“Festa de 15 anos” é a peça do encenador Mickaël de Oliveira em cena no Teatro Carlos Aberto, no Porto. Colonialismo, identidade de género, e a noção de herança são alguns dos temas que sobem ao palco - e que levam à reflexão fora dele.
Foto: Bruno Simões11 de dezembro de 2020 às 12:28 Joana Moreira
A história de ‘Festa de 15 anos’, a nova peça do encenador Mickaël de Oliveira e do dramaturgo Diego Bagagal, começou a ser desenhada antes da pandemia. Hoje apresenta-se com algumas alterações: é mais curta, tem menos materiais em vídeo, mas a vontade de interrogar a herança da colonização, a noção de património e a padronização da identidade de género permanece.
Este é o retrato de uma família tradicional portuguesa rica que decide adotar um jovem brasileiro com o objetivo de ali encontrar um dador de órgãos para a filha mais nova e herdeira do património. Para receber o jovem, a família organiza uma festa, qual baile de debutantes, para apresentar o novo membro à sociedade. É nessa festa que uma série de situações trágicas se sucedem.
Em entrevista à Máxima, Albano Jerónimo, que veste a pele do poderoso homem de família, explica como a essência desta peça se concentra na palavra "herança": "O que é que nós fazemos com esta herança, com este património que nos é passado de geração em geração, como é que nós diluímos isso, como é que nós a adaptamos à nossa realidade, à nossa idade, às nossas circunstâncias". No fundo, "é o tema que congrega todos os assuntos que abordamos neste espetáculo", concorda o encenador Mickaël de Oliveira. "É a herança cultural, genética, financeira, e também a herança colon
ial. Como é que hoje a nossa geração que está no poder e que vai liderar o país (e que já está a fazê-lo), uma geração que se assume de transformação, como é que ela lida com isto? E como é que queremos rescrever a história?", diz.
No decorrer da peça, nunca se depreende o género da personagem principal, interpretada por Diego Bagagal. Porque não importa. "Desde criança essa nunca foi uma questão. Para mim e para uma geração até agora muito atual o género... Eu nunca me senti homem nem mulher e gosto dessa transição. Mesmo nos ensaios com os atores, não é uma questão para ninguém. É uma questão que [existe] além [disso]. O género é mesmo uma performance", explica.
O que é uma questão (e o que não é) é o que fica à mercê da reflexão do público. "Qualquer pessoa que vá ver um espetáculo depois fica com o que quiser, nós não resolvemos questão alguma, mas expomos. Acho que é um trabalho de exposição. De ideias, de pequenos conflitos, que acontecem em surdina quase", diz o encenador.
Diego Bagagal, o dramaturgo e aqui, também, ator brasileiro que vive em Portugal desde 2017, sublinha que "o espetáculo, apesar de ter todo esse tema da descolonização, é interessante porque não é moralista". "Até mesmo a personagem do Albano, que é muito importante para a minha personagem, tem uma relação de amor com essas pessoas, é uma coisa mais concreta. Não é um mau ou bom", remata.
Foto: Bruno Simões
Além de Albano Jerónimo e Diego Bagagal, o elenco conta ainda com Ana Pinheiro, Diana Sá, Jani Zhao, Luís Araújo, Carlos Melo, Mafalda Lencastre e Maria Inês Marques, numa peça em que as personagens têm o nome dos atores que as interpretam. "É mais fácil nos ensaios dizer Jani ou Albano. E também, porquê inventar um outro nome? Quando alguém me explicar porque é que as personagens ou as figuras têm um nome...", lança o encenador, admitindo que a única exceção a esta regra é o nome da personagem principal, uma espécie de "entidade" e "surpresa" que assim se demarca das demais.
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A peça está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, até domingo. Em 2021 passará, pelo menos, por Loulé, Guimarães e Ovar.