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Cristina L. Duarte: “As mulheres obrigam-se a estar sempre impecáveis”

Da exigência de perfeição ao assédio e discriminação, o novo livro da socióloga Cristina L. Duarte percorre a História e estórias de mulheres portuguesas para nos mostrar que o género ainda pode ser um espartilho.

Cristina L. Duarte
Cristina L. Duarte Foto: Rita Carmo
15 de novembro de 2017 às 07:00 Carlota Morais Pires

Cristina Duarte é socióloga e, em Portugal, é uma das investigadoras que mais tem estudado a moda e a flutuação dos seus significados sociais: escreveu a biografia de Ana Salazar e um livro sobre José António Tenente. Reuniu as histórias dos criadores portugueses, lançou um volume sobre moda portuguesa e outro sobre trajes regionais, além de colaborar como jornalista para o Expresso, a Visão, a Ler, a Sábado, o Público, a Vogue e a Máxima. Agora, acaba de publicar a sua tese de doutoramento no livro Moda e Feminismos em Portugal: O Género como Espartilho (€19,90), editado pela Temas e Debates.

"Sempre gostei de moda, mas nem sempre podia vestir o que queria. Existe sempre uma restrição, que normalmente é imposta pelas mães às filhas. Quando comecei a ter mais liberdade para escolher comecei a perder-me na Feira da Ladra, a descobrir peças maravilhosas, que guardavam histórias que não conhecia", conta Cristina L. Duarte enquanto se aconchega debaixo do sol quente de outono, no jardim do Museu do Traje, no Lumiar. "Queria explorar a dualidade da moda, que nos dá o poder de expressarmos a nossa individualidade através da roupa, mas também nos sujeita ao mesmo tempo a uma avaliação, porque somos sempre julgados primeiro pela imagem - e isto ainda acontece sobretudo com as mulheres", esclarece a socióloga, que trabalhou durante vários anos neste projeto, com as entrevistas a acontecerem entre 2012 e 2014. Debruçou-se sobre documentos históricos, reuniu excertos de imprensa e iconografia do decorrer do século XX e recuou à primeira década do século XXI para observar a forma como a moda reflete a construção de género.

"A aparência chega primeiro, antes do pensamento, do discurso. Por isso a moda pode ser uma forma de empoderamento, porque nos dá o controlo, mas também tem muitos outros significados sociais: a minissaia tanto pode expressar libertação como dominação, porque a moda é arbitrária."

"O que é que a moda dá às mulheres que vai substituir ou capacitá-las perante o vazio de poder e a desigualdade de género que lhes é atribuída historicamente?", pergunta a autora.   

O livro espreita a história da moda, faz um levantamento dos mais importantes criadores e intelectuais que pensaram sobre o ato de vestir e as repostas sociais ao que escolhemos usar. Depois, foca-se sobretudo na questão do género e da discriminação, fala sobre a nossa perceção do corpo, sobre o assédio, sobre a influência da sociedade nas nossas escolhas.

"São poucas as mulheres que estão felizes com a sua própria imagem. Em 41 entrevistadas, só a mulher mais velha e a mulher mais nova diziam gostar do seu corpo. O ideal da mulher perfeita já foi construído há tantas décadas, está associado à História de Arte, ao nosso imaginário. Se agora voltasse a entrevistar a mais nova não sei se daria a mesma resposta. Quase todas as mulheres que entrevistei disseram que se sentiam demasiado gordas ou magras e uma das entrevistadas, que trabalhava como educadora de infância, dizia que se sentia discriminada pelas suas tatuagens, como se essas inscrições no corpo fossem de alguma maneira afetar o seu trabalho ou quebrassem a confiança dos pais na professora."

O espartilho é a metáfora a que a autora recorre para injetar esta ideia de rigidez colada à imagem da mulher desde sempre. Fala de uma violência simbólica, exercida através desta exigência com a imagem.

"O complexo nunca nasce connosco, vem sempre de fora. Criamos inseguranças que são só desencadeadas pela imagem que temos de nós próprias. As mulheres têm de estar sempre impecáveis, obrigam-se a isso." 

Na tese de doutoramento, Cristina Duarte também quis explorar os significados de diferentes peças de roupa, desde a saia-calção, comentada com excertos de textos das sufragistas ("somos feministas femininas"), às calças de ganga, associadas ao trabalho nas fábricas e renovadas nos anos 70, como novo símbolo de liberdade e revolução social. "Cheguei a conclusões muito interessantes, até porque falei com mulheres de diferentes gerações, por vezes da mesma família: com a avó, a mãe e a neta. Numa das famílias, as opiniões aproximavam-se entre a avó e a neta, mais do que entre mãe e filha."

Mais importantes ainda são as questões da desigualdade de género, explícitas durante todo o trabalho. "As mulheres são mais assertivas e determinadas, as novas gerações têm um percurso que permite essa afirmação. Mas a discriminação não desapareceu: há mulheres que continuam a ser despedidas por estarem grávidas, parece impossível, mas acontece. Não é só uma questão de assédio, continua a existir muito desrespeito e um longo caminho a percorrer até alcançarmos a igualdade de género. Não somos todos iguais, mas tem de existir respeito. Este respeito deve ser ensinado. Cuidar o futuro começa pelo presente."

 

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