Histórias de Amor Moderno: “Nessa noite de copos e aroma a castanhas assadas, saiu atrás do grupo das miúdas - eram espanholas e ele estava muito bêbado”
“Perguntou-lhe se estava a conduzir, ele disse que sim. ‘Então, encosta”, ordenou-lhe, mas ele disse que não podia, que estava na ponte. ‘Quando chegares a casa, preciso que arrumes as tuas coisas e que te vás embora.’” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Sei que era outono porque nas esquinas da Baixa de Lisboa havia vendedores de castanhas. O fumo dos assadores e o cheiro das castanhas assadas davam às ruas antigas da cidade um charme farrusco, que ajudava a suavizar o desconforto do ar húmido e frio junto à frente ribeirinha.
Fomos todos jantar. Éramos uns 16, talvez 18 ou até 20. Quem sabe? Éramos muitos. Fazíamos parte de um grupo online onde se misturavam debates sobre música, principalmente indie, e futebol, sobretudo piadas idiotas e discussões parvas que, por norma, partiam de picardias clubistas e sem sentido. Esses jantares tinham a graça de juntar à mesa antagonistas de teclado, que, numa circunstância diferente e mais pessoal, olhos nos olhos, com uma cerveja à frente, passavam a reunir condições para se tornarem melhores amigos em vez de rivais.
Nessa noite, como noutras ocasiões em que nos juntámos para jantar, bebemos muito. O ritual começava diante do tasco eleito para o banquete, bebendo cervejas; continuava lá dentro, com vinho barato; estendia-se ao exterior, depois de jantar, até uma taberna ou um bar próximo do tasco do jantar. E, depois, entrava-se numa espécie de after-party: quando todos estavam severamente embriagados e a maioria tinha de recolher a casa para descansar - “amanhã é dia de trabalho” -, havia sempre um grupo de resistentes boémios que pensavam “opá, que se dane o trabalho”, e que insistiam em continuar na espiral descendente de álcool e disparates, cantorias e debates absurdos, rumo ao desconhecido, parando em locais não assinalados no plano só para beber mais qualquer coisa.
Entrámos num pequeno clube que ocupava dois andares de um prédio. Era uma espécie de associação onde havia concertos e DJs, bebidas baratas e arte. Podia-se fumar lá dentro, não porque a lei permitisse, mas porque o dono - que não era dono, era o dirigente associativo que presidia ao clube - deixava, porque também ele fumava, bem como todos os elementos que compunham a direção e o staff.
O bar estava pouco menos que vazio quando entrámos. Dois ou três clientes aleatórios e solitários espalhados pelo espaço, o ocasional casalinho a um canto, um grupo de miúdas novas, talvez estudantes de Erasmus, lá em baixo na pista. Ficámos ao balcão, pedimos várias rodadas. Até que alguém perguntou “onde é que se meteu o Rodolfo?”. O grupo dividiu-se entre os que partilharam do sentimento de intriga e de imóvel estupefação - realmente, o que seria feito do Rodolfo? - e os que foram apanhados de surpresa - mas o Rodolfo também tinha vindo connosco?
Soube do Rodolfo meses mais tarde. Estava a viver em Madrid. Conversámos online pelo chat. Contou-me que, nessa noite de copos e aroma a castanhas assadas, saiu atrás do grupo das miúdas - eram espanholas e ele estava muito bêbado. Decidiu que ia atrás delas e meteria conversa. Foi o que fez. Conversaram, uma delas achou-lhe graça. Chamava-se María, “com acento no i”, disse-me ele. Começaram a namorar nesse mesmo dia, tornaram-se próximos, foi tudo muito rápido. Passaram-se talvez dois meses, ela decidiu ir para Madrid fazer qualquer coisa, perguntou-lhe se ele queria ir com ela, ele disse-lhe “porque não?” e foi também. E pronto, lá estava. O pai dela vivia bem, ajudava-a com tudo, aluguer da casa incluído. Contou-me tudo. E depois ficámos, talvez, sete, oito anos sem sabermos nada um do outro.
Há um par de semanas, decidi substituir parte substancial da minha mobília da sala. A configuração da família mudou, o apartamento encolheu, surgiu a necessidade de aderir ao minimalismo mágico - já agora, uma tendência que só descobrimos que faz todo o sentido quando a pomos em prática: toda a vida precisei disto, só que não sabia. Como não gosto de deitar coisas para o lixo a não ser que seja absolutamente inevitável, decidi publicar nas minhas redes fotos de algumas das peças com uma legenda simples: “Se alguém quiser, DM - é só vir buscar cá a casa.” Recebi muitas mensagens em pouco tempo, o que diz tanto acerca do meu bom-gosto, como do bom estado das peças, como ainda - ou, talvez, principalmente - do grau de sucesso financeiro das pessoas do meu círculo de conhecimentos.
Uma das pessoas que me enviaram mensagens era o Rodolfo. Sete ou oito anos depois de me contar sobre a sua louca aventura em Madrid, que começou, na verdade, numa noite de copos do nosso velho grupo, reapareceu do nada. Queria uma pequena estante de livros. “Claro que sim, vem buscar” e dei-lhe a morada. No dia seguinte, lá estava ele a tocar-me à porta. Dispus-me a levar-lhe a estante no meu carro, mas disse-me que não valia a pena, que a casa dele era perto, mesmo aqui ao lado. “Não sabia que vocês viviam cá no bairro. É assim tão perto?” Corrigiu-me: sim, vivia perto. Mas no singular. Ele e María - com acento no i - tinham-se separado há alguns meses. Era uma história triste.
Quando se separaram, viviam em Alcochete. Ele trabalhava em Lisboa e todos os dias regressava do trabalho, ao fim da tarde. Não percebi por que me contava esses detalhes, mas deixei-me ficar a ouvi-lo. “Um dia, ia eu na Vasco da Gama de regresso a casa, ela ligou-me.” Perguntou-lhe se estava a conduzir, ele disse que sim. “Então, encosta”, ordenou-lhe, mas ele disse que não podia, que estava na ponte. “Ok, então digo mesmo assim: quando chegares a casa, preciso que arrumes as tuas coisas e que te vás embora.”
Não consegui processar de imediato aquela história, “o quê?”, indaguei. “Acho que não percebi.” “Exatamente”, disse-me ele, e sorriu, incrédulo. “Nem eu percebi. Demorei semanas até que a ficha me caísse e eu conseguisse aceitar aquele final.” Fora posto na rua. Do nada, sem aviso. Perguntei-lhe se não tinha lutado pela casa, respondeu-me que nada havia a fazer. “A casa é do pai dela”, esclareceu. “De qualquer modo, depois de me ter feito isto, eu seria incapaz de lhe pedir o que quer que fosse.” Trouxe a roupa e o calçado que pôde, alguns livros, alguns discos e quatro garrafas de vinho que tinha guardadas, com estima, numa ilusão de garrafeira, mas com vinhos medíocres que queria deixar envelhecer na esperança de que melhorassem com o tempo.
Comprou um colchão, para começar. Com o tempo, conseguiu juntar mais alguns iténs, “umas mantas, uns tapetes, alguns candeeiros, talheres, loiças, coisas assim”. Partilha agora casa com outros dois rapazes, muito mais novos. Um deles estuda e fuma, o outro fuma e trabalha num call-center. Vivem a um quarteirão de mim, num pequeno apartamento ao qual subtraíram a sala, para poderem acomodar o terceiro elemento - o Rodolfo - e, desse modo, baixar o peso da renda no orçamento de cada um.
“Não me julgues”, disse-me, e eu encolhi os ombros como quem diz “nunca o faria”. “Aos poucos, vou-me recompondo.” Diz que se sente orgulhoso por ter mantido a dignidade. Quando o disse, abracei-o. Senti, também eu, orgulho nele. E, ao mesmo tempo, senti compaixão. Não como se tivesse pena do Rodolfo, mas antes como se me doesse conseguir imaginar a sua mágoa e a sua desilusão. “Toma, leva também isto” - e ofereci-lhe a melhor garrafa de vinho que tinha em casa.
*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

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