Randi Charno Levine. Uma hora com a embaixadora dos EUA em Portugal

Esta semana, uma série de conferências sobre a democracia celebram a arte que passa pelas embaixadas americanas no mundo. Encontro com a embaixadora americana na sua residência onde um sem fim de obras tentam espelhar o mundo e as suas inquietudes.

Foto: Embaixada dos EUA
06 de junho de 2023 às 16:52 Tiago Manaia

É preciso subir as colinas da Lapa, em Lisboa, para avistar a Casa Carlucci. Tem nome de filme, hollywoodiano ou de outra época, este antigo palacete construído em 1878. O governo e a burocracia americana começaram a operar aqui em 1927. Antes de chegarmos, ouvimos vozes alegres de crianças a brincar, no recreio do Colégio Sagrado Jesus, observámos a fauna de nómadas digitais nas esplanadas com computadores portáteis.

Estamos numa das zonas mais cosmopolitas da cidade, o português começa a escassear nos menus dos cafés, onde os nómadas se aplicam no teletrabalho feito à distância de vários países. Assim que chegamos à Carlucci House, acedemos a uma sala de espera, onde somos recebidos pela equipa da embaixadora dos EUA.

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Randi Charno Levine recebe-nos no topo de uma gigantesca escada de madeira, ao seu lado está um pequeno desenho do icónico artista queer Keith Haring e outro quadro com uma simples frase, "Ain’t I a Woman" ("E eu não sou uma mulher?") do escultor afro-americano Hank Willis Thomas. "Achei que poderia ser algo engraçado e um pouco irónico, uma vez que sou apenas a segunda mulher a exercer funções como embaixadora aqui em Portugal. Investiguei esta peça e a frase nela escrita foi dita por uma abolicionista e ativista dos diretos das mulheres afro-americanas (chamava-se Sojourner Truth), lutou pela igualdade das mulheres", diz-nos Randi. 

Foto: Embaixada dos EUA

Com um olhar claro e direto, fala de forma rápida e com um pensamento que se revela extremamente organizado. "Tenho orgulho no que a administração de Biden fez colocando mulheres em altas funções de poder, sinto que quando vim para Portugal, enquanto mulher, houve áreas nas quais tive de trabalhar mais e preparar-me para ser aceite como uma pessoa que fala de negócios ou cyber segurança... Trabalhei para ter a certeza que estava a representar o meu país de forma tal que o género não fosse algo importante."

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Perguntamos então a Randi se é mais difícil quando se é mulher? É preciso trabalhar mais? Sorri, faz uma pausa, "às vezes sim, outras não. Uma mulher tem muitas vezes a propensão para ser intuitiva e sabe lidar com pessoas, consegue ter os mesmos resultados através de um processo suave – se ser suave for uma opção. Em Portugal tenho sido bem recebida, impressiona-me a paridade no governo, sei que tem sido feito um esforço para tal."

Nas redes sociais, Randi cultiva uma imagem dinâmica, podemos vê-la ao lado de figuras de estado como Marcelo, ou o diretor do FBI, mas também podemos acompanhar o palpitante desafio que lhe foi feito, há alguns meses, pelo surfista Garrett Mcnamara. Aventuraram-se num jet-ski, cortaram as ondas da Nazaré que atraem multidões do mundo inteiro. "Estava nervosa, confesso, só que não podia perder esta oportunidade, queria também honrar esta paisagem tão importante para Portugal e aquilo que tem feito relativamente ao turismo local." Caminhamos ao seu lado, o chão de madeira da embaixada faz os saltos altos de Randi ecoar na gravação da nossa conversa, guia-nos pelos corredores onde uma fotografia de Helena Almeida se cruza com uma imagem inesquecível de Nan Goldin – fotógrafa americana e celebre ativista dos direitos LGBTQI+, há mais de quatro décadas que documenta a comunidade, sobretudo na época em que os governos evitavam evocar os homossexuais que morriam vítimas de sida. Nan Goldin já os tinha tornado centrais no seu trabalho.

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Na embaixada, as velas de Fátima por si fotografadas são esmagadoramente belas e simbólicas. "Para mim a arte é sobre passar mensagens, as pessoas juntam-se através das artes em geral e falam dos seus sonhos, preocupações, falhas ou desafios. Aqui estamos a representar a diversidade dos EUA, por isso quis que esta coleção (pensada com a curadora Ana Sokoloff) fosse sobre vozes contemporâneas, e que fossem evocados temas de agora, queria falar de problemas contemporâneos, e mesmo na maneira como coleciono arte tento celebrar a diversidade." A embaixadora fala agora sem pausas. "E, por isso, sim, tenho 50% de mulheres, uma forte representação LGBTQI+ e artistas afro-americanos, asiático-americanos, judaico americanos, palestino-americanos, irano-americanos (...) são estas vozes que penso ser importantes, falam dos problemas das suas comunidades e falam ao mundo, lideram na democracia e na representatividade." 

Randi abre uma porta de vidro que dá acesso a um gigantesco jardim nas traseiras da casa. "Vejam o que tenho ali ao fundo, veio da parte da minha amiga Joana Vasconcelos". Olhamos para um bule de chá gigante e metálico, onde mais tarde se vai sentar para uma fotografia, como Alice num País de Maravilhas, a arte internacional presente consegue dialogar com a comunidade de artistas portugueses.

Foto: Embaixada dos EUA

Como reagem os nacionais à sua presença, quando os visita os seus ateliers ou galerias? Perguntamos.

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"Muitas vezes ficam surpreendidos por uma embaixadora se querer encontrar com eles, mas o meu background é precisamente artístico, os artistas sabem que sou autêntica, dizem-me que os percebo, que sou uma deles." Assim conheceu Sam The Kid num encontro de diplomacia à volta do hip-hop e levou cantores da diáspora portuguesa a celebrar o Black History Month. Gospel foi dançado na Casa Carlucci.

O seu papel de embaixadora estreita as relações entre Portugal e os EUA.

O programa Art In Embassies, tenta tornar visível a arte americana nas embaixadas de todo o mundo, celebra o seu 60º aniversário com uma série de conferências sobre a democracia em Portugal. Artistas portugueses juntam-se aos debates na Gulbenkian, na Universidade Católica ou na Fundação EDP. Randi dirige-se para o centro de assoalhada principal, onde está uma pintura de Kehinde Wiley, Barack Obama foi por ele pintado para a Smithsonian National Portrait Gallery, fez História tornando-se o primeiro artista negro assumidamente gay a pintar um retrato oficial de um presidente. A tela que está exposta em Lisboa é impressionante, o barroco mistura-se com a linguagem do streetwear, um negro deverá ser um próximo delfim. 

Foto: Embaixada dos EUA

Esta curadoria vincadamente LGBTQI+ entusiasma-nos e também nos intriga. Em Portugal contam-se, apenas por uma mão, as figuras do meio político a assumir a sua sexualidade publicamente. Perguntamos a Randi se a força LGBTQI+ das obras presentes na coleção da embaixada nunca suscitou reações negativas nos seus convidados. Responde: "o meu trabalho apresenta os EUA às pessoas em Portugal, apresenta a nossa visão de igualdade e justiça social, nunca senti nenhuma negatividade, se ela existe nunca me foi dirigida. E sobretudo, eu não estou a dar sermões a ninguém." Vira-se para uma fotografia de Catherine Opie na qual são fotografados tecidos pendurados, "é uma fotografia do guarda fatos da Elizabeth Taylor e acho isto muito cool, algumas obras de arte são expansivas outras mais subtis, as pessoas podem dar-lhes a importância que querem, e eu só tenho recebido positividade. É óbvio, as pessoas podem ver muitos layers diferentes numa obra de arte." Randi foi membro do "Friends of the Costume Institute" do Metropolitan Museum of Art. 

Foto: Embaixada dos EUA

Na Casa Carlucci passamos perto de uma fotografia sua ao lado de Anna Wintour. "Para mim a moda é também uma forma de autoexpressão. A moda consegue dar-te uma espécie de instantâneo de uma época e não estou a falar de roupas caras, estou a falar de como as pessoas se exprimem. É como a arte de alguns períodos e para a qual as pessoas agora olham... Se pensarmos em mulheres como Paula Rego ou Beatriz Gonzalez, nos anos 60, percebemos o trabalho extraordinário que estavam a fazer e como era representativo daquele momento, na altura não eram de todo reconhecidas por tal." A arte como mote de esperança ou um novo sonho americano.

Foto: Embaixada dos EUA
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