O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Atual

Instapoemas, a tendência literária que divide opiniões

Não será um novo género literário, mas é certamente um fenómeno que interessa observar: serão os instapoemas um pertinente reavivar da poesia ou apenas uma forma de denegri-la?

21 de março de 2019 às 14:34 Máxima

Comecemos por explicar o conceito. Os instapoemas são um fenómeno da poesia que encontra, em redes sociais como o Instagram, a sua forma primordial de divulgação. Através do crescendo do número de seguidores e gostos aos posts publicados – que no Instagram são imagens tiradas a um verso ou a um poema, nunca muito extenso –, o consequente sucesso acaba por traduzir-se em convites para que o trabalho seja publicado em livro. E é aqui que a polémica estala. Há escritores ditos de referência a criticarem a qualidade dos poemas.

"Achava que teria de ser uma atriz ou uma estrela pop para ser convidada do programa." Foi assim que, em junho, a instapoeta de maior sucesso do mundo, a canadiana de ascendência indiana Rupi Kaur, começou por falar no programa de televisão norte-americano The Tonight Show, apresentado por Jimmy Fallon. Ao que o apresentador respondeu: "A poesia é a nova pop! Absolutamente." Rupi Kaur, de 25 anos, tem 2,8 milhões de seguidores no Instagram. O livro decorrido desse êxito, Milk and Honey (2015; Leite e Mel, Lua de Papel, 2017), foi best-seller do The New York Times e conseguiu a proeza de vender mais de um milhão e meio de cópias. "when you are/ full/ and I am/ full/ we are two suns" ("quando estás/ cheio/ e eu estou/ cheia/ somos dois sóis") – este poema de 21 de julho de Rupi Kaur no Instagram tinha, à hora de fecho deste texto, 219.414 gostos.

Estas instapoetas, na sua maioria mulheres – como Amanda Lovelace, Yrsa Daley-Ward, Lang Leav, Nayyirah Waheed ou Warsan Shire –, traduzem fenómenos que, dizem os apologistas, fizeram com que a poesia se tornasse viral, reavivando o género. Já para não falar na questão económica dos livros que publicam, autênticos best-sellers. O sucesso foi construído na razão inversa à dos poetas que são dados a conhecer da forma dita tradicional, até porque primeiro criam público através do número de seguidores que conseguem cativar e só depois publicam em formato livro o que escreveram – uma compilação do que postaram ao longo de meses e anos nas redes sociais.

O número de seguidores de Rupi Kaur subiu em catadupa quando, em 2015, denunciou no Facebook a censura a que foi sujeita por parte do Instagram, por lhe ter bloqueado duas vezes uma fotografia em que aparecia deitada de costas, com as calças sujas pela menstruação. Feminista assumida, Rupi disse, na altura: "Não vou pedir desculpa por não alimentar o ego e o orgulho da sociedade misógina que aceita o meu corpo em roupa interior, mas não aceita uma mancha de sangue nas suas páginas. Elas estão repletas de fotografias/contas em que as mulheres (muitas menores de idade) são objetificadas, pornografadas e tratadas de forma menos humana."

Milk and Honey é uma coleção de poemas que aborda temas como violação ou alcoolismo, escritos de forma simples e curta – acessível. Kaur completa as narrativas com ilustrações da sua autoria, que funcionam como "pontuações visuais", como referiu em maio de 2017 ao The Guardian. Na entrevista que deu a Jimmy Fallon em junho, Rupi Kaur revelou que o cantor britânico Sam Smith tem um dos seus desenhos tatuado no corpo.

"O Instagram é uma coisa quase orgânica, faz parte da minha geração", diz o instapoeta português Pedro Rodrigues à Máxima. Autor da página pedrorodrigues_official, tem 31 anos e 42,8 mil seguidores no Instagram. Natural da Figueira da Foz, é licenciado em Engenharia Civil e prepara-se agora para fazer uma pós-gradução em marketing digital. Foi um primo, gestor de redes sociais, que o incitou a criar o blogue Os Filhos do Mondego, onde reunia as coisas que ia escrevendo. Daí às redes sociais, foi um tiro. Com um livro de prosa publicado, (A)mar (Chiado Editora, 2017), conta editar, até ao final do ano, um novo livro com a poesia que tem divulgado nas redes sociais e ainda alguns inéditos.

"Estria: É a beleza escrita/ em braille/ no teu corpo." É um dos poemas mais recentes de Pedro Rodrigues. Dois dias após a publicação, contava com 1.300 gostos. "Não queiras metades/ Porque tu mereces tudo.": 2.200 gostos, seis dias após a publicação. O perfil destes poemas parece ser claro: quanto mais curtos, mais gostos. "Não estamos a gerir conteúdos, estamos a gerir egos, a gerir pessoas. Não é por acaso que temas como o amor e o desamor, que é comum a todos, são dos mais explorados", explica Pedro Rodrigues. "Os temas sociais já não são assim, não podemos agradar a gregos e a troianos." Pedro Rodrigues diz, inclusive, que já foi abordado para integrar campanhas políticas, "para levar os seguidores atrás", e recusou sempre. Apesar do sucesso da página, Pedro Rodrigues diz não conseguir viver ainda das redes sociais.

Mas o fenómeno da instapoesia é também muito criticado e há inclusive páginas que brincam com este tipo de poemas. A questão que se coloca é, em essência: trata-se de poesia? Em Portugal, o meio literário manifesta-se igualmente nas redes sociais em relação a este tipo de escrita. Excertos de livros de autores como Pedro Chagas Freitas, Raul Minh’Alma ou Afonso Noite-Luar são partilhados de forma regular nas redes sociais, sujeitos a troça. A lógica é a mesma da dos poemas: este tipo de literatura é escrito de maneira a poderem destacar-se máximas que seguem a lógica de sucesso dos instapoemas. "A mulher inteligente aquece. As outras nem aquecem nem arrefecem", excerto de Prometo Falhar (Marcador, 2014), do qual resultou um filme, partilhado na página de Facebook de Pedro Chagas Freitas.

"Não leio esses poetas com muita atenção", revela Maria Teresa Horta à Máxima. A poeta admite ter um perfil de Facebook, plataforma que alega ser muito perigosa e superficial, apenas para divulgar a sua poesia. É o seu marido, o jornalista Luís de Barros, quem gere a sua página oficial. "No meu perfil, publico um poema todos os dias. É uma promessa que fiz a mim mesma", diz a escritora feminista que foi uma das Três Marias, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, autoras do livro Novas Cartas Portuguesas que, em 1972, lhes valeu um processo em tribunal por "pornografia e ofensas à moral pública". "É uma promessa poética, atenção. Não é uma promessa católica", esclarece. "Enquanto plataforma de divulgação, de partilha, facilita a vida aos leitores."

"O Instagram parece-me um meio tão válido como qualquer outro. Se um poema é validado por uma comunidade de leitores e não por outra, diz apenas da diversidade das comunidades de autores e leitores", diz à Máxima a poeta Catarina Santiago Costa, que tem três livros publicados: Estufa (2015), Tártaro (2016) e Filha Febril (2017), todos pela editora Douda Correria. "Enquanto autora, quero crer que os meus poemas não perderiam nada se os publicasse no Instagram ou onde quer que fosse", continua. "Em tempos, o meu blogue instava-me a escrever. A instapoesia é conforme das publicações na rede social onde é propagada e coincide com o espírito de síntese de agora." Criticar este espírito, diz a poeta, é criticar o estilo de vida que quase todos alimentamos.

Quanto à mossa que este fenómeno possa fazer na poesia dita tradicional, Catarina Santiago Costa contrapõe: "Não sei se os poetas e os leitores anteriores a este fenómeno se deixarão influenciar por ele, mas duvido. Velhos hábitos são difíceis de mudar. Estes movimentos de conservação e superação são o que faz da arte um organismo macio e mutável."

A página de divulgação de poesia O Poema Ensina a Cair – Ainda, da autoria de Raquel Marinho, ex-jornalista e atual diretora de comunicação da Feira do Livro Portugal Guadalajara 2018, que decorre no México em finais de novembro, conta com mais de 4.200 seguidores no Instagram. Raquel Marinho conta à Máxima que os autores com mais sucesso na página – 80% do que publica é português – são Adília Lopes, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade e Daniel Faria.

No Instagram, a página tem muitos seguidores brasileiros, que são mais desinibidos a "tagar" as pessoas amadas nos comentários das publicações que falam sobre amor. Num poema da autoria da portuguesa Cláudia R. Sampaio, Fogo, alguém tagou o amado e escreveu: "Era isso que eu queria falar, felizmente a ruiva escreveu." A performance dos seguidores desta página não é muito diferente da de outros tipos de posts, inclusive de instapoemas. "As pessoas não perdem muito tempo. Se os poemas forem muito longos, têm menos sucesso." O mesmo em relação à temática: amor e desamor rebentam sempre a escala e os mais complexos ficam aquém da média de gostos das publicações da página. Maria Teresa Horta remata: "A humanidade está salva enquanto houver poesia. Se deixar de haver poesia, a partir dessa altura deixa de haver esperança."

Leia também

O thriller escrito no comboio que vendeu milhares

O escritor espanhol Javier Castillo fez um upload do seu romance policial na Amazon. E foi à sua vida. Alheio ao sucesso do livro, só percebeu que tinha de deixar o emprego em gestão quando chegou às 50 mil vendas em poucos meses.

As Mais Lidas