O thriller escrito no comboio que vendeu milhares

O escritor espanhol Javier Castillo fez um upload do seu romance policial na Amazon. E foi à sua vida. Alheio ao sucesso do livro, só percebeu que tinha de deixar o emprego em gestão quando chegou às 50 mil vendas em poucos meses.

22 de março de 2019 às 17:07 Rita Silva Avelar

Nada fazia prever que Javier Castillo, nascido em Málaga e licenciado em Gestão de Negócios (com mestrado em Gestão da ESCP Europe em Madrid, Xangai e Paris) começasse a escrever um romance policial. A realidade deste espanhol, apesar de gostar de literatura, eram os números, e não as letras.

Começou por escrever micronarrativas, em pequeno, e já depois de estar a trabalhar em finanças corporativas, decidiu começar um romance. Houve um dia em que um sonho despoletou um início de uma história e a imaginação não o deteve: pelo contrário. Como nenhuma editora queria publicar de imediato o seu livro, fez um upload online do mesmo – na Amazon. Depois de publicar O dia em que perdemos a cabeça, Javier estava completamente alheio ao sucesso que o seu primeiro romance viria a ter. Acabou por ser contactado por quase todas editoras de Espanha, e a vender mais de 275 000 cópias. Depois de Itália, México e Colômbia, o livro chegou Portugal. Além disso, está prestes a ser adaptado para uma série televisiva inspirada. Em Portugal, e aquando do lançamento Javier Castillo conversou com a Máxima no Hotel Flórida, em Lisboa.

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O que é que o levou a começar a escrever? Em criança que livros gostava de ler?

Lembro-me que lia muitos livros infantis… Mais tarde comecei a ler os livros da Agatha Christie, lia o mesmo livro duas ou três vezes, porque de cada vez que lia encontrava novos detalhes que me tinham escapado. Nessa altura lia um livro por semana. Aos 12 ou 13 anos comecei a escrever contos pequenos inspirados em Agatha Christie, eram micronarrativas de suspense. Não mostrava a ninguém, só aos meus pais (risos). Mais tarde, fui atrás do que me diziam, que não era possível viver da escrita ou da literatura, e fui estudar Finanças.

Trabalhou, assim, vários anos como consultor de finanças…

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Dediquei-me ao mundo das Finanças, mas continuei a escrever como hobby, e a ler também. Quando tinha tempo livre, não era, obviamente, para ler livros de finanças. Um dia tive um sonho que é o início de O dia em que perdemos a cabeça. A partir daí idealizei toda a trama. Como não tinha tempo para escrever, era no comboio, caminho de casa para o trabalho e vice-versa, que o fazia. Era uma viagem de 50 minutos todos os dias. Terminei o romance no comboio… Enviei a quatro editoras, uma das quais pediu-se para esperar um ano para publicar o romance, e eu disse que não.

E depois?

Então, fiz um upload online. Entretanto, voltei à minha vida normal, ao meu trabalho, e duas semanas depois decidi ir ver como estava o progresso. Já era a Nº 1 na Amazon, e o meu e-mail estava cheio de e-mails de editoras espanholas com propostas! Nunca pensei, ainda assim, que fosse porque as pessoas estavam mesmo a gostar, mas que podia passar-se algo com o algoritmo da Amazon ou que poderia estar a ser mais sugerido que outros livros.

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Foi nessa altura que deixou o seu trabalho?

Deixei o meu trabalho quando cheguei aos 50 ou 60 mil livros vendidos. Não conseguia ir às promoções, e tinha que andar a correr. Em três meses era o número 1 [dos mais vendidos] em Espanha, em 2018.

Dizem que os sonhos provêem do nosso subconsciente. Foi isso que sucedeu?

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Sim, são coisas a que não prestamos atenção no momento, mas que depois se juntam como peças. No outro dia tive um sonho estranho, onde fui a uma loja de roupa conhecida, subi ao sótão da loja e estava lá a decorrer uma festa de animais, não soube explicar aquilo. Mas sabia recorrer ao sonho para integra-lo num romance, por exemplo. Aqui, a ideia é ir a um sitio mundano e encontrar algo surpreendente.

Qual é o seu melhor conselho para um jovem escritor?

Fui a um curso de escrita, aborreci-me nas primeiras horas. O melhor curso que se pode ter é ler, e tentar ler como escritor não como leitor. Pensando porque quanto é que cada capítulo conta, porque é que o autor decidiu contar [a história] daquela forma. Perceber o sentido de um diálogo, porque há sempre uma razão para o escritor ter escrito determinada frase: ou mostrar um traço da personalidade, ou mostrar o passado da personagem…

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Nunca pensou em ser jornalista?

No momento de escolher a carreira, sim. Mas tinha a sensação que não iria escrever aquilo que queria, mas sim aquilo que as pessoas queriam que escrevesse. Nas finanças, tinha a sensação de que poderia controlar tudo: ou seja, tudo tinha que encaixar, somar… uma sensação de não se poder estar equivocado. Na escrita [como escritor] tenho a liberdade de escrever o que quero, o único limite é manter as pessoas entretidas.

O thriller é o mais difícil, nesse desafio de cativar os leitores?

O thriller é o género que permite surpreender mais. Por exemplo, no capítulo dois pode narrar-se uma explosão de um carro. Claro que fazer este tipo de narração tem os seus riscos, o de não parecer verdadeiro, o de parecer absurdo… É preciso ser-se honesto, e seguir as regras do bom senso.

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O que é mais difícil no processo de entrar na cabeça do assassino?

Conheço muito bem o mundo da psiquiatria… Por causa alguém muito próximo de mim. Claro que no romance coloco uma dose de intensidade maior nas personagens, para que seja mais surpreendente.  É um tema sobre o qual penso há muito tempo, a loucura, e como saber se alguém está louco. Nos EUA, se um psiquiatra considera alguém louco, essa pessoa é imediatamente internada e obrigada a permanecer até ficar bem. Mesmo que a família ou a própria pessoa não queira. Esse mundo sempre me chamou muito à atenção. Daí o relato da pessoa que caminha com a cabeça decapitada pelas ruas… No livro. Esta história, que conto, é tudo menos o que parece.

E agora vem aí uma série inspirada no livro. Qual foi a sua reacção quando o contactaram para tal?

Quando me contactaram, fiquei surpreendido. Por fim fechamos essa ideia com uma das melhores produtoras de Espanha, e estamos no processo de construir guiões. É tudo muito surpreendente, porque eu não sabia que ia ter sequer sucesso com o livro quanto mais que ele desse origem a uma série.

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Quais são os seus próximos projetos?

Um novo livro que já está escrito. Sai em Espanha muito em breve: chama-se "Todo lo que sucedió con Miranda Huff". É um thriller psicológico, claro.

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