As mulheres garantem que a resistência dos homens à dor é tão baixa, tão baixa, que se fossem eles a passar pelo trabalho de parto só haveria filhos únicos no mundo. Por regra, acusamo-los de serem mais piegas do que elas.
Caímos em juízos precipitados, é certo, mas também somos vítimas deles, quando recebemos o rótulo de eternas queixosas e de andarmos sempre nos médicos. "Mulher doente, mulher para sempre", diz o epíteto popular. Como é popular a insinuação, transformada em anedota, de que retiram uma dor de cabeça do bolso do pijama, usando-a como desculpa para resolverem o desencontro do desejo sexual. Mas será que a dor tem realmente sexo? A ciência assegura-nos que a experiência de dor é muito diferente nos homens e nas mulheres e que existem, de facto, doenças predominantemente femininas ou masculinas - sim, como as ditas enxaquecas. Distinguimo-nos também na forma como reagimos aos medicamentos e terapias, e saber mais sobre estas diferenças é fundamental para "personalizar" o diagnóstico e o tratamento do sofrimento.
O sexo do limiar da dorPoucos levarão a dor mais a sério do que Ana Pedro, médica anestesista, diretora da Unidade de Dor do Hospital Fernando da Fonseca e presidente da Associação Portuguesa do Estudo da Dor (APED). E é Ana Pedro que, logo num primeiro momento da nossa conversa, desfaz o mito: perante os mesmos estímulos dolorosos está provado que são os homens que têm um limiar da dor mais alto, ou seja, começam a sentir dor depois das mulheres. Parecem também tolerá-la com mais facilidade. Rimos. Então talvez a taxa de natalidade subisse se fossem os homens a dar à luz. E o pior viria depois quando nos garantissem que afinal ter um filho não custava nada.
Adiante. O que importa agora reter é que esta informação valida as queixas das mulheres porque, sim, não só são mais sensíveis à dor, como a sentem com mais intensidade e durante mais tempo do que os homens. Ora, como a presença de dor, lembra Ana Pedro, é dos principais indicadores da probabilidade de novas dores, é fácil compreender como estas se podem rapidamente tornar omnipresente nas nossas vidas.
Porém, nem a avaliação "pura e dura" da dor, nem a consciência de que os mecanismos biológicos que lhe estão subjacentes têm sexo chegam só por si para explicar a forma tão distinta como lhe reagimos, insiste a presidente da APED.
Pense, por exemplo, como está mais sensível à dor quando está cansada ou dormiu pouco? A falta de sono é dos fatores que nos torna a todos mais sensíveis ao estímulo doloroso. Pense como lhe é muito mais difícil tolerar uma dor quando está em baixo, ansiosa, ou a enfermeira ou o médico que tem pela frente lidam consigo de forma menos empática.
Pois é: a dor é um fenómeno complexo e os fatores emocionais são determinantes. É por causa disso que, hoje em dia, se afirma que a única autoridade na dor é o próprio paciente!
E, depois, ainda há a forma como a manifestamos. A forma como a dor é exteriorizada, nomeadamente por um homem ou por uma mulher, varia radicalmente consoante a cultura em que estão inseridos. Na nossa cultura, lembra Ana Pedro, as mulheres têm muito mais facilidade em falar do que sentem e em pedir ajuda. Não admira por isso que, de facto, sejam elas que vão a mais consultas, fazem mais exames e procuram mais ativamente soluções. E o atendimento que recebe varia se os profissionais de saúde que atenderem forem do sexo feminino ou masculino, pergunto. Segundo alguns estudos, os médicos tendem a desvalorizar as queixas das mulheres, confirma-se.
Mas a presidente da APED recorda que os homens vivem igualmente presos no papel que a sociedade lhes reserva. Não são benignas as consequências dos estereótipos que ditam que um homem não chora, não é piegas, não precisa de ajuda. O que a sua experiência com doentes masculinos em situação de dor aguda ou crónica lhe mostrou é que quando a doença e a dor se tornam de tal forma graves que é impossível continuarem a escondê-la, os homens deprimem-se muito rapidamente. Suportam pior ser cuidados, em lugar de cuidadores, porque se afasta da imagem de masculinidade que querem para si.
A culpa é das hormonasA ciência não tem dúvida de que as hormonas sexuais são as principais implicadas no alargar do fosso entre a dor no feminino e no masculino. O surgimento do período menstrual é uma notícia dolorosa para a grande maioria das raparigas. Uma "má" notícia que, ainda por cima, se repete, em média, a cada 28 dias, durante cerca de 40 anos. Para 20% das adolescentes e das mulheres jovens é de tal forma dolorosa que justifica, pelo menos, um dia sem escola por mês. Nos restantes dias do ciclo, são também as flutuações do estrogénio e da progesterona que explicam os picos de dor física e mental de que tantas mulheres sofrem, entre elas as enxaquecas, um tipo de dor de cabeça predominantemente feminino com um trigger hormonal.
São também elas que, direta ou indiretamente, explicam os indesejados efeitos secundários da gravidez e do parto, das náuseas aos vómitos, dores pélvicas e ciáticas incluídas, assim como provavelmente contribuem para a depressão pós-parto, sem esquecer alguns dos desconfortos do aleitamento. E o mais grave é que muitas destas dores não só são desvalorizadas como "naturais" ("As mulheres têm filhos há milhares de anos!") como por não serem nem compreendidas, nem tratadas, transformam-se, muitas vezes, em crónicas. Por exemplo, os estudos indicam que 18% das mulheres que fazem cesarianas e 10% das que têm partos normais ainda têm dor um ano depois ? nomeadamente dores pélvicas, abdominais e dores na cicatriz.
Mas se nesses momentos suspira pela menopausa, desengane-se porque quando finalmente a produção destas substâncias diminui, fica claro a falta que fazem. Se é verdade que há realmente algumas dores que claramente diminuem, ou até desaparecem, outras crescem exponencialmente, como, por exemplo, as doenças reumáticas com a sua longa lista de consequências.
A dor não faz bem a nadaHomens e mulheres têm, no entanto, uma coisa em comum: ambos são vítimas da ideia de que aguentar a dor até não se poder mais é louvável. Infelizmente, nem a dor se vai embora mais depressa por isso, nem tão-pouco nos torna mais resistentes. Muito pelo contrário.
O que se verifica, explica Ana Pedro, é que uma dor que não se cala baralha e confunde o cérebro, tornando-o cada vez mais reativo aos estímulos dolorosos. Na prática, com a insistência, as vias de transmissão do estímulo nervoso vão-se transformando em verdadeiras autoestradas, na ânsia de fazer ouvir o alerta o mais rapidamente possível. O cérebro fica assim impregnado de campainhas que tocam sem parar, completamente focado na tentativa de as calar, procurando desesperadamente valorizar todos os sinais que recebe, de forma a encontrar solução para o problema. Nesta tentativa vai baixar o limiar da dor, ficando progressivamente mais sensível, até que a certo ponto o mais pequeno estímulo tem a capacidade de ser interpretado como doloroso.
E a dor aguda ou crónica, ao contrário do que muitos de nós aprendemos, não faz bem a nada. Pelo contrário, torna-nos mais egocêntricos, menos abertos aos outros e à vida, além de menos produtivos, menos capazes de tirar satisfação daquilo que nos dá prazer. Se não custa perceber como a depressão nos pode tornar mais sensíveis à dor, também é fácil entender como a dor leva facilmente à depressão, realimentando o ciclo.
Então o que fazer perante a dor? É importante ter a consciência clara de que não podemos ambicionar um estado de "dor zero", seja a nível físico, seja a nível mental. Dito isto, é preciso procurar ajuda cedo, impedindo a dor de se tornar crónica e, já agora, seguir à risca as indicações médicas, tomando a medicação a tempo e horas, antes da escalada dolorosa.
Por vezes, os profissionais que procuramos defraudam as nossas expectativas, desvalorizam a nossa dor e deixam-nos ainda mais zangados, mas infelizmente, confidencia Ana Pedro, os doentes também tendem a esperar curas milagrosas, do género "Resolva-me lá isso…", sem se disporem a seguir as recomendações e as terapêuticas. Quando reagimos mal a um medicamento que não tem os efeitos esperados, por exemplo, muitas vezes em lugar de voltarmos à consulta, explicando o que se passa, optamos simplesmente por deixar de tomar. Esquecemo-nos de que o médico só pode "acertar" na terapêutica e na dosagem certa com o nosso feedback, uma vez que cada pessoa reage de maneira diferente e a própria reação ou ineficácia do medicamento pode ser a única forma de afinar o diagnóstico.
Já para não falar na tendência de procurar sucessivas "segundas opiniões", muitas vezes sem a honestidade de revelar a quem nos atende o processo que antecedeu aquela consulta. Não são poucos os casos, lembra a presidente da APED, em que o doente está encharcado em medicamentos, alguns com propriedades idênticas e apenas nomes diferentes com consequências gravíssimas.
Mas para fazer desaparecer ou atenuar uma dor é preciso, muitas vezes, mais do que farmacologia. É preciso mudarmos comportamentos e estilos de vida. E aí fugimos ou não temos a persistência para alterar o que nos prejudica. "É preciso que o doente seja honesto consigo mesmo e connosco. Se não vai fazer mais exercício [físico], nem mudar os seus comportamentos alimentares, por exemplo, é necessário que tenha coragem de nos dizer [isso] para juntos procurarmos formas de contornar os obstáculos. De procurar chegar lá por passos mais pequenos. Mas têm de ser verdadeiros", insiste Ana Pedro. Decididamente, sentirmo-nos parte da solução - assim nos deixem! - é a única forma de combater a dor, seja no feminino ou seja no masculino.
Explicar a dor por palavrasExplicar a dor que sentimos não é nada fácil. Há dores que queimam, dores que parecem vidros espetados, dores difusas que moem sem que se consiga dizer, exatamente, onde são. Pegue numa folha e numa caneta e comece a descrever para si mesma o que sente. Vá testando imagens ("É como se um raio me fulminasse"), faça comparações e procure semelhanças com outras dores ("Lembra-me aquela dor aguda quando eu fui desvitalizar um dente"), assinale o movimento que agrava. Aos poucos, é provável que a consiga definir melhor. Se é uma dor que vai e que vem, faça um diário da dor, a hora em que se sente pior, os dias bons e os dias maus e o que parece precipitar ou melhorar as crises. Não hesite em levar os seus "escritos" ao médico. Vão, certamente, ajudá-lo a acertar mais depressa no diagnóstico.
Mexa-se! As mulheres ainda precisam maisAs estatísticas não deixam dúvidas. As mulheres, a partir da adolescência, praticam muito menos exercício físico do que os homens. E o mais grave é que precisam tanto ou mais dele do que o sexo masculino. Com tendência para sofrer de dores mais frequentes, intensas e prolongadas, só ganham com a dose extra de endorfinas, analgésicos produzidos pelo corpo durante o exercício. Por outro lado, o exercício físico ajuda a combater as doenças articulares, a descalcificação óssea e outras doenças tipicamente femininas. Para isso, lute pela real divisão de tarefas em casa e com os filhos e não caia na tentação de achar que ele precisa mais de "descomprimir" do que você.
O sexo da investigaçãoPorque as alterações hormonais, ao longo do ciclo menstrual, tornam mais difícil interpretar os resultados, a maior parte dos laboratórios de investigação científica utiliza cobaias macho. O que pode, no limite, conduzir a que as conclusões não se apliquem exatamente da mesma forma às mulheres. Embora na fase experimental dos medicamentos o universo já seja masculino e feminino, as limitações éticas, as experiências durante a gravidez e o aleitamento significam que a maior parte dos remédios não seja testada para esta fase da vida da mulher. Que, ainda por cima, é quando muitas vezes mais precisam deles. A quase inexistência de medicação para as náuseas e para os vómitos, que podem ser verdadeiramente incapacitantes, são prova disso.