Enquanto escrevo há mães que embalam filhos cadáveres em Gaza. Há muitas crianças e jovens no mundo que aguardam em sofrimento a proteção da justiça perante os seus corpos violados. Há mulheres e raparigas que sobrevivem à vitimização de violência nas famílias e instituições, também em Portugal.
A empatia e as transformações de que precisamos não se constroem por osmose, nem pela visualização de imagens terríficas da dor — ou a maioria dos conflitos teriam sido resolvidos em poucos dias. A cidadania, a igualdade e os Direitos Humanos têm de ser conhecidos, debatidos, implementados e usados com a mesma facilidade com que usamos o saber básico da aritmética ou da ordem alfabética. E o que tem isto a ver com educação sexual? Tudo.
A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) salvaguarda a plena igualdade entre homens e mulheres. O acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e a igualdade de género de todas as meninas e mulheres são metas da agenda de 2030 da ONU. São dois compromissos aos quais Portugal está vinculado.
O que está em causa é assegurar ou não a educação sexual em contexto escolar como um direito humano, assegurando que todas as crianças e jovens têm um espaço seguro de não discriminação, de acesso ao saber cientifico-pedagógico que as integra nas suas diferentes dimensões. Um espaço onde adquirem ferramentas que as empoderam, com conhecimento, que lhes permite, por exemplo, procurar ajuda.
A educação sexual desempenha um papel fundamental na promoção da saúde e do bem-estar. Adolescentes e jovens precisam de compreender claramente as mudanças físicas e emocionais que vão experimentar na transição da infância para a idade adulta e como essas mudanças podem afetar o seu desenvolvimento e a sua vida futura. Deve também aprofundar questões como o consentimento e a comunicação saudável nas relações afectivas, diversidade sexual, autonomia e escolha sexual e reprodutiva.
Sem esse conhecimento, ficam vulneráveis à coerção, às infeções sexualmente transmissíveis e à gravidez precoce ou indesejada, com consequências graves e muitas vezes fatais. Sem esquecer que a gravidez precoce também afeta a educação das meninas por meio do abandono escolar e essas lacunas reforçam a desigualdade de género, também no local de trabalho.
Vários estudos confirmam jovens que recebem educação sexual tendem a adiar o início da vida sexual, a usar contraceção de forma consistente e fazer escolhas autónomas sobre relacionamentos e fertilidade. É um investimento até, por diminuir custos futuros com cuidados de saúde e apoio social. O que deve fazer soar um alerta muito preocupante é que nos últimos anos assistimos a um crescimento das infeções sexualmente transmissíveis como a gonorreia e a sífilis, ao aumento da violência no namoro e da discriminação.
A educação sexual em contexto escolar é um equilibrador social e deve ser acessível a todas as crianças e jovens, independentemente das origens étnicas, religião, género e capacidades físicas e intelectuais. Tem de ser um espaço seguro de prevenção e debate que permita de forma sistemática e em contexto científica e pedagogicamente informado, adaptado a diferentes idades, contribuir para a desconstrução de comportamentos abusivos, que tendem a ser normalizados por discursos de desinformação, enfraquecendo a cidadania.
Foi numa escola portuguesa que conheci o Tiago, que foi abusado pelo avô entre os 4 e os 14 anos, até ao dia em que depois de uma aula sobre consentimento, falou com a professora em que confiava e iniciou um processo de denúncia e proteção. E também a Rita, que soube o que era a menstruação numa aula de cidadania — até aí, o fluxo menstrual era para esta menina a manifestação de uma doença que todos os meses tinha de esconder, com toalhas e guardanapos de pano, para que ninguém soubesse que já era uma mulher... Não os esqueço.
Os conteúdos de história, matemática ou biologia não são colocados em consulta pública. Porquê fazer isto com a Educação para a Cidadania e a Educação Sexual, num tempo tão curto e em plenas férias de verão? Para reforço da participação cívica ou técnica? Não me parece.
Catarina Furtado, mulher, mãe, Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População, Presidente da Associação Corações Com Coroa, comunicadora, cidadã.