Sempre achei as eleições uma futilidade. Perfeito era o mundo estar dividido por ideologias políticas. Direita para Norte, esquerda para Sul, liberais para Este, conservadores para Oeste, e os ecologistas na Nova Zelândia. Quem estivesse descontente, mudava-se. "Esta semana de quatro dias está a fazer de mim um molengão. Vou, mas é, ali para o lado da direita liberal trabalhar 70 horas por semana a ver se enrijeço" – seria uma reflexão válida e certamente comum. Como os visionários são sempre ridicularizados, nunca imaginei que a minha ideia fosse levada a sério. Foi, portanto, com perplexidade e até, não me envergonho de dizer, com um certo orgulho – Chega para lá, ó Kissinger, e leva daqui os calhamaços! –, que descobri que algumas famílias norte-americanas estão a guiar-se por esta minha visão geopolítica, mudando-se para a Rússia para fugir ao wokismo e à ditadura dos direitos LGBTQ. A coisa é de tal forma que, de acordo com o jornal The Moscow Times, Putin está a ponderar construir uma aldeia para acolher esta nova vaga de imigrantes. Eu diria que se for numa zona muito fria e por cima do portão disser "Gulag" é capaz de ser melhor evitar.
Compreendo bem estas pessoas. Também eu tenho vontade de fugir cada vez que alguém me pergunta que pronomes é que uso. Mas nunca me passou pela cabeça enfiar-me no Transiberiano. Normalmente, basta-me apanhar o comboio para a Golegã e fica logo tudo bem. E sempre imaginei que os americanos pudessem fazer o mesmo fugindo para o Wyoming ou assim. Mas eles parecem achar que a Rússia é a sua única hipótese. Joe Schutzman, um destes patriarcas expatriados, tem um canal no YouTube – Home in Russia – para ajudar outras famílias a darem o salto. A julgar pelo apelido, eu diria que há uma forte possibilidade de Joe ser um saudosista do Terceiro Reich a tentar açambarcar Lebensraum. Ou isso ou é um espião infiltrado da esquerda liberal a querer empurrar os conservadores cristãos para o lado de lá do estreito de Bering. No pior dos casos, Putin está à espera deles, com uma farda de soldado numa mão e uma Kalashnikov na outra, pronto para os despachar para a Ucrânia, o que acaba por ser uma espécie de economia circular do patriarca.
Schultzman, a mulher e os seis filhos vivem em Moscovo desde Setembro do ano passado. O pobre homem conta que nos Estados Unidos as pessoas faziam pouco deles por terem tantos filhos e lhes perguntavam se era por não terem televisão em casa ou por não saberem o que é que causava os bebés. Já na Rússia são cumprimentados com gritos de "Boa! Bom trabalho! Continuem!" Presumo que Joe esteja a assumir que as pessoas que os congratulam têm, elas próprias, televisão e sabem o que é que causa os bebés. De qualquer forma, quem sou eu para levantar suspeitas?
Se tudo tem corrido bem aos Schultzman, já os Feenstra, um casal canadiano com oito filhos, não se podem gabar da mesma sorte. Antes de se mudarem, venderam os bens e transferiram o dinheiro para uma conta bancária na Rússia. Quando lá chegaram, descobriram que não conseguiam deitar a mão a um único rublo porque os funcionários do banco tinham achado aquilo tudo muito suspeito e congelaram os fundos. Um impasse difícil de resolver já que nem os Feenstra falavam russo, nem os burocratas bancários falavam inglês. A determinada altura, um deles lá terá percebido qualquer coisa a propósito de "dinheiro no gelo" e disse-lhes que não se deviam apoquentar porque era perfeitamente normal. É um flagelo que acontece todos os Invernos, principalmente a babuskas idosas que não confiam nos bancos e preferem guardar o dinheiro dentro de uma caixa enterrada no quintal. Resultado: vem um nevão súbito e o dinheiro fica no gelo durante uns bons seis meses, mas na Primavera é só desenterrar a caixa. No entretanto, sugeriu-lhes que abrissem conta na mercearia mais próxima e que, de futuro, pensassem em depositar o seu dinheiro no banco, onde podem aceder-lhe sempre que quiserem.
Mais recentemente, em meados do mês passado, a família Heyers – pai, mãe e três filhos pequenos – recebeu asilo temporário na Rússia depois de o pai ter decidido fugir do declínio moral e dos ataques aos valores das famílias tradicionais de que eram alvo em Nova Iorque. Era comum serem emboscados, à saída da igreja, por um batalhão LGBTQ que os agrediam com vibradores e caixas de pílulas contraceptivas, enquanto drones pintados com as cores do arco-íris largavam sobre eles panfletos onde podia ler-se: "Jovem, a comunidade trans precisa de ti. Abdica do teu pronome e junta-te a nós."
Perante isto, que pai é que não vê em Putin a cavalgar em tronco nu a segunda vinda do Messias?
A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.