Alberta Marques Fernandes acaba de lançar o seu segundo livro, um trabalho jornalístico editado pela Desassossego, que reúne entrevistas com sete deputadas portuguesas. Escreveu-o depois de horas sem fim à conversa com Assunção Cristas, Catarina Martins, Cecília Meireles, Isabel Moreira, Mariana Mortágua, Rita Rato e Teresa Leal Coelho. "Tudo começou com uma proposta da editora, que aceitei. Interessa-me contar estórias de mulheres que estão a fazer História no feminino", diz apivotda RTP num sorriso. Escondemo-nos do frio de uma tarde invernosa de novembro numa das salas do enorme estúdio de televisão, perto de Marvila, em Lisboa. Alberta aninha-se numa cadeira de braços, sempre sem desviar o olhar curioso e atento, sem fazer pausas no discurso ritmado, atirando respostas sem hesitar, a dicção perfeita, como se estivesse a ler um teleponto invisível.
"Por ser jornalista comecei por querer escolher estas mulheres de forma equidistante, isto é, sentia que fazia sentido traçar o perfil de uma deputada por cada bancada. Mas mais tarde cheguei à conclusão de que não seria completamente justo, porque tanto o Bloco de Esquerda como o CDS tinham proporcionalmente mais mulheres nas bancadas, além de também terem escolhido mulheres para liderar os partidos", conta Alberta Marques Fernandes. A jornalista diz que, acima de tudo, queria conhecer as pessoas que nos representam e que nos entram em casa todos os dias pela televisão, com novas ideias e soluções para o futuro do país. "Queria contar as suas histórias, saber em que circunstâncias cresceram, como foram as relações com as suas famílias. Tentei descobrir o que as levou a querer fazer política, com o que sonhavam. É este lado humano da política que me interessa contar."
O projeto segue o conceito do seu primeiro livro, As Primeiras-Damas, editado em 2011 pela Esfera dos Livros. "São retratos traçados depois de entrevistas longas, de horas e horas de conversa, aos fins de semana ou depois do trabalho. Conheci-as melhor, mudei a minha perspetiva. Quando nos dedicamos a olhar para o outro, além da espuma dos dias, com olhos de ver e sem preconceitos, facilmente mudamos de opinião."
O que mais a surpreendeu? "Todas estas mulheres me deixaram espreitar as suas vidas. A Mariana Mortágua é uma motard, chegava sempre de blusão de cabedal e capacete debaixo do braço. A Teresa Leal Coelho escolheu o restaurante onde se casou para conversarmos. A Catarina Martins levou-me ao Cinema São Jorge, um lugar que é muito especial, porque foi ali que comemorou o meio milhão de votos para o Bloco de Esquerda que acabou por viabilizar o Governo de Esquerda que lidera o país agora. A Rita Rato mostrou-me no Parlamento os brinquedos do filho, que guarda ali para o distrair quando tem de trabalhar até tarde. A Cecília Meireles falou-me com uma enorme ternura da única irmã, que tem uma deficiência profunda, mas com quem tem uma ligação muito forte, que me sensibilizou muito. A Isabel Moreira é uma mulher de causas, ao ponto de tatuar no braço a data de votação da lei de liberalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Assunção Cristas assumiu claramente que está na política porque é cristã e quer defender esses valores." Em Portugal, a política continua a ser feita no masculino, mas estas sete mulheres têm feito todos os esforços no sentido de mudar o paradigma e abrir caminho para um maior equilíbrio e uma maior (e mais justa) representação feminina no Parlamento.
O novo livro de Alberta Marques Fernandes quer ser mais do que um dossiê. Vem chamar a atenção para o fosso da desigualdade de género, que ainda é gritante em algumas áreas, como a da política, um meio que sempre foi dos homens. "Fazer política não é fácil, o escrutínio é enorme. Quer queiramos quer não, quando são mulheres a fazê-la o escrutínio ainda é maior. Passei a admirar estas mulheres que, mesmo em condições adversas, não desistem de nos representar", acrescenta a jornalista.
"Existe uma lei da paridade, que dá oportunidades a estas mulheres e a outras que, no futuro, queiram dedicar-se à vida política. Mas o ideal seria que, um dia, este tipo de legislação deixasse de fazer sentido, de ser necessária. Algumas destas mulheres disseram-me que só foram escolhidas para lugares elegíveis porque a lei da paridade existe e isto faz-me pensar. O caminho está a ser seguido, porque a legislação existe, mas é urgente mudar mentalidades."
O lançamento do livro Mulheres na Política - Retratos na Primeira Pessoa acontece já hoje, quinta-feira, dia 23, às 18 horas, na Biblioteca da Assembleia da República, em Lisboa.