Caso Gisèle Pelicot: "Quando outras mulheres acordarem sem memória, poderão recordar o [meu] testemunho"
Durante quase uma década, uma mulher francesa foi drogada e violada por dezenas de homens, sem nunca suspeitar do horror a que estava submetida. O caso, que chocou a França, expôs uma rede de abuso sexual facilitada pelo seu próprio marido, Dominique Pelicot. Agora, ela e a filha enfrentam um julgamento público e não têm medo de falar ou mostrar os rostos.

O caso de Giséle, uma mulher na casa dos 70 anos, revelou-se um dos episódios mais sombrios de abuso e violência sexual da França nos últimos tempos. Durante quase dez anos, a vítima foi sistematicamente drogada e violada por dezenas de homens, tudo sob o olhar cúmplice do seu marido, Dominique Pelicot, com quem tinha partilhado 50 anos de casamento. Este relato, que abalou o país, tem desafiado não só as estruturas judiciais como também a própria sociedade francesa.
Sabe-se agora, dia 19 de dezembro, que Dominique foi condenado a 20 anos de prisão, a pena máxima, por crimes sexuais contra a ex-mulher e foi considerado culpado de todas as acusações relacionadas com a violação agravada. Foi também considerado culpado pela tentativa de violação de Cillia, a mulher de um dos co-arguidos, Jean Pierre Marechal, conta o Público, e de ter recolhido imagens íntimas e sem consentimento da filha, Caroline, e das noras, Aurore e Céline.

A história começou a ser desvendada em 2020, quando Giséle foi chamada à polícia. Durante anos, vinha experienciando sintomas estranhos: perda de memória, quedas de cabelo e emagrecimento inexplicável. Amigos e familiares chegaram a suspeitar de Alzheimer, mas a verdade revelou-se ainda mais devastadora. O marido estava a colocar comprimidos soníferos na comida e nas bebidas, deixando-a num estado de inconsciência total. Durante essas ocasiões, Dominique não só a violava como também convidava dezenas de homens para participarem nas agressões, filmando tudo ao longo dos anos.
Este abuso continuado foi documentado por Dominique de forma meticulosa. Como é que tudo foi descoberto? Em 2020, depois de três mulheres o denunciarem à polícia por ter tentado utilizar a sua câmara para filmar as suas saias numa mercearia. A polícia apreendeu os seus dois telemóveis, duas máquinas fotográficas e os seus aparelhos eletrónicos, incluindo o seu computador portátil, antes de o libertar sob fiança. A polícia, após deter o homem, encontrou um verdadeiro arquivo digital de horror: mais de 20 mil vídeos e fotografias, organizados em pastas datadas e etiquetadas sob o nome "abuso". O caso chocou pela brutalidade, mas também pela abrangência dos envolvidos. A investigação identificou 83 suspeitos, dos quais 50 foram formalmente acusados. Entre eles, homens de todas as esferas da sociedade: motoristas de camiões, guardas prisionais, enfermeiros e até um jornalista local.
Giséle, ao ser confrontada com as fotografias e vídeos, entrou num estado de choque profundo. A realidade foi um golpe insuportável. Depois de uma vida inteira de casamento, descrevia o seu marido como um homem carinhoso e atencioso.

Nunca teve qualquer memória dos abusos, nem de ter sido violentada por ele ou pelos outros homens. A única exceção foi o reconhecimento de um vizinho, que apenas intensificou a sua angústia.
O julgamento de Pelicot tem sido um dos momentos mais aguardados no país, tanto pela natureza horrenda dos crimes como pelo contexto social mais amplo. Em França, o tratamento de crimes sexuais tem sido um tópico de intenso debate. As definições legais de violação, por exemplo, estão sob escrutínio, com feministas e ativistas a pressionarem para que a lei seja reformulada. A proposta sugere que a definição de violação deve incluir explicitamente a falta de consentimento, mesmo em casos onde a vítima esteja num estado de incapacidade de julgar ou recusar, como aconteceu com Giséle.
Durante o julgamento, a vítima contou como o mundo que construiu ao lado do marido se desmoronou. "Sou um campo de ruínas", disse ao tribunal, enquanto relatava o choque de descobrir o que realmente aconteceu. De acordo com as regras francesas, Giséle poderia ter evitado que o julgamento se desenrolasse à vista do público e ter optado por mantê-lo à porta fechada. Em vez disso, decidiu que era importante que toda a França ouvisse a sua história e que a vergonha recaísse sobre os homens acusados, e não sobre ela. "Assim, quando outras mulheres acordarem sem memória, poderão recordar o [meu] testemunho", afirmou. "Nenhuma mulher deve sofrer por ter sido drogada e vitimada", disse, como avança o The New York Times. O casal, que tinha três filhos e sete netos, parecia ser uma família unida e estável. O marido, um eletricista de profissão e ciclista nas horas vagas, era visto pelos vizinhos como um homem comum e respeitável. A revelação do seu papel neste crime monstruoso desafiou todas as perceções.

As consequências deste caso têm sido amplas e profundas. Caroline Darian, filha do casal, publicou um livro em 2022 sobre o trauma familiar, intitulado E Parei de Te Chamar de Pai. Neste livro, Darian descreve a complexidade de lidar com o facto de que o homem que a criou e lhe deu carinho foi o mesmo que perpetrou um dos mais atrozes crimes contra a sua mãe. Esta revelação motivou-a a criar uma associação chamada "Não Me Ponhas a Dormir", que se dedica a alertar sobre os perigos dos crimes facilitados por drogas.
O julgamento, que se espera que dure quatro meses, continua a ser um ponto de convergência para os debates sobre consentimento, impunidade e a necessidade de reformas legais. Dominique, desde a sua prisão, tem admitido os seus crimes, não mostrando resistência à acusação "sempre se declarou culpado", declarou Béatrice Zavarro, a sua advogada, conta o The New York Times. "Ele não contesta de forma alguma o seu papel". Se condenado, enfrenta uma pena de até 20 anos de prisão. Porém, para Giséle, a sentença nunca poderá apagar os danos físicos e psicológicos infligidos durante quase uma década de terror.
Recentemente, Giséle falou com os jornalistas presentes fora do tribunal, afirmando solenemente "claro, vou ter de lutar até ao fim, porque este julgamento vai durar quatro meses."

Este caso, além de evidenciar a brutalidade de um crime que parecia impensável, expõe uma falha sistémica na capacidade de identificar e prevenir tais abusos. A França, um país onde a questão dos direitos das mulheres e da justiça para crimes sexuais está a ganhar cada vez mais destaque, vê-se agora desafiada a não apenas punir os culpados, mas também a refletir sobre as reformas necessárias para evitar que algo tão abominável volte a acontecer.

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