O pedido era simples: "Enviem-me tudo o que já vos escreveram de indevido ou abusivo via redes sociais." Basta o facto desta autora ser mulher para saber que, à partida, não seria difícil recolher testemunhos deste tipo de assédio, mas o que se seguiu foi um rol de mensagens de carácter repugnante, infantil, altamente desrespeitoso ou tudo isto ao mesmo tempo. Mensagens vindas de desconhecidos ou mais ou menos conhecidos, de todas as áreas, estratos sociais e géneros. Uma versão dos trolls da internet ainda mais repulsiva, ou uma alternativa aos piropos na rua não menos grave. Num mundo virtual, o problema não só persiste como se esconde por trás de um ecrã, sem corpo e sem responsabilidade.
Pedi-lhes para me descreverem estes homens. As versões são muitas. Casado, com filhos, discreto; boémios que acham que são pintarolas; amigos das celebridades e dos influencers; figuras da noite e do dia; presidentes da câmara; agentes imobiliários. E a lista continua. Todos eles ligados pela mesma noção: nenhuma.
Um estudo levado a cabo pelo Center for Countering Digital Hate (CCDH) - e mencionado num artigo do The Washington Post sobre o tema - analisou mais de 8.700 mensagens diretas a cinco mulheres famosas no Instagram, incluindo Amber Heard, concluindo que a rede social não conseguiu agir em 90% dos casos de abuso. A maior conclusão é precisamente essa: a falha do Instagram em tratar de casos de denúncias de abuso e manter a segurança das mulheres põe em causa a eficácia das ferramentas de segurança desta rede social.
Célebres ou não, as mulheres que aceitaram partilhar exemplos de mensagens que recebem com alguma regularidade ficam, regra geral, incomodadas e intimidadas, até porque algumas delas conhecem socialmente os autores das mesmas, o que faz com que muitas não digam nada.
"Podias ser a tampa para a minha caneta" ou "não me importava nada de ser esse gelado", são alguns exemplos dos comentários recebidos. Mas há mais: "Hoje vi-a ao pé do jardim, estava muito gira" e "que mundo pequeno, cruzámo-nos na última sexta-feira à noite", sugerindo que a pessoa está a ser observada; "Pode pedir-me tudo, menos emprego", vinda de alguém com poder e ainda "Hoje sonhei consigo mas não posso dizer o que sonhei", versão mais discreta, mas não menos desajustada.
Depois, os mais insistentes, os mais abusivos, a versão mais bully. "Eu gosto de ti. Quando for aí, vou pedir-te em namoro pessoalmente. Começa já a pensar em dar-me uma chance. Eu mereço." Insistindo, quando questionado porquê: "Porque sou bom rapaz e vou fazer-te feliz, e mereço. Mereço porque tudo o que sinto por ti é sincero." E voltando a insistir, quando pedido que parasse e depois te ter sido informado que não havia interesse do outro lado. "Espero até que estejas preparada para estar numa relação. Pode ser? Só não te quero perder antes de te ter. Estou disposto a tudo. Está aqui o teu futuro namorado" – seguindo-se uma fotografia do mesmo. Ainda na liga dos insistentes, há os que forçam encontros. "Bem me parecia que a tinha visto, no sábado passado" referindo-se a um bar. Do mesmo indivíduo: "Por acaso não joga padel ou ténis? A sua cara não me é estranha." Ainda do mesmo, semanas mais tarde: "Eu acho que conheço a sua cara de algum sítio é possível?" Esta mulher, na casa dos 20, tem dezenas de pedidos de mensagem direta, entre eles homens que se acham na propriedade de fazer outros comentários como: "O teu Instagram é uma dor de cabeça, miúda", "És tão bonitinha, porra", ou "Já me deixavas ver-te ao vivo, não?".
Outros, numa versão ainda mais reboscada, avançam com nudes (imagens de nus explícitas), mostrando partes do corpo. "Mal tinhamos começado a falar, enviou-me a fotografia, bloqueei-o de imediato", diz-nos outra testemunha. Outra mulher conta-nos que recebeu uma fotografia sua manipulada de forma a torná-la mais sexual, acompanhada de um convite para um encontro. O envio da fotografia foi único, mas as sugestões de encontros repetiram-se durante várias semanas.
Há quem sugira mesmo prostituição. "Olá querida, acho-te muito atraente, e honestamente adorava que fosses a minha ‘sugar baby’, informo-te das minhas intenções para que saibas. Posso pagar-te um valor semanal e oferecer-te presentes. É basicamente pagar pelo teu tempo e atenção."
Como a função de mensagem direta do Instagram (ou MP) é privada e funciona como uma caixa de entrada de correio eletrónico, torna-se especialmente perigosa. "Embora a violência pública baseada no género em plataformas digitais seja comum, as mensagens diretas são menos monitorizadas, pelo que os assediadores podem operar em segredo", escrevem Taylor Lorenz e Elizabeth Dwoskin, autores do mencionado texto do The Washington Post.
"Assédio, ameaças violentas e abusos sexuais baseados em imagens podem ser enviados por estranhos, em qualquer altura e em grandes volumes, diretamente para as caixas de mensagem sem consentimento e as plataformas não fazem nada para o impedir", conclui este relatório. Em todo o caso, e antes de qualquer rede social, existem seres humanos, e a intuição é a primeira reação: se soar perigoso, pelo sim, pelo não, bloquear e banir quem faz este tipo de comentários é o mecanismo de defesa mais eficaz.
*Se sofre ou sofreu de assédio via Instagram, contacte as linhas de apoio da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) através do 21 358 7900. A associação tem um separador dedicado à violência sexual online, que pode ser consultado aqui.