qual uma substância sai do corpo. Outros processos exócrinos, como exalar, urinar, defecar e suar, libertam substâncias tóxicas do corpo". E concluiu: "Há todas as razões para se pensar que o choro faz o mesmo, libertando substâncias químicas que o corpo produz em resposta ao stress".

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Foto: @dovecameron

Entendemos que chorar faz bem — dúvidas houvesse, o alivio sentido após um ataque de choro cá estaria para o confirmar. O paradoxo que vamos encontrar entre o choro e as redes sociais é, porém, o seguinte: publicam-se selfies a chorar e colapsos emocionais nas redes sociais porque nos sentimos cada vez mais sós e, no entanto, são as próprias redes sociais que, muitas vezes, exacerbam esses sentimentos de solidão, de acordo com estudos. Selfies a chorar e autenticidade — com curadoria — revelam-se apenas as mais recentes tendências das plataformas sociais projectadas para nos manter a todos imbuídos nas suas aplicações. Assim sendo, publique uma fotografia lavada em lágrimas no seu feed do Instagram se quiser, mas vá dar uma volta com um amigo ou ligue para um profissional de saúde mental.

Foto: @verakolodzig
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